CARAS PINTADAS
Quando estávamos em férias na fazenda, além da tradicional caça ao tesouro, havia outra brincadeira - ou malvadeza - que se repetia todos os anos. Era a de pintar a cara de alguém. À noite, enquanto todo mundo dormia.
Um grupinho se organizava para os preparativos e ficava de segredinhos pelos cantos. Colhíamos umas frutinhas vermelhas, chamadas urucum – aquelas mesmas que os índios usavam – para fazer a tinta. Na hora de realizar a pintura, ainda passávamos os dedos na bundinha da chaleira, pretejada sobre o fogão de lenha.
Isso permitia borrar ainda mais a cara do coitado que, ao sonhar com os anjos, não se dava conta de nada. No dia seguinte, antes de se deparar com o espelho, não compreendia por que riam tanto dele. Somente quando entrava no banheiro é que começava a gritar. E voltava correndo, indignado, mas não havia mais ninguém por ali. Cada qual se escondia onde podia.
Algumas vezes, porém, algum participante do grupo dos pintores se via traído. Para disfarçar, na hora de dormir todos se recolhiam. O combinado era que, logo em seguida, saíssemos do quarto pé ante pé. Acontecia, no entanto, de alguém se distrair e pegar no sono.
... Só na manhã seguinte é que percebia que também tinha sido premiado. Mas era tarde, de nada adiantava xingar.
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