Sorte tive eu, na véspera de uma madrugada há cinco anos atrás, quando consegui flagrar o meu sobrinho Lique em casa e suficientemente acordado para receber os meus parabéns pelos seus dezessete anos. Aquela lenga-lenga costumeira – muitas felicidades etc. e tal. Aproveitei, porém, para fazer-lhe, gratuitamente, uma pergunta de médico homeopata: “Como vai de humor?” Felizmente bem, o que me animou a transmitir-lhe a conclusão de minhas derradeiras cogitações filosóficas:
“Porque, meu caro, o humor é ainda mais importante que a saúde! Claro que, sem esta, fica muito mais difícil mantê-lo – já dizia Schopenhauer, o otimista filósofo que se disfarçava no mais pessimista deles. Mas existem pessoas saudáveis que vivem de cara amarrada, de mal com a vida, tristes, melancólicas e depressivas, e que, infelizmente para eles próprios, atingem idade avançada. Para quê? Viver para sofrer? Não importa, portanto, que a gente viva muito ou pouco, contanto que o corpo reflita (inclusive no espelho) um bom humor que venha lá de dentro das profundezas da alma (mente? espírito?).”
“Agora, uma coisa é (ou parece) certa. Quem consegue achar graça nos pequenos acidentes da existência é um abençoado pelos deuses, pois terá muito maior capacidade de se divertir com acontecimentos maiores – e a um custo bem menor (e lá vem esse economista, sempre à espreita, com os seus economicismos intempestivos!)”
Lique, um carinha paciente e ainda embalado por Morfeu, deve ter bocejado horrores diante de tanta catequese. Para apagar a má impressão inicial, resolvi tentar impressioná-lo bem (com perdão da repetição enfática e contrapontística), ao menos ao final da homilia, visto que ele que é músico:
“Sabia que estou pensando em entrar para um coral?”
“Beleza pura, tio” (expressão seguida de outro bocejo, que supus menor, logo seguido de outro, indubitavelmente maior).
“Só tem um senão: como fazer para sobreviver com toda a minha incompetência musical? Ao último coral de que fiz parte tive o bom senso de cair fora antes que dele me expulsassem a pontapés.”
“Fácil resolver isso, tio. Por que você não entra para uma banda de rock?”
“Uma idéia a se pensar. Pelo menos, posso esconder a minha maviosa voz no meio do barulho ensurdecedor da bateria. A propósito – e aqui vai uma observação séria de agent provocateur – você já decidiu se pretende se tornar um adulto ou um baterista?”
Por aí ficamos – eu (como Brutus), com a minha suspeita filosofia; ele, com a do rock ‘n’roll. In pace, pelo menos até transantontem!
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