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Humor-->Cristo Crucificado -- 25/12/2008 - 11:14 (Fernando Werneck Magalhães) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Vinha eu caminhando contra o vento – para arejar as idéias por entre os prédios, gramados e fezes caninas, que conferem um ar sublime à natureza que permeia a quadra em que me confinei no Setor Sudoeste – quando dei uma barrigada num amigo que não encontro nunca. Pois em troca do abraço com que recebi este filósofo, atirou-me ele ao colo o enigma que se segue: “Quis ser bom, mas acabei crucificado. Por quê?”

Minha primeira reação, que logo reprimi, foi tentar adotar uma suspeita neutralidade, na forma inconclusiva do idioma anglo-saxão: “Good question!”, cuja tradução literal assim reza: “Sei lá!” Seguindo, porém, as instruções dos especialistas romanos em tortura, respirei fundo e contei até três antes de responder-lhe, também enigmaticamente: “Você na companhia de JC?”

De início, ele balançou, pois, creio, não esperava deste incréu praticante – ainda que, segundo me acusam, religioso inveterado e irreverente incurável - uma referência tão direta ao nobre e ex-futuro rei dos Judeus. Passada a surpresa, exigiu-me explicações. Auscultei-lhe de imediato o peito, senti-lhe o pulso arrítimico e exigi que me expusesse a língua esbranquiçada para fora da sua nojeneta boca cheia de dentes. Como ele não me pareceu em termos gerais muito “sampaku” (ou seja, com o organismo desequilibrado, do ponto de vista de uma meia dúzia de hormônios), decidi que poderia continuar, sem risco de vida, a nossa conversação.

Operador de Direito e licenciado do serviço público, encontrava-se há seis meses em Brasília, estudando para concurso, pois necessitava arrumar tempo que lhe permitisse exercer maior controle sobre a passagem do mesmo – que, se um dia lhe sobrava, noutro não lhe permitia ócio para usar fio dental. Quanto mais para filosofar!

Como os seus órgãos (tanto os mais quanto os menos vitais), acabavam de cravar meio século de uso contínuo, resolveu que, antes de entrar na zona de tiro, tinha algumas pendências existenciais a esclarecer.

Quanto à primeira delas – a da justiça cósmica, cármica ou divina –, infelizmente não pude ser-lhe de muita valia. Não só porque tinha afazeres a cumprir – alguns deles indispensáveis à minha reles sobrevivência –, como também porque já desistira de encontrar lógica minimamente satisfatória para a mesma.

À falta, entretanto, de tempo para expor-lhe “in totum” o meu raciocício – incluindo o aporte de evidências, provas, hipóteses, teses, antíteses, hermenêutica e jurisprudência –, pude apenas recitar-lhe, como uma inútil ladainha e da forma mais concisa que a pressa me permitiu, as minhas conclusões (sempre provisórias).

Que se lhe incomodava muito continuar a viver em meio a tantos riscos e incertezas bravas, que descobrisse no catálogo comercial a igreja ou seita mais próxima de sua casa (assim, economizaria gasolina) que lhe prometesse o inverso do que ele observava neste mundo – ou seja, paz, compreeensão, afeto, amizade, compaixão, solidariedade, amor e, se possível, uma vida adicional para que nela pudesse ele, finalmente, realizar os seus mais recônditos e nobres desejos e aspirações.

Confesso que o deixei não sem a preocupação de mais tê-lo assustado que ajudado. Mas, que mais poderia eu ter feito? Sobrou-me, ao menos, a consciência tranqüila de ter ido até onde as circunstâncias me haviam permitido.

Ainda assim, fiquei com o travo amargo de encontrar mais uma pessoa vergada sob os baitas problemas insolúveis desta existência. Decepção: nem o Millôr, meu ex-vizinho e filósofo preferido logo depois do hilário Schopenhauer, dispunha de fórmula matemática que os liqüidasse peremptoriamente!


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