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Humor-->Caí na Receita -- 26/12/2008 - 15:13 (Fernando Werneck Magalhães) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Cometi o maior vacilo ao comparecer à agência da Receita Federal carregando comigo um rosto sorridente, que ardia de iluminação - transitória, óbvio. Assim fazendo, causei espécie e ofendi os remediados dos seus funcionários, que pareceram-me angustiadíssimos por terem de cobrar-me o imposto que usam para pagar as próprias contas deles de cada dia. Eis porque quem lá adentra de lá é sempre ejaculado mais pobre, senão inadimplente.

Foi o que aconteceu comigo naqueles tempos bíblicos, quando decidi solicitar o parcelamento de uma dívida – em parte indevida por motivos que prefiro omitir para não baratinar o leitor. Só que marchei para o cadafalso com o firme propósito de não me aborrecer e, se possível, até curtir o inglório momento.

E aqui vou logo abrindo o jogo. Não tive, de fato, muito do que me queixar. Nem houve fila a enfrentar! Bom para mim, que sou quase tão esnobe quanto o Ibrahim Sued, embora discrepe dele por carregar embrulho sem grandes traumas. Assim, todas as pequenas dificuldades puderam ser superadas, inclusive a polêmica em torno do fato de a minha assinatura ter-se modificado ligeiramente nos últimos noventa anos.

Resultado lamentável: não batia, com exatidão matemática, com a que consta da minha perigosa carteira de identidade, emitida que foi pela Polícia Federal, o que me qualificaria, segundo advertência recebida da Polícia Civil, para ser fusilado, sem direito a réplica, pelos bandidos tupiniquins, famosos mundo afora por suas limitadas qualificações universitárias. Uma pena, sem dúvida! – pelo menos para mim, politicamente partidário do extremo-centro.

Essa circunstância levantou uma séria supeita na repartição! Graças, porém, à compaixão de Buda (thanks, my dear!), o meu cartão de identidade fiscal, dito CPF (a mais famosa sigla do país, depois da então presidencial FHC), trazia uma assinatura mais atualizada, que foi aceita sem eu precisar dele fazer cópia devidamente autenticada.

Já era a terceira vez que comparecia, de corpo presente, à Receita para tratar do mesmo assunto. Ainda assim, por uma questão de segurança e eficácia jurídica (a que essa repartição se apega, ao invés de adotar logo a eficiência econômica dos superneoliberais que todos fomos hoje em dia, isto é, antes da crise de 29), exigiram que eu preenchesse diversos papéis com exatamente os mesmos dados já antes fornecidos. Tudo conferido e conforme os regulamentos, o parcelamento foi finalmente aprovado e estendido no tempo até que eu me torne – se lá chegar - um setentinha.

Reconheço, porém, que reclamo de bucho pleno, pois, munido dos meus direitos humanos, garantidos pelo filantrópico Bush e sortudo na vida como o Sortudo – o simplório ajudante-de-ordens do Hagar, o horrível –, já usufruo, desavergonhadamente, de fila exclusiva de banco e vaga privilegiada em estacionamento. O que, diga-se de passagem, não é pouco neste mundo injusto de aposentados que relutam em morrer, só para dar “preju” ao Tesouro! Que gente antipática e antissocial!


Em vista do sucesso obtido junto às nossas e vossas autoridades fazendárias, corri, sempre sem pressa, para quitar o DARF correspondente na maquininha do Banco do Brasil. Passei, depois, de raspão, na garagem para xerocar meus importantíssimos papéis e finalmente retornei à presença da funcionária, que, verdade seja dita, me atendeu com o melhor dos seus sorrisos nos lábios, dentes, olhos, rugas de expressão e até orelhas.

Essa brincadeira deve ter-me custado, além dos dois olhos da cara em salgadas prestações mensais, umas duas horas de vida (gasto esse obviamente não-reembolsável nem pelo Tesouro, nem pelo meu plano de saúde).

Aliás, minto. Custou-me, dos olhos, apenas um e somente um, que de fato hoje já não me faz muita falta, pois, atípico desde a concepção vulgar que me catapultou para esta encarnação, sempre enxerguei melhor com a bolinha sobrante. O diabo é que ainda não havia conseguido identificar (até 2003; hoje, são outros 500!) com precisão o olho que me atrapalhava a visão. Agora, já sei: é o esquerdo! Coisa de esquerdista subversivo!

Vantagem irrefutável dessa transcendental descoberta científica: já não preciso arrancá-lo (nem furá-lo, como equivocadamente fez Édipo, por maldosa sugestão de Sófocles) e guardo-o, com total insegurança, como estepe no bagageiro do meu carrão. De qualquer forma, se o estupro é inevitável, relaxe e ... Foi o que fiz! Pois é, resolvi embarcar nessa, ou seja, aproveitar o momento desagradável para ter algum “lucro secundário”. Lógica de psicólogo que aprendi por osmose.

Com esse estado de ânimo, sutilmente provoquei a funcionária e, por extensão, o próprio Leão, “gabando-me” de que - após tratar de tantos detalhes complicados até para um PhD de verdade – corria eu o perigoso risco de acabar ficando mais inteligente, o que poderia gabaritar-me a uma candidatura qualquer, contanto que fosse bem remunerada. Como ela esboçou um discreto sorriso dúbio, giocondês, posto que raspara os sobrolhos, animei-me, na despedida, a indagar-lhe o nome.

Confessou chamar-se Isabelle, pecado de que logo a perdoei, não sem antes impor-lhe uma penitência qualquer de praxe – que mal, supostamente, não lhe fez, igual a remédios homeopáticos, exceto para os raros, muito raros, pagadores de impostos que morrem em decorrência deles, como, aliás, já aconteceu com outrem. Depois, não pude conter o didático comentário:

- Nome de um famoso ballet francês, sabia? (Uma deslavada mentira!)

Claro que ela sempre soube. Para completar a gracinha, acrescentei:

- O negócio é dançar a vida, certo

E, assim, saí de cabeça erguida e espinha reta como a do Geisel, além de um sorriso nos lábios a relembrar, na companhia de uns neurônios desocupados, um filme nipônico sobre dança. Cheguei até, confesso, soluçante, a assistir a uma outra versão com aquele galã americano metido a budista sério (que nem eu) – , convencido, como ela, de como o samba faz bem à vida! Dos outros, claro, pois, eu, muçulmano convertido, sou inibido para essas estrepolias. Podem até me considerar um pervertido irrrecuperável, mas dançar – jamais! Temente que sou a Alá e seus profetas!

E, antes que me dessem ordem de prisão, fugi do recinto para lamber as feridas financeiras com um certo pudor. Agora, se tudo correr bem, serei computado na próxima PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE) como mais uma vítima fatal da voracidade tributária do Estado. Isso, se a Fazenda liberar em tempo hábil recursos orçamentários para o IBGE, o que duvido que aconteça com esse nível de superávit fiscal que ela persegue. Quanto prestígio para mim, hein?

Afinal, como todo banqeiro tupinambá bem sabe, só paga imposto no Brasil quem phode. (Ei, tirem esse “h” daí!).
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