Hildebrando Souza Dória
É uma figura interessante, alto, magro, desempenado. Não aparenta de forma alguma a idade que tem. Seus olhos que nunca foram azuis, estão levemente azulados pela idade, como que desbotados. Mas ainda lê sem óculos. Como? Não sei, conseguiu viver longe de oculistas e de dentistas também, ainda mantém um sorriso largo com todos os dentes, que exibe com orgulho, diz que são seus não por compra, mas por direito. Ainda conseguiu a façanha de aos oitenta e seis anos ter todos os fios de cabelo. Não mostra calva, careca ou mesmo uma pequena entrada.
Com um nome tão pomposo, o Sr. Hildebrando Souza Dória acabou sendo chamado apenas de Dedé, seu Dedé, para ser mais precisa. Mas por falar em façanha, tenho outra para contar a respeito dele. Fui convidada para ser a madrinha de seu filho caçula, que deverá nascer dentro de uns trinta dias. Pois é, a quarta esposa de seu Dedé, uma negrona forte e decidida está nos finalmentes de uma gravidez há muito desejada. Marli foi a enfermeira que cuidou de Inácia, a terceira esposa de seu Dedé.
Foi um longo calvário percorrido não só por ela, mas pela família e por todos que lhe queriam bem. Além de Inácia, Marli foi quem mais sofreu, quem mais se dedicou à pobre. Ficou em turno integral por meses a fio. Vivia como uma sonâmbula, traspassada de sono acumulado. Mas cumpriu sua missão sem um senão sequer. Acompanhou à última morada a pobre Inácia e quando quis arrumar suas trouxas para ir embora, os filhos ainda pequenos da morta desandaram no maior berreiro.
Assim, Marli foi ficando até que tudo entrasse nos eixos. E acabou foi juntando ao seu nome o Dória de seu Dedé. Estavam casados a uns oito anos, ela já ensaiando a vida de quarentona e ele não estava mais chateado por não dar à mulher um menino, que fosse dela de nascimento. Os filhos do primeiro casamento só apareciam de visita, trazendo netos e bisnetos de roldão. Os do segundo eram mais chegados, volta e meia iam por lá para almoçar. Os do terceiro, de Inácia, eram todos meio que filhos de Marli. Viviam amontoados, enchendo a casa de alegria e de balbúrdia.
Ele encontrou Marli ainda pura, coisa rara nos tempos em que vivemos, principalmente se a pessoa já tiver passado dos trinta. Mas ele a achou assim. Não houve jeito de leva–la para o quarto sem a danada da aliança no dedo e de uma benção do padre. Moraram sob o mesmo teto prá mais de dois anos e ela nunca cedeu às cantadas dele. Ou ele havia perdido o jeito ou ela era mesmo difícil!
Pois ainda hoje estive lá, na casa de seu Dedé, fui levar a roupa do batizado para evitar atropelos na hora H. Encontrei a casa cheia, era filho, genro, nora, neto, e bisnetos, gente que não acabava mais. Parecia que estavam dando uma festa. Pensei logo que deveria ser o aniversário do dono da casa. Que nada, o motivo era bem outro, lá estava ele, num canto, de cabeça baixa. No outro, botando fogo pelas ventas estava Marli e no centro uma garota de menos de vinte anos, com um barrigão de dar medo e jurando por todos os santos que aquilo, ali era por obra e graça de seu Dedé.
Fiquei pasma, seu Dedé não é homem de posses. Vive vendendo como ambulante roupa de cama, mesa e banho. Perguntei à garota como é que aquilo tinha acontecido e ela disse que o recebeu em casa para olhar as mercadorias e foi olhando, olhando e quando deu pela coisa, já tinha acontecido. E o resultado estava ali. Foi colocada porta fora pela família e não tinha onde ficar.
Fiquei tensa, vendo aquele mundão de barriga tão baixa e perguntei para quando era o bebê. E ela disse de forma tão controlada, que ele já estava é querendo nascer. A pobre estava em trabalho de parto. Mas tão assustada pelos problemas da vida, que enfrentava o bicho papão do primeiro parto naquela calma toda.
Marli perguntou se ela já estava sentindo as dores, e ao ouvir a afirmativa, levou–a para o quarto para ver a quantas andava. Antes de chegar aos pés da cama a bolsa arrebentou. O resultado se soube após uns poucos gemidos e um pouco de tempo. Marli a quarta mulher de seu Dedé, trazia envolto num pano a filha da quinta mulher de seu marido, de quem nem o nome se sabia.
E agora que já se passaram os primeiros dias, estão lá, as duas, Marli cuidando do resguardo da outra que jura por todos os santos que cuidará de Marli, assim que a hora dela chegar, com o mesmo cuidado que tem recebido. Tudo assim, na maior harmonia, sem desavenças. Seu Dedé é olhado de rabo de olho pela mulherada da rua, acham que é safadeza dele ter duas mulheres ao mesmo tempo e na mesma casa. Os homens olham para ele com inveja e até com um certo respeito. Pensando na potência dele, que já perto dos noventa, ainda consegue fazer uma garota até bonita se interessar por ele e ainda por cima o danado mostra sem sombra de dúvida que dá conta do recado.
Por via das dúvidas, vou passar no Mercado e comprar outra roupinha para meu afilhado, pois a que lá deixei, com certeza vai tomar outro rumo. A quinta mulher de seu Dedé, já está me chamando de comadre! Saí de lá um pouco constrangida, seu Dedé fica me olhando meio de lado, sem saber o que dizer. Perguntei se vai ficar com as duas e disse que Marli deixou a moça ir ficando. Perguntei se não tem medo de ficar com uma mulher tão mais nova que ele. E ele disse calmamente que é melhor comer filé mignon com os amigos que roer ossos sozinho!
Pois é, seu Dedé vive agora em seu harém e a família acha que não há o que se fazer. Que o jeito é aceitar. Como é que vão botar na rua uma pobre de Deus que tem nos braços um parentezinho deles? Não, dizem logo balançando as mãos, isto não está certo! Deixe-a por aqui mesmo, com mãe Marli, e vamos ver o resultado!
São fatos assim, tão corriqueiros por aqui neste sertão brabo, que dão alegria na vida e deixam a gente assim... meio que aparvalhada! Êta seu Dedé danado!
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