Cinquenta e sete! CINQUENTA E SETE, ÚLTIMA CHAMADA!
Cinquenta e sete era eu. Me carimbaram esse cardinal ordinário. Era minha vez de entrar na sala do urologista. Saí correndo com o jornal embaixo do braço.
Entrei na sala e o branquelo já estava vestindo aquela luva que parece bexiga de festa de criança. Vestiu com a maior elegància, do polegar ao mindinho.
Me mandou tirar as calças, deitar e relaxar. Disse que ia ser rápido.
- Protesto, meritíssimo! Vai me deflorar e ainda diz que vai ser uma rapidinha? E ainda quer que eu relaxe? Vou trancar feito arapuca, e rebitar a ferro e fogo!
- Deixa de onda e relaxa, cinquenta e sete! - ele tentou me seduzir.
Antes de me entregar ao abate feito um nelore, perguntei pro sujeito:- Que bicho vai dar hoje, doutor? - Borboleta na cabeça! - ele respondeu.
Bati asas e fechei o zíper com a cueca abaixada mesmo. Doeu na alma, mas não dei chance nem pra falangeta do carrasco. Alcancei o elevador e teclei no "T". Quando a porta abriu respirei aliviado. Fui direto pra Kombi lá da esquina e pedi um de carne e um copo de garapa. Prefiro fazer plástica, peeling, botar botox no saco, do que passar por aquela experiência transcendental. Abotoei o paletó e fui pro ponto de ónibus.
Perguntei pro pipoqueiro que linha ia pra Lapa. Ele disse pra eu tomar o 175, descer no Largo da Batata e depois tomar o 123-C. Como eu estava adiantado, dei uma entrada no Mac Donald s e pedi um 3: Big Mac com fritas e coca média. Sentei-me na mesa 4 e matei a fome. Repus a carne perdida na zipada. Que saco!
Cheguei em casa e liguei pro meu banco. - Bem vindo ao sistema de atendimento automático. Disque 1 para saldo, 2 para extrato via fax, 3 para mudar a senha, 4 para aplicações, 5 para últimos lançamentos, 9 para falar com um de nossos atendentes.
Digitei 9, sem pestanejar. A moça atendeu: - Banco Salim à sua disposição, em que posso servi-lo senhor?
- Vai tomar nos mil novecentos e quarenta e sete! - respondi.
Resolvi espairar e liguei o computador. - Vou navegar na Internet e tomar todas - decidi. Teclei duas rapidinhas no ícone do provedor e veio a mensagem - Digite seu código de acesso com 8 caracteres. Dei uma porrada no mouse e o computador travou.
Fui ate o quintal tomar o resto de sol que sobrava. Passei um protetor fator 15 na panturrilha e deitei de bruços. Entrou uma nuvem no pedaço e resolvi tomar uma ducha. Liguei o chuveiro e a água queimava mais que loção após barba. Desliguei o bicho e fui lá no chuveiro mudar a temperatura. Botei meus óculos pra perto e li: 1- verão, 2 - inverno, 3 - Frente fria, 4 - Nublado, sujeito a chuva, 5 - nenhum dos anteriores, 6- deixe o banho pra amanhã.
Vesti a cueca de novo e fui pra sala ver TV. Botei num filme. No roda-pé da tela estava escrito "aperte a tecla SAP para ouvir o som original".
O telefone tocou, atendi e ouvi a voz da moça dizendo: - Sua conta está vencida há mais de dez dias, pague dentro de cinco dias úteis para evitar que sua linha seja cortada.
Saí correndo pra agência da Telefonica. Me deram uma senha pra fila: 15. Era melhor que 57! Quando chegou minha vez, a gentil funcionária me perguntou: - Qual é o CEP do endereço, o código de área, e o nome do titular.
Debulhei tudo na frente da moça. Ela me deu um pedaço de papel plastificado, com um número e disse languidamente: - Favor aguardar sala 3. A Telefonica agradece sua atenção.
- O próximo! - disse uma voz. Levantei da cadeira e já ia entrando na sala, quando uma senhora cruzou minha frente. - Vinte e dois sou eu, olhe o número no painel eletrónico. Saquei o papelzinho plastificado do bolso de trás da bermuda e constatei: Trinta e quatro. Vai demorar, dá tempo de tomar uma.
Saí do recinto, fui até o boteco da esquina e pedi: - Gente boa, me bota aí um amansa-corno.
- Vai uma 51, doutor?
Fui parar na 27 DP, sem lenço e sem documento, e fiz questão de assinar o B.O. com o polegar.
