O NATAL, AS GERAÇÕES E A TECNOLOGIA
Por Emerson Rogério de Oliveira
emersonroli@terra.com.br
Quando Adão comeu a maçã e depois a Eva eles se tornaram os primeiros pais da terra e deram início à primeira geração humana. A fecundidade gerou a vida, a vida gerou as civilizações e destas se formaram as gerações, que se espalharam paraíso a fora. A perpétua sucessão dessas gerações, se sobrepondo umas às outras, é uma demonstração consagrada da presença de Deus no eterno fluir do Universo.
No dia 25 de dezembro, dia do nascimento do Menino Jesus, os anos passaram a ser contados, dividindo a Era Cristã em Antes de Cristo – AC e Depois de Cristo – DC, conferindo um marco para as gerações da humanidade.
Nascido em 1944, no final da Segunda Guerra Mundial, a minha geração jácute; estácute; de saída, dando lugar à próxima. Incorporei ao Exército na convocação da Classe daquele ano. Nossa geração ainda pegou o tempo das benzeduras e das cataplasmas. A descoberta e o emprego da penicilina eram bem recentes.
Viemos ao mundo envoltos em mistérios e surpresas. Tanto que, no início da concepção da vida, a mãe ou suspeitava que estivesse grácute;vida devido ao atraso da menstruação ou confirmava o fato com o infalível teste do sapo. Esse teste consistia em injetar num sapo bufo, via subcutânea, a urina da mulher e observar a reação do batrácute;quio, se ocorresse modificação no bicho o resultado era positivo. Grácute;vida, todos ficavam curiosos para saber o sexo da criança até o dia em que a aparadeira (parteira), depois de dar um bofetão na bunda erguia a gente pelos pés e perguntava para a galera: “Adivinhem quem vem para mamar?”
Depois do banho na gamela, iniciava-se o rito da mumificação. Éramos cinchados pela cintura com largas faixas para prender o umbigo e em seguida embrulhados em vácute;rias camadas de cueiros (fraldas). Na cabeça, para proteger a moleira e os ouvidos, nos enfiavam uma touca. Assim entrouxados parecíamos pequenas múmias. Ficavam livres os olhos remelentos, que só se iam abrir depois de três ou quatro dias, o nariz para respirar e escorrer a meleca, e a boca ácute;vida para mamar e emitir berros de protestos, que serviam para abrir os pulmões. Não bastasse, nos passeios cobriam-nos a cara com um tecido de filó por causa da claridade. Tempo de trevas!
Por ocasião da época do Natal sempre fiquei cismado por nunca ter visto nos berços dos presépios a figura do Menino Jesus entrouxado de roupas. Ele estácute; leve e solto, com braços e pernas livres, podendo até chupar o dedão do pé.
Graças a Deus tudo isso mudou. A partir da geração dos meus netos sumiram aqueles varais com uma fieira de cueiros estendidos ao sol. Agora as crianças usam fraldas descartácute;veis. Que tal?
Os nossos netos jácute; nascem com os olhos abertos e curiosos, observando tudo ao redor, sem se importar com os clarões das luzes e dos flashes das fotos e filmagens. E até fazem pose para o selfie. Adoram o barulho. Sons, cores e luzes são tudo o que eles querem. Arrisco-me a dizer que se percebem astros – os donos da festa. E não são? Lindos e maravilhosos eles desfilam pelas redes sociais compartilhando com os parentes, amigos e curiosos a sua chegada ao mundo. Fotos e imagens nas mais variadas posições transitam pela web em e-mail, whatsapp, twitter, hasthag, instagram...
Na nossa geração os retratos eram raridades. Eu só comecei a aparecer na foto – e bem! – depois que jácute; estava taludinho. Precisam ver a da minha Primeira Comunhão!
A rapidez das mudanças dos usos e costumes e o incrível avanço tecnológico, abriram enorme distância entre as gerações de antigos vovôs, como eu, e de seus netos. Dei-me conta disso quando eu e a avó planejácute;vamos a escolha dos presentes deste Natal para os nossos netos Bernardo de 14 anos, Enzo de 7, João Pedro de 4, e o pequeno Victor de 2 anos.
Passamos três dias discutindo sobre o que lhes dar. Minha primeira ideia foi dar-lhes uma camisa do Grêmio.
– Não! As duas noras e o genro são colorados. Tu tácute; louco pra arrumar encrenca, né? – disse-me a avó.
Então sugeri roupas.
– Também não! Eles jácute; têm, e depois crescem e não servem mais.
Outras sugestões também não lhe agradaram. Então, provoquei-a: “Quem sabe um livro, talvez um clácute;ssico da literatura – Machado de Assis, por exemp...” Não cheguei a completar. Naquele dia não haveria negociação.
No seguinte, entrevistei dois guris do prédio e falei-lhes que pensava em dar-lhes espadas coloridas, reluzentes... Ao lado, o pai dos garotos interrompeu-me: “Bah, seu Emerson, isso era do meu tempo!” Vi os guris balançando as cabeças: “É... isso era do teeeempo do pai”. Saí sentindo-me jurácute;ssico, mas com uma lista de brinquedos que, segundo eles, “são os heróis que estão bombando” na aldeia dos infantes. Os nomes estavam em inglês, não conhecia o brinquedo e nem me lembrava daqueles heróis...
O que eu lembrava era dos nossos heróis das matinês de domingo e dos gibis que a gente trocava antes do filme, na porta do Cine Carlos Gomes – saudoso “Poeira”, em Lages. Lembrava-me do Fantasma e seu cachorro Capeto; do Zorro, seu cavalo Silver e do seu amigo índio,Tonto; do Roy Rogers e seu violão; do Tarzan... Lembrava-me dos brinquedos que nós mesmos fazíamos, usando a criatividade. Lembrava-me das meias e dos pratos em pontos estratégicos da casa humilde à espera do Papai Noel...
Assim absorto, fui interrompido pela avó, com a lista dos presentes na mão:
– Como é vovô? Vamos decidir isso?
Peguei o talão de cheque e fomos para as lojas do centro da cidade.
Em casa, à noite, colocácute;vamos os pacotes no trenó do Papai Noel, com os endereços de entrega. Embalagens coloridas: IMAGINEXT – brinquedos articulados de super heróis, aventuras...; LEGOS – peças de plácute;stico, de múltiplos encaixes de cidades, monstros...; AVENGERS – heróis vingadores como Hulk, A Liga, Wolverine..., e, por último STAR WARS – brinquedos inspirados no seriado Guerra nas Estrelas.
Enquanto endereçava este último pacote, pensava na Estrela de Belém que, com seu brilho intenso, anunciou o nascimento de Jesus e guiou os três Reis Magos do Ocidente até o local onde Ele estava. De presente levaram mirra, ouro e incenso.
Aproveitando a paz e o silêncio do contexto daquele momento tão simbólico do Natal, a mente desbotada do “avô coruja” se deixou levar de um extremo a outro dessas duas gerações – a de Jesus e a dele, imaginando divertidamente: sem GPS a Estrela de Belém quebrou o galho... serácute; que essa estrela não entrou na tal Guerra nas Estrelas...? que viagem essa dos três Reis Magos, em cima de camelos...! ... e a escolha daqueles presentes para o Menino Jesus, caramba...
– Como é vovô? Vai ficar aí pensando ou vai me ajudar aqui? – indagou a avó.
Olhei-a de soslaio com o olhar 43. Pela voz desconfiei que me chamava de velho gagácute;. Engoli. A pior coisa é arrumar encrenca com mulher, ainda mais no Natal.
Feliz Natal para todos nós, de todas as gerações!