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Artigos-->Da Liberdade de Imprensa (ou Silêncio no Tribunal) -- 06/10/2003 - 20:24 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Da Liberdade de Imprensa.

(ou: Silêncio no Tribunal)



Voltaire, o principal filósofo do Iluminismo francês, afirmou certa vez: “Eu posso não concordar com uma palavra do que dizes, mas hei de defender até a morte o seu direito de dize-las”. Nada mais próprio ou típico de um iluminista: a defesa incondicional da liberdade, particular ou alheia, não importa, pública ou privada. Os filósofos franceses do século XVIII praticamente inventaram o conceito de imprensa, fundamentalmente de imprensa livre. E derrubaram regimes através de seus artigos e livros. Somente com a Revolução Francesa, em 1789, a derrocada das monarquias absolutistas, o fim do Antigo Regime, da influência da Igreja sobre as decisões nacionais, e com o aparecimento dos Estados de Direito, através dos incessantes movimentos nacionalistas que se espalharam por todo o continente europeu e pelos Estados Unidos, é que se formará uma certa conjuntura política capaz de garantir a legitimidade e a atuação mais ou menos sistemática dos periódicos, isto é, da imprensa em geral.

Dessa forma, a idéia de imprensa como edição ou publicação de livros vai ganhando o contorno e o significado que conhecemos hoje, sinônimo de sistema organizado de informações, discussões, debates, opiniões, em resumo, de comunicação periódica e ordenada, com um certo número de leitores ou pessoas interessadas em saber o que se passa na própria sociedade em que vive. Curioso seria que, em fins do século XIX, Balzac, o romancista francês, afirmaria, sem muitos pudores, em As Ilusões Perdidas, o grande romance sobre o jornalismo, que se a imprensa não existisse, seria preciso não inventa-la. Do que discordo plenamente. São os jornais, sob muitos aspectos, que instauram e garantem a sustentação do regime democrático.

A imprensa brasileira, durante boa parte do século XX, conviveu com sua mais completa contradição: a proibição sumária ao direito de expressão. Entre os anos de 1964 e 1984, de estabelecimento, consolidação e declínio de um regime de governo militar, a imprensa brasileira viveu sob o domínio da mais incômoda forma de restrição artística, cultural e jornalística: a censura. No início, nas grandes redações dos principais jornais do país, os jornalistas tinham de conviver com a figura, designada pelo governo, do censor. Tudo o que era considerado ideologicamente impróprio para a publicação era vetado por ele. Desapareceu do panorama jornalístico brasileiro a crítica contestatória, a denúncia, a análise política, motores do ideal primeiro de jornalismo, antes desse virar press release de fatos e famosos, colunismo social, espaço reservado à propaganda e ao marketing, como nos dias de hoje.

Anos mais tarde, em 1969, com o AI-5 e a restrição absoluta dos direitos políticos, o jornalismo passou a conviver com o que chamaram de censura prévia: o censor designado deixava as redações jornalísticas e estas ficavam encarregadas de decidir o que seria ou não publicado, o que era ou não publicável. Pior do que a censura, para o jornalista, o intelectual, o crítico, apenas a autocensura: escrever sob policiamento próprio, caso não quisesse baixar no DOPS ou no DOI-CODI, onde o pau, literalmente, comia, era a maior forma de violência que o regime militar poderia obrigar aos formadores de opinião. A autocensura obriga o jornalista a amenizar o discurso, a se desviar de seus interesses reais: a notícia factual, a denúncia imediata da inevitável falência das instituições políticas, a contestação de qualquer estado arbitrário e opressivo, que limite os direitos inalienáveis do indivíduo.

Em 1984 (sugestivo isso, não?) o Brasil passou pelo período conhecido como o da “abertura política”. O movimento pelas eleições diretas, a anistia, oferecida ainda no governo do General João Batista Figueiredo, anos antes, para presos, exilados políticos e para os próprios militares envolvidos nos mais de vinte anos de ditadura nacional, anos de arbitrariedades, prisões e torturas violentas, iniciaram o processo democrático que culminaria na elaboração da constituição de 1988, que deixou quase tudo como estava: nas mãos de industriais e latifundiários, é só ter paciência, ler os mais de 200 artigos e constatar o óbvio ululante, mas que garantiu a liberdade política de ação. Agora, a verdade é que o regime militar morreu de velho, estava em ruínas quando o processo de abertura principiara e isso por um motivo muito simples: havia perdido o controle sistemático sobre a imprensa. E não há dominação ou manutenção de poderes autocráticos sem o controle pleno da imprensa.

Hoje, quase duas décadas depois da abertura política, a imprensa corre o risco de se ver vítima de uma nova e mais desumana forma de censura: a judicial, que tem na má fé generalizada e oportunista de boa parte dos brasileiros, nas brechas do direito constitucional e na pessoa dos juízes e magistrados, a figura dos antigos censores. Há uma liberdade de imprensa, de expressão e manifestação do pensamento garantida legalmente, que tem, cada vez mais, esbarrado nos limites do código civil. O jornalista pode pensar, noticiar, apurar fatos e fontes, escrever, denunciar, desde que esteja disposto a segurar o rojão dos processos judiciais, a inconveniência de contratar advogados, passar pelas varas criminais, responder a processos cujo ônus é, muitas vezes, insustentável. Há, então, uma indústria de indenizações por “danos morais” da qual os jornalistas, hoje, inevitavelmente não escapam.

Na imprensa nacional, atualmente, o jornalista precisa tomar cuidado com suas posições, com as notícias que publica, com as denúncias que faz, porque pode ser levado a ruína financeira por um processo indenizatório. Escrever sobre a máfia dos fiscais no Rio de Janeiro, por exemplo, pode significar para o jornalista ser processado por bandidos ou “foras da lei” que não devem nada ao Escadinha, ao Fernandinho Beira-Mar, ao motoboy Francisco da Silva, ou seja, pode estar correndo o risco de enfrentar uma ação milionária por danos morais movida pelo ilustre “sr. Silveirinha”, criatura de inquestionável probidade. O direito prevê a ação legal, mesmo que essa se dê nos mais estritos limites da má fé. O jornalista acaba refém de um novo árbitro: a justiça, na figura de tribunais, advogados e juízes.

Em um Estado democrático, quem sustenta o ideal (ilusório?) de liberdade é a imprensa. Nos Estados Unidos, a única democracia da vida real, a quinta emenda da constituição garante a liberdade irrestrita de expressão. A grande maioria dos processos indenizatórios contra jornais e jornalistas sequer chega aos julgamentos. No Brasil, raramente um grande veículo de imprensa é condenado a pagar as indenizações, mas o direito brasileiro não prevê o ônus da má fé, e os gastos excessivos dos departamentos jurídicos têm de ser saldados pelos próprios jornais.

A imprensa nacional se livrou da escumalha analfabeta dos censores militares, que apreendiam edições e mais edições de O Vermelho e o Negro, de Stendhal, um clássico da literatura romântica francesa, acusando o autor de subversivo e, acreditem se quiser, de comunista. O que só prova a minha tese de que o cretino é a única figura incontestável. Agora o jornalismo sério, de opinião, vive as voltas com a censura supostamente ilustrada do direito civil. Os resultados são imprevisíveis. Para jornais como O Globo, Folha de São Paulo ou O Estado de São Paulo, grandes complexos jornalísticos, as ações judiciais podem ser, de certa forma, tranqüilamente superadas. Mas para veículos menores, igualmente essenciais à liberdade de imprensa e informação, processos desse tipo podem significar o fechamento do jornal, a falência financeira do jornalista e, o que é pior, a posição humilhante de sabermos a opinião, a informação e a verdade, de joelhos, na posição do executado.

Fico com a estranha impressão de que passamos da mão de uma canallie para outra. Mas melhor ficar quieto para não correr o risco de que me censurem.





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