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Artigos-->Um País Sem Leitores -- 06/10/2003 - 20:27 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Um País sem Leitores.

Ano passado, a Secretaria de Cultura de Ibitinga realizou o projeto Conversas Literárias, desenvolvido e coordenado por mim e por um amigo, Mateus Supino Ferraz, um outro estudante apaixonado e devoto incondicional da leitura. A idéia do projeto era possibilitar e facilitar o encontro de pessoas que tivessem algum interesse pela literatura, que quisessem discutir os livros que leram, conversar a respeito de autores e obras, nacionais ou estrangeiras, que de algum modo contribuíram na formação de suas consciências. As reuniões aconteciam aos sábados, quinzenalmente, na Biblioteca Pública Municipal, com entrada franca a todos os interessados. O projeto Conversas Literárias procurou incentivar, de forma concreta e organizada, o interesse pela leitura, que sofre um descaso sistemático por parte dos órgãos responsáveis de nosso governo: Ministério da Educação e da Cultura, diga-se de passagem.

Os últimos anos do governo Fernando Henrique Cardoso podem ser caracterizados em uma palavra: mendacioso. Mendacidade diz respeito ao caráter de tudo aquilo que, de algum modo, denota falsidade, artificialismo, inverdade, ou seja, o popular denorex: parece, mas não é. Querem, leitores, alguma coisa mais denorex que o programa de incentivo a leitura do Ministério da Educação? O nome, confesso, é bonito: Tempo de Leitura, e o slogan de publicidade também: Vamos fazer do Brasil um país de leitores. O problema é que ninguém que conheço pode me indicar alguma medida prática desse projeto que não seja a propaganda em massa: televisão, rádio, internet, anúncios impressos, e cartazes. É pura fama. Mendacioso! Não sei de ninguém que tenha começado a ler motivado por esse programa. Da falsidade latente para a “contribuição milionária” de todos os erros e ignorâncias é um pulo.

Li, outro dia, numa matéria publicada pela folha de São Paulo, que o brasileiro lê, em média, apenas dois livros por ano. É muito pouco, Senhor! Os índices de leitura, em média, de qualquer país desenvolvido do mundo ficam entre sete e nove livros por ano. Nem preciso dizer que a situação da leitura no Brasil não é determinada exclusivamente pela falta de interesse geral, ou pelo pouco caso que grande parte das pessoas dedicam aos livros, como sugerem alguns; se afirmasse isso estaria sendo, no mínimo, rasteiro demais. É verdade, sim, que as pessoas têm um certo grau de desinteresse pela leitura, porque, atualmente, os livros têm concorrentes poderosos como a TV, o Rádio e, para quem pode, a Internet, por exemplo, mais dinâmicos e atrativos para os jovens do que as páginas e páginas que eles teriam de enfrentar caso se aventurassem a ler.

Além dessa concorrência desleal, a leitura sofre com um ensino fundamental e médio deteriorado, vacilante, incapaz de oferecer aos estudantes um conceitual ou um referencial que possibilite a leitura e o entendimento de qualquer coisa que seja escrita, impressa e publicada no país. Esse tipo de ensino, que elogia a progressão continuada ou a aprovação automática, tem legado à sociedade brasileira uma legião de analfabetos ou semi-alfabetizados que não têm a menor condição de perceber que um texto, seja qual for, é constituído por camadas de sentido que precisam ser vencidas a custo de atenção se quisermos realmente compreender aquilo que lemos. È o que os novos especialistas em educação vêm chamando de “analfabetismo funcional”: a pessoa sabe ler e escrever, mas não sabe interpretar o que lê, não sabe perceber as sutilezas e as intenções que se escondem nos subentendidos de um texto. Ler e escrever assim é saber, unicamente, juntar sílabas, ordenar palavras e frases, o que não garante a compreensão.

Ano passado, por exemplo, o primeiro colocado no Provão do curso de Letras disse, em uma entrevista, como que se vangloriando, de que lê, em média, seis livros por ano. E ainda se julgava o máximo. Conheço pessoas que lêem isso em um mês e ainda são capazes de articular um discurso inteligente e agradável sobre aquilo que leram, o princípio estético por excelência, definir e refinar o gosto. Nesse caso, há mesmo uma falta de interesse gritante. Impossível conceber que um graduado em Letras por uma universidade pública consiga ler menos do que os índices estatísticos dos leitores médios, não especializados, o que não é o caso desse estudante, dos países desenvolvidos. E pensar que até mesmo as universidades estão formando pessoas com esse baixíssimo e questionável nível intelectual, contribuindo para o legado da nossa miséria educacional. Como aprender a pensar quando sequer ensinam os jovens a ler? Como transformar a realidade se as pessoas são incapazes de transformarem a si mesmas, reféns que estão de um sistema educacional, que não educa, não ensina nem revela que há um mundo para além dos limites da caverna obscura da ignorância coletiva e pragmática, atendendo a interesses políticos duvidosos e esquivos? Um sistema educacional que ainda não morreu, mas que lembra um mamute em vias de extinção.

Ler, interpretar e compreender aquilo que se lê é a primeira exigência que se faz a qualquer criatura que queira tornar-se um homem. Um escritor norte-americano dizia que daqui a cinco anos nós seremos exatamente igual ao que somos hoje, com exceção das pessoas que conhecemos e dos livros que lemos. Ele quer dizer, simplesmente, que nos formamos a partir do contato com outros homens e das leituras que carregamos conosco. Saí da caverna quando li o primeiro livro e percebi que havia um universo lá fora, contraditório, terrível assustador, mas que precisava ser descoberto.

Isto tudo para dizer que o incentivo à leitura é muito mais fácil e simples do que se quer fazer imaginar. Basta tomar medidas reais, concretas, visíveis e abrir mão da publicidade enganosa, manobra política, abstração que só faz manter os interesses e a relações de poder que já grassam em nosso país desde os idos de milequinhentos...



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