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Artigos-->A CRISE DA VERGONHA - 1980 -- 08/10/2003 - 18:47 (Claudio Peçanha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A CRISE DA VERGONHA



1980



O homem tem uma tendência sempre crescente de isentar-se das culpas por seus sofrimentos, procurando causas alheias ao seu controle para seus problemas. Assim, as chuvas são as causas das enchentes, muito mais que as deficientes galerias de águas pluviais e dragagem dos rios urbanos; a ausência de chuvas no Nordeste é mais causa de miséria do que o descaso na construção de açudes para enfrentar o clima característico da região há séculos; a pista molhada é mais causa do desastre automobilístico do que a negligência do pneu careca.



Para nossos problemas econômicos, o Brasil encontrou um vilão, suficiente para isentar o Governo, os políticos, os administradores, os empresários e o povo da culpa: a “crise do petróleo”!



Entramos num processo de autodefesa tão intenso que todos, oposição, situação, povo, govêrno, ricos e pobres, repetem convictos que a causa de nossos males é o petróleo árabe, como se dominados fôssemos pelo Oriente Médio, impelidos compulsóriamente a comprar o petróleo nas quantidades e preços impingidos ao resto do mundo.



E técnicos, e políticos, e cientistas, e curiosos, proclamam que “só há duas maneiras de enfrentar a crise de energia: ou produzir substitutos para o petróleo ou consumir menos”.



Com esta mentalidade, subsidiam-se projetos de substituição do petróleo inviáveis economica e financeiramente por mais uma década; sob a sinistrose da crise energética confisca-se da população via aumento dos preços dos derivados do petróleo bilhões de cruzeiros que poderiam ser aplicados em projetos de maior retorno para a Nação e forja-se uma inflação galopante, inviabilizando, via aumento de custos, a exportação de produtos brasileiros que vantajosamente poderiam pagar nossa conta do petróleo.



É provável que estejamos matando o doente com medicamentos receitados a partir de um diagnóstico errado: as opções deste vasto gigante territorial com mais de 120 milhões de habitantes não são necessáriamente apenas produzir substitutos para o petróleo ou consumir menos. Nossa melhor opção é consumir mais petróleo da forma mais racional possível, para produzirmos mais alimentos, mais moradias, mais empregos para nossa crescente população e reduzir os elevados graus de miséria que ainda persistem no Brasil.



A grande opção é produzir mais aqueles bens nos quais o Brasil detem maiores vantagens comparativas e exportá-los, de forma a viabilizar a aquisição do petróleo para alimentar mais tratores, mais siderúrgicas, mais fábricas de cimento.



Devemos realmente ficar preocupados quando verificamos que o Brasil com imensas reservas de calcáreo terá que importar cimento, pois os altos custos do óleo combustível impostos aos fabricantes inviabilizam suas expansões em tempo compatível aos grandes projetos nacionais como Itaipu, Itaparica, etc.



Não podemos deixar de ficar perplexos quando analisamos as prioridades das realizações de desenvolvimento no Brasil nos últimos anos. Após a “crise do petróleo” ser deflagrada nas manchetes da nossa imprensa e nas desculpas dos nossos governantes, a Volkswagen do Brasil implantou uma nova fábrica de automóveis em Taubaté, a Fiat se instalou em Betim, a General Motors e a Ford se expandiram. Mas o minério de carajás ainda não começou a gerar divisas, a ferrovia entre São Paulo e Rio de Janeiro não foi eletrificada, a Via Dutra não foi ampliada, os sistemas de transportes urbanos dos nossos grandes centros pouco evoluiram, continua crescente a migração urbana por falta de oportunidades no setor agricola.



Por outro lado, enquanto a sinistrose da crise do petróleo apresenta as justificativas para a crise economica da inflação de mais de 100%, das dificuldades de creditos para a pequena empresa, do fechamento do crédito para financiamento de imóveis pelo Sistema Financeiro de Habitação, o negócio mais lucrativo em 1979 foi justamente “energia”. A Petrobrás apresentou lucro líquido de 24.8 bilhões de cruzeiros, a Eletrobrás 55.1 bilhões, a CESP 8,4 bilhões, a Braspetro 7.5 bilhões, Furnas 5.9 bilhões, Petrobrás Distribuidora 4,4 bilhões e Light 4,8 bilhões.



Somando-se os valores dos lucros líquidos só das maiores empresas estatais que lidam com energia (dados do Quem é Quem da Editora Visão) chegamos ao assombroso valor de 125.2 bilhões de cruzeiros, ou 2.9 bilhões de dolares aproximadamente (por coincidência, o nosso atual deficit da balança de comércio externo!)



Se somarmos a esse valor o monumental fundo que o Governo arrecada com a diferença entre os custos da gasolina ou do álcool anidro da mistura e o preço cobrado ao público, chegaremos a valores bastante interessantes e suficientemente elevados para julgarmos que não existe falta de dinheiro para os investimentos necessários ao desenvolvimento brasileiro: existe falta de vergonha!



Ao mesmo tempo em que somamos valores realmente elevados em fundos específicos da burocracia governamental ou sendo aplicados no open market pelos diretores financeiros das estatais, avoluma-se o deficit da RFFSA, os investimentos nos portos e em nossa navegação de cabotagem cessam, nossas rodovias não recebem manutenção adequada. São criados maiores obstáculos nos sistemas de transportes, gasta-se mais combustível, aumentam os custos de transporte, gera-se mais inflação, e o Governo culpa a “crise do petróleo”.



Quantos ônibus urbanos (elétricos ou a diesel economizam mais combustível que os automóveis) poderiam ser adquiridos com o lucro líquido apresentado só pela Petrobrás no ano passado? Por que não investir o lucro da CESP na eletrificação do Ramal São Paulo da RFFSA entre o Rio de Janeiro e São Paulo, modernizando o transporte ferroviário e desafogando a Via Dutra, vergonha nacional de desperdício de diesel e de dólares? Será que os 55.1 bilhões de cruzeiros de lucro líquido da Eletrobrás não poderiam apressar a eletrificação da Tereza Cristina, a ferrovia do carvão em Santa Catarina?



O povo sofre com a inflação, com as dificuldades de abastecimento de combustiveis e falta de opções de transporte coletivo, o Governo culpa a crise do petroleo, e as distribuidoras de petróleo no Brasil, apresentam, em 1979, um lucro líquido agregado total de 223 milhões de dólares!



Para se ter uma idéia, esse montante de dólares daria para implantar umas 25 destilarias de álcool com capacidade de produção de 120m3/dia cada, ou seja, uma contribuição anual de 540 mil m3 de alcool carburante, suficientes para movimentar uma frota de mais de 200 mil automóveis.



Não que estejamos defendendo a tese de lucro zero para as multinacionais distribuidoras de petróleo; mas é realmente lamentável que a crise do petróleo não afete tanto seus lucros, mas prejudique sensivelmente as empresas nacionais que necessitam de combustiveis para explorar nossos recursos naturais.



Em plena crise de petróleo, enquanto as distribuidoras apresentam rentabilidade média de 12,9% sobre o patrimonio líquido, empresas do setor agrícola, pecuária e silvicultura não passam de 4,9% de rentabilidade, empresas cimenteiras só atingem 5,9% de lucro líquido sobre patrimônio, os fabricantes de tratores, máquinas e implementos agrícolas apresentam prejuizo, assim como as empresas de transporte de passageiros.



Verificamos que a “crise do petróleo” não afeta aquelas empresas que o comercializam, mas prejudica sensivelmente os usuários, ainda que os preços sejam controlados pelo Govêrno, as importações de petróleo sejam monopólio estatal e o sistema de distribuição esteja sob a égide do Conselho Nacional do Petróleo. A administração da crise do petróleo é, portanto, totalmente controlada pelo Governo.



A crise é de vergonha! De incapacidade gerencial e administrativa. De isenção política para aplicar os fundos públicos em investimentos de maior retorno para o País no mais curto prazo. Fica difícil para o Presidente do Banco central do Brasil, do alto dos suntuosos edifícios de suas sedes em várias capitais brasileiras, imaginar que o povo no Nordeste e na periferia das grandes capitais está sem teto, sem comida, sem emprego.



Se a economia é de guerra, vamos racionalizar a aplicação dos fundos disponiveis, antes de procurar mais fundos, aumentando nosso endividamento externo, e deixando para a próxima geração a responsabilidade de pagar nossas contas, embora não estejamos investindo em negócios que garantam o retorno necessário para a amortização.



Suspeitamos que o Brasil gerou esta crise de hoje porque escolheu um caminho muito baseado no modelo de economia dirigida, do tipo “ditadura benevolente”, na qual o Governo se veste do manto de tutor do povo, impondo-lhe as vontades que julga que deveria ter, numa atitude paternalista tão cheia de boas intenções quanto de juízos de valor e de ineficácia.



Sob esse império de julgamentos tutelares, o automóvel é mais importante que o feijão, o avião da Embraer mais valioso que a soja de exportação, o crédito para a fábrica de televisores coloridos mais prioritário que os combustíveis para os secadores de grãos. Produzimos mais telefones eletronicos com teclados, fornos de micro-ondas, máquinas de lavar pratos, secadoras de roupas automáticas, mas pouco feijão, pouco trigo, menos açucar, menos café.



A pergunta que ousamos fazer: será que se o Governo tivesse canalizado para a produção de feijão e trigo os mesmos recursos, garantia de aquisição e preços e demais incentivos que vem oferecendo a produção alcooleira, não estaria o Brasil hoje autosuficiente na produção desses grãos, evitando a grande evasão de divisas que estamos tendo de suportar com a importação de alimentos?



A decisão de subsidiar ou incentivar um tipo de atividade economica ou outra, não parte, em nosso sistema político atual, absolutamente da Nação e sim do Governo. Em outras palavras, na medida em que o poder executivo não foi escolhido livremente pela vontade popular e na medida em que o legislativo, embora eleito pelo povo, não detem suficiente poder para decidir tal tipo de questão, as prioridades são, efetivamente, definidas na base “ditatorial benevolente”, com fortes tendências a cometimentos de erros, injustiças e aberrações economicas.



E infelizmente estas tendências negativas hoje são realidade, obrigando-nos a racionalizar a abertura política não só como uma necessidade fisiológica e ideológica natural como também financeira e economicamente indispensáveis para garantir a alocação mais adequada dos recursos escassos da Nação.

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