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Artigos-->A mediocridade coletiva -- 10/10/2003 - 11:25 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“A mediocridade coletiva



Por Lindolpho Cademartori



“De bacharéis a juízes e promotores, passando por advogados e parlamentares, uma sólida maioria defende a vigência indiscutível da Constituição de 1988 e refutam prontamente a hipótese de uma nova Constituinte. Ao sucumbirem à compreensão mediana e defenderam o prolixismo político-jurídico da atual Carta, as elites se curvam ao senso comum e dele fazem o princípio orientador da Nação. E se Stuart Mill estava mesmo certo ao afirmar que toda maioria é uma mediocridade coletiva, é bem provável que o vindouro guarde para o Brasil perspectivas estéreis e igualmente medíocres, bem ao gosto das elites que ora cedem ao populacho e renegam a sabedoria das lideranças.”



A necessidade que o Brasil tem de uma nova Constituição não é, como pensam muitos, um tópico a ser analisado pelas elites políticas, intelectuais e acadêmicas do País. Trata-se de um assunto cuja essência hexegética é, por excelência, incumbência das Faculdades de Direito. Que o leitor apressado não presuma estar o autor pregando uma elitização acadêmica de um fator político-jurídico tão importante à sociedade: o que ora se afirma é que a base teórica, os procedimentos comparativos, as especulações e os elementos de análise da filosofia do direito, que são a base de todo o processo constituinte, são, em primeira instância, da competência dos acadêmicos.



O que se observa, porém, é a consolidação de um elefante jurídico-político, sem que a comunidade acadêmica se dê conta da necessidade de uma Constituinte. Quando questionados a respeito de ser ou não a Constituição de 1988 um entrave ao desenvolvimento do País, os futuros juristas, pedra angular da organização do Estado e expressão-maior da democracia, simplesmente respondem ser a “Carta Cidadã” (?) um “pórtico da modernidade”, um “primor do constitucionalismo moderno”, um “motivo de orgulho para as instituições pátrias”, ignorando o fato de que o imenso e prolixo texto constitucional imobiliza a nação em um emaranhado de instituições redundantes, infinitas normas programáticas, um hibridismo federativo absolutamente incompreensível e no centralismo estatista da ordem econômica, sendo necessária a macro-mobilização do Congresso Nacional para a aprovação de dispositivos tão desimportantes (se comparados à relevância extrema que devem ter os assuntos constitucionais) como a representação classista na Justiça do Trabalho e aberrações estupradoras dos princípios federativos como a Emenda Constitucional N. 25, que dispõe sobre limites às despesas com o Poder Legislativo Municipal (o que, via de regra e sanidade, deveria ser competência dos próprios Municípios).



Como se não bastasse, da mesma Constituição tão defendida pelos acadêmicos de Direito, recém-debutada e já tendo sido emendada 46 vezes (ao passo que a Constituição dos Estados Unidos, de 216 anos de idade, foi emendada apenas 27 vezes), consta besteiróis como a garantia ao idoso do direito à vida (sendo que Roberto Campos, acometido por uma pneumonia, quis impetrar Mandado de Segurança porque a enfermidade ameaçava seu direito à vida, constitucionalmente garantido), e um insano artigo que enumera as obrigações familiares para com a prole, entre outras pérolas. Logo, a inclusão de pautas tão desnecessárias no texto constitucional acaba desprestigiando o processo legislativo responsável pelas alterações constitucionais, a um ponto tal que a diferença entre a legislação constitucional e a legislação infra-constitucional se atenua, elevando todo o ordenamento jurídico a um patamar de mediocridade e gerando uma situação em que grande parte das disposições legislativas se “constitucionalizam”, em uma emulação codificada do direito consuetudinário britânico, em que a dispersão das leis é plenamente justificável, pois não há uma constituição escrita. Já o Brasil, que conta com uma Constituição extremamente rígida cujo processo de emenda é quase um périplo franciscano, faz com que a imensidão do texto constitucional aproxime o processo legislativo constitucional do infra-constitucional, de modo a se tornar semelhante ao processo legislativo inglês, no qual não há diferença entre a legislação constitucional (que, materialmente, inexiste) e a legislação ordinária.



As classificações utópicas da “Constituição Cidadã” são, no mais das vezes, repletas de anacronismos, proferidos por indivíduos que pensam ser uma constituição social-democrata superior a uma constituição liberal. Acadêmicos de Direito, por demais absorvidos no estudo do labiríntico direito processual, dizem ser as constituições liberais, como a dos Estados Unidos, “antigas”, “ultrapassadas” e “falhas”, esquecendo-se de que se trata do mais antigo texto constitucional em vigor e que cuja flexibilidade e simplicidade são em grande parte responsáveis pelas descomplicações institucionais norte-americanas. Falam de uma “constituição velha e juridicamente nula”, pregando a social-democracia e se auto-enganando com a balela de que as constituições européias do entre-guerras eram “liberais”, porquanto eram enormes monumentos à social-democracia e ao parlamentarismo orgiástico.



Quando não incorrem no equívoco de afirmar ser a Constituição de Weimar um texto liberal, admitem o caráter social-democrata da mesma e se prostram em elogios à imensa “sabedoria prática e teórica” de Hugo Preuss (cujo legado à Alemanha de Weimar foi uma esculhambação de trinta e seis partidos políticos e um tosco artigo 48, que legitimava as ordenações presidenciais e proporcionava uma superconcentração de poderes nas mãos do Chanceler), negligenciando o fato de que a ascensão de Hitler ao poder operou-se no esteio da legalidade e através da frouxidão jurídica da Constituição, e que, mais tarde, toda a leva de constituições social-democratas do entre-guerras chafurdaria na lama do fascismo. Entre 1919 e 1939, os gabinetes europeus caiam quase que diariamente e os fracassos parlamentares mesclados às desordens civis pavimentavam o caminho para o fascismo. O choque ocasionado pela Crise de 1929 também enforcou a democracia na América, abrindo alas para a ascensão de Vargas e outros caudilhos locais. Em contrapartida, a Constituição liberal norte-americana atravessou o período incólume, atestando sua flexibilidade e seu caráter meramente principiológico e organizacional, e comprovando a superioridade da simplicidade liberal em relação às minúcias das constituições social-democratas.



Após 1945, proliferaram as constituições marxistas e a organização do Estado em moldes institucionais coletivistas, com manifestações de incompetência intelectual que beiram o cômico. As primeiras constituições marxistas foram obviamente soviéticas, e é possível dizer que foram as únicas que existiram, pois as “constituintes” dos infelizes países do Leste Europeu eram minúsculas saletas onde revisores com um exemplar da Constituição soviética em mãos substituiam o termo “União das Repúblicas Socialistas Soviéticas” pelo nome do país em que viviam. Findo o processo de substituição, a Constituição estava pronta. Tal era o pano de fundo jurídico dos países da Cortina de Ferro.



A Constituição de 1988 é um exemplo acabado de constituição social-democrata pós-Guerra Fria, que teoricamente garante o primado da economia de mercado e assegura as garantias individuais, os direitos sociais de toda sorte e uma infindável gama de dispositivos cuja efetivação será possível talvez em cem anos. Trata-se de uma Carta que propôs um meio-termo entre o constitucionalismo liberal e o constitucionalismo socialista e que encerrou por reunir os vícios de ambos. Parecem estar embutidos no ethos da Constituição de 1988 uma barreira de ingovernabilidade, uma complicação estrutural e uma elitização incompreensível das instituições. O desfecho prático ilustra uma assimetria política, onde a sobrecarga de competências do Governo Federal deixa ociosas as Assembléias Legislativas estaduais, cujos membros mais se prestam a conchavos fisiológicos, pródigas rodadas de jogatina e prazeres frugais do que à atividade legiferante. O centralismo jurídico, por sua vez, satura a capacidade ativa do Supremo Tribunal Federal (e da Justiça Federal como um todo) e inviabiliza o dinamismo dos legislativos estaduais, em função da formalidade excessiva e do conservadorismo da estrutura processual. Quanto ao Executivo, sua função paternalista e redistributivista para com a mendicância dos Estados e o gigantismo do centralismo tributário culminam na paralisação – ou má condução - dos assuntos estratégicos e na irrelevância da política externa, entre outros tópicos atinentes ao interesse federal e do País como um todo.



Qualquer revisão constitucional que resulte em meras “aparações de aresta” ou em retoques estéticos da estrutura constitucional será inútil. É certo que a convocação de uma Constituinte poderia paralisar as atividades Legislativas do País, mas a sapiência e a sensatez dos constituintes em prover o Brasil com uma Constituição liberal e simples compensariam o dispêndio de tempo político e a dedicação exclusiva. Sem embargo, uma Assembléia Constituinte eleita de acordo com a atual legislação eleitoral será uma fraude política, pois o regionalismo reinante no Congresso Nacional suprimiria as questões de legítimo interesse estratégico e terminaria em (mais) um fiasco constitucional. Faz-se mister, portanto, uma reforma política basilar, que reoriente a estrutura eleitoral nacional e que institua o voto distrital e a fidelidade partidária.



Para tanto, contudo, seria necessário o encaminhamento voluntário de uma evolução-relâmpago na cultura política brasileira, atrelada ao patrimonialismo e ao desprezo à igualdade jurídica de facto. As frentes intelectuais, políticas e econômicas do Brasil cometem um erro ao dizer que basta a reorganização institucional do País pautada nos princípios federalistas e em uma Constituição liberal para que o Brasil se engage nos trilhos da prosperidade. É imprescindível que se modifique a percepção política do Corpo Social e os valores públicos dos cidadãos, de forma a agregar os princípios de igualdade jurídica e respeito à lei no próprio alicerce ético do indivíduo. Se o País não pode se dar ao luxo de esperar pelo despertar cívico da sociedade, deve caber às elites o início ativo das mudanças, influenciando a reflexão do cidadão comum através da reforma política seguida de um projeto para a convocação de uma nova Assembléia Constituinte. O clamor não se reveste de tanto imediatismo, pois a elaboração de uma nova Constituição em tempos de taxas de crescimento desoladoras e de ciclos desestimulantes dificilmente irá resultar em um modelo no qual o Brasil poderá assentar seus projetos de prosperidade.



Em todo e qualquer Corpo Social democrático, as transformações estruturais são primeiro alardeadas pelas elites, presumivelmente dotadas de uma capacidade de percepção mais complexa do que a das massas. Assim, é crível e sensato afirmar que uma mudança sócio-estrutural tão ampla e profunda quanto a elaboração de um novo texto constitucional deve ser precipuamente considerada pelas elites políticas, acadêmicas e jurídicas. O que se contempla, porém, é distinto: de bacharéis a juízes e promotores, passando por advogados e parlamentares, uma sólida maioria defende a vigência indiscutível da Constituição de 1988 e refutam prontamente a hipótese de uma nova Constituinte. Ao sucumbirem à compreensão mediana e defenderam o prolixismo político-jurídico da atual Carta, as elites se curvam ao senso comum e dele fazem o princípio orientador da Nação. E se Stuart Mill estava mesmo certo ao afirmar que toda maioria é uma mediocridade coletiva, é bem provável que o vindouro guarde para o Brasil perspectivas estéreis e igualmente medíocres, bem ao gosto das elites que ora cedem ao populacho e renegam a sabedoria das lideranças.



Lindolpho Cademartori

10/10/2003”









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