São Paulo, 27 de setembro de 2008
Vera Regina
Endereço: qualquer ponto do sidéreo espaço
Querida Verinha
Repleto de recordações, esta madrugada resolvi tirar do fundo do baú a caneta tinteiro Parker 45, presente que você me deu no meu aniversário, em 1968, quando fiz vinte e sete anos. Confesso que estava um pouco enferrujada. Mas, com carinho, removi os resíduos de tinta, que tinham ficado antes dos e-mails e, com nova carga, cá estou escrevendo, com a pena na mão.
Portanto, não se assuste quando o “velho” carteiro aparecer em suas paragens!
Saudades, muitas saudades de você, minha amada Verinha. Mas o seu vulto amado e suas fragrâncias estão e sempre estarão ao meu lado. Gratas lembranças de um tempo encantador, que juntos aproveitamos de maneira inesquecível, naqueles dias. Nossos momentos íntimos. As viagens para Itanhaém. Nossas idas para Paranapiacaba naqueles trens de fumaça que já não existem mais. Às vezes, quedo-me a olhar os quadros que juntos pintamos. Assim, todas as recordações aparecem nos meus pensamentos.
Você se recorda das nossas trocas de poesias? Tenho-as todas guardadas. As suas estão escritas naquelas folhas pautadas dos blocos de notas de capa dura com a foto de Olavo Bilac atrás. São pequenos detalhes que, na época, eram insignificantes, mas hoje fazem parte de um mundo encantador, cheio de nostalgia.
Lembra-se da maneira como nos conhecemos? Bons tempos! Foi em 1957, no bonde 47, Vila Clementino, que saia às sete horas da noite do centro da cidade, lá na rua Asdrúbal do Nascimento. Descíamos no ponto final, onde morávamos. E a viagem, devido ao trânsito pesado, quando todos saíam do trabalho, levava sempre mais de uma hora. Antes do nosso namoro, eu rezava para aquele bonde demorar, no mínimo, três horas de trajeto. Sempre quis ficar ao seu lado. Desde o dia em que a conheci, linda morena de olhos negros e penetrantes.
Porém, para o meu desencanto, num lutuoso dia, repleto de tristeza e melancolia, os seus olhos fecharam, sem ao menos piscar para mim na hora da triste despedida. O seu rígido, mas tênue sorriso, ainda guardo em minha retina, cansada de chorar por você. Hoje os seus olhos são dois sóis que iluminam o meu caminho. E os seus lábios, entreabertos, deixaram-me mensagens de paz e confiança de que, um dia, com certeza, irei encontrá-la!
Sofri, e ainda sofro, para entender a nossa fatídica separação. Mas os nossos encantamentos ficarão para sempre.
E a paz celestial, como vai? Com certeza você está no plano mais alto e sublime que as almas cobertas de luz podem alcançar!
Eu, aqui, graças a Deus, estou melhor de saúde. Depois daquela turbulência de internações, no começo deste ano, vou indo razoavelmente bem. A maior dificuldade, no momento, é enxergar, pois tenho catarata nos dois olhos. Mas logo que a minha glicemia estiver em ordem, vou operá-los. Diabético há vinte anos, como você sabe, a minha vida virou de cabeça para baixo. Avisarei, em minhas orações e pensamentos, a data das cirurgias. Por favor, olhe por mim!
Verinha, alma gêmea da minha alma, de um momento para outro estarei a seu lado para, juntos, multiplicarmos a eternidade.
Dê um beijo carinhoso em todos os nossos irmãozinhos e receba com esta despedida milhões de beijos, repletos de saudades!
De seu querido Roberto
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