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Artigos-->Aos Nobres Filhos da Repressão -- 12/10/2003 - 17:10 (Graziella Davanso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Talvez o termo “nobres filhos da repressão” seja um tanto quanto forte, mas foi o nome que mais sentido fez para clarificar o que há algum tempo venho me questionando perante algumas experiências ou situações que tenho presenciado. Talvez uma forma arquetípica presente em minha memória. Não sei.

Acho fantástico ver alguém defendendo seus ideais, levantando a bandeira por uma sociedade mais justa e igualitária, mesmo porque também fazem parte daquilo que acredito enquanto ética para uma nova forma de viver, e mesmo porque também tenho lá os meus ideais.

Vejo como algo legítimo, necessário e louvável estabelecer críticas às regras vigentes que amordaçam e alienam, bem como não se conformar com a suposta “normalidade” apregoada por aqueles cujo único objetivo nisso é “levar vantagem em tudo, certo”, e que propagam a lei do “vale-tudo” para ganhar.

Porém, isso de nada adianta se o suposto “idealista”, por assim dizer, não consegue olhar para suas próprias fragilidades e incoerências, se age com tal paixão que acaba passando como um trator em cima de tudo e de todos. Se quer levantar a bandeira por um ideal, é importante que esteja atento constantemente aos seus próprios motivos e sentimentos, numa atitude responsável e madura, acima de tudo.

Que tal checar se o combustível que lhe movimenta não é tão intoxicante, autoritário e alienante quanto o do sistema que critica? Que tal observar se por acaso não tenha apenas mudado de lado, ido para a outra ponta, a outra polaridade? Quão democrático está sendo na convivência social se nem mesmo permite ao outro expor suas idéias, seus pensamentos, por mais que eles possam vir em contrariedade com as suas? Os ideais podem ser lindos, maravilhosos, mas é importante prestar muita atenção na forma como os pronuncia. Vejo por aí idealistas inteligentes, verdadeiros formadores de opinião, que sem perceber, estão tão marcados pela raiva que falam alto, gritam, vociferam carregando na mensagem não-verbal algo muito mais forte do que as palavras pronunciadas, algo que lembra a negligência típica de quem levanta a bandeira da luta do “bem contra o mal”.

Fico a me perguntar diante dessa atitude tempestuosa e porque não dizer “fundamentalista” se por acaso não reside nele tanta contradição interna, se por acaso nunca fez uma coisa pensando em outra, se por acaso acorda 365 dias do ano olhando para o espelho e achando que tudo está muito bem por causa de seus ideais, se por acaso, por acaso, por acaso, por acaso...

Se o idealista apaixonado adquiriu durante toda uma vida uma visão crítica das coisas, teve acesso à informação e à educação ou batalhou tanto para conquistar seu espaço mesmo tento partido do nada; se vive a luta por seus ideais como quem carrega uma missão de vida no peito, salve, salve! Mas há que prestar atenção aos radicalismos, aos extremismos, porque da tua boca pode sair tanto mal quanto daquele que tanto critica, e mesmo assim continuar achando que está totalmente com a razão só porque seus ideais são tão bonitos e nobres.

Investigar a si mesmo a cada momento, conhecer-se constantemente, ininterruptamente, viver suas próprias contradições, seus conflitos sem negá-los, mas transformando-os, transmutando-os, é uma forma de integrá-los à sua conquista sem uma luta armada. Nenhum ideal pode gerar bom fruto armado de raiva, ira e intolerância.

Tudo bem, tudo bem! Há mudanças que precisam ser feitas na matriz da sociedade, valores que precisam ser repensados porque não funcionam mais. Porém, à força? É agir igual, é fazer o mesmo, é cometer velhos erros disfarçados de roupa nova.

Considerando e partindo de uma visão integradora e que considera que micro e macro caminham juntos, se você olhar para suas próprias contradições em primeiro lugar, saberá lidar com as contradições dos outros sem complementar, mas trazendo uma terceira possibilidade muito mais saudável. O outro é tocado inevitavelmente mesmo que você não consiga faze-lo parar. Querer mudar o mundo a partir do outro é muita pretensão. Querer mudar o mundo começando por si mesmo é um ato de humildade e sabedoria e cria muito mais ressonância, respeito e credibilidade até mesmo daquele que se opõe a você. Talvez você possa pensar que agindo assim está plantando uma semente e pode seguir em frente confiando que fez a coisa mais certa e mais humana de se fazer. Se o seu sistema de vida prega a justiça, inevitavelmente gerará ressonância, porque ninguém agüenta mais tanta intolerância, tanta negligência. Vejo que cada vez mais um grande número de pessoas tem plena consciência disso, só lhes falta muitas vezes é coragem para agir. Muitas vezes, só o que elas estão precisando é dessa semente que você pode plantar. Se ela vai germinar? Só o tempo dirá.

É necessário que haja um novo contrato social, uma nova ética, porque é inevitável precisarmos criar regras de convivência, porque ainda não sabemos respeitar os limites do outro com competência inconsciente. O dia em que estivermos inconscientes competentes na ética de respeito ao próximo independente das divergências, o dia que soubermos eficazmente conviver, as regras não precisarão ser pronunciadas, serão práticas naturais e involuntárias, como as do motorista que não precisa mais ficar pensando para mudar de marcha, o faz automaticamente. Aí não será necessário dizer uma só palavra. Mas bem sabemos que estamos longe disso.

Portanto, é importante perceber que os “nobres filhos da repressão” não são tão órfãos como podem supor, só se rebelaram legitimamente. E é sempre bom lembrar que "em alguns momentos", por mais que não queiramos admitir “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, como disse Elis Regina.

Ah! A quem estou chamando de “nobres filhos da repressão”? A todos nós, a todos nós.

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