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Contos-->CAUSA MORTIS -- 13/04/2000 - 10:26 (VALBER LUIS DINIZ) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Felisberto da Cunha, tinha a alcunha de seu Cunha. Cidadão pacato, de hábitos simplórios, olhar esperançoso e voltado para a natureza. Seu Cunha nunca tinha visto TV, nem tão pouco cinema. Ouvira falar de Ronaldinho uma vez: quando o filho de seu compadre Ronaldo nasceu e puseram o nome da criança de Ronaldo. Por ser o caçula, ficou apelidade de Ronaldinho.
Um dia seu Cunha foi ao médico na cidade de Teresina. Saíra pela primeira vez do interior onde vivia com a mulher e um cachorro em um pequeno sitio na Gameleira. Ali ele criava galinhas, patos, muitos pássaros, porcos e plantava mandioca e feijão. A vista da cidade grande lhe fez sentir enjôos e medos. Muitos carros, motos, pessoas, bicicletas e quase nenhum animal. Se Cunha estava impressionado com o movimento frenético no centro da cidade. Olhava tudo atentamente, fixava os olhos em cada neon que via, não piscava ao ver uma ambulância, sorria sempre e cumprimentava a todos como se estivesso andando nas ruelas e becos de sua cidadezinha. Seu Cunha estava ali. Como? Ah! Seu filho mais velho que morava em São Paulo viera lhe fazer uma visita e descobriu que o pai estava doente. Segundo o diagnóstico preliminar do Doutor Ambrosio, seu Cunha tinha um problema muito sério no coração.
_ Provavelmente causado pelo cigarro.
_ Viu pai, o senhor precisa abandonar o vício.
Escutando atentamente seu Cunha apenas riu como se estivesse entendo tudo.
Chegaram ao consultório do Doutor Alfredo Regis Vanacuver. O médico era especialista em coração, o mais renomado no Piaui. Seu consultório era sempre cheio. Gente elegante, bem trajada que sempre chegava de carro. A mais fina nata da sociedade terezinense. Seu Cunha também estava bem vestido. Um terno azul marinho, camisa branca de listras azuis, um sapato preto combinando com o cinto, cabelos bem penteados. Estava muito elegante. Sentado ali na sala de espera ao lado do filho todo nervoso, seu Cunha ouviu a voz doce da secretária anunciar:
_ Felisberto da Cunha.
_ Vem pai, somos nós.
Com o mesmo sorriso seu Cunha adentrou no consultório. O Dr. alfredo tinha cara sisuda, cabelos grisalhos e levava um cachimbo a boca a cada pergunta que fazia ao paciente ou ao seu acompanhante.
_ Idade.
_ 65 anos doutor. - Sempre o filho que respondia.
_ Algum problema mais grave aultimamente? Dor, febre, tontura, reumatismo?
_ É, ele sempre se queixa de uma dor no peito, as vezes fala que a respiração lhe falta.
_ Já teve algum infarto, algum desmaio?
_ Não senhor. Meu pai sempre foi muito forte. Sempre trabalhou muito e nunca se viu com uma doença grave. Só agora que está meio cansado. É a idade né doutor.
_ Bem vamos ver. Seu Cunha, sente-se ali e tire a camisa.
_ Seu Cunha obedeceu tranquilamente. Sentou-se na cama, retirou o terno, ca camisa e esperou o médico com a paciencia de um homem que esperou a vida inteira por alguma coisa que não sabia o que era. E sempre com o mesmo sorriso.
_ Diga "trinta e três".
Neste intante o filho de seu Cunha o interompeu:
_ Meu pai é analfabeto doutor.
_ Tudo bem. Então seu Cunha apenas repita comigo. "Trinta e três."
_ "Cumo" é.
_ Repita: "Trinta e três."
_ Trinta e três.
_ Isso. De novo.
_ Trinta e três.
_ Agora respire fundo e solte bem devagar.
Seu Cunha fazia exatamente como o médico mandava. Respirava e soltava, respirava e soltava. Enquanto o médico concluía o exame o filho de seu Cunha apenas observava. Nervoso, atento, roendo as unhas.
_ É grave doutor?
_ Meu rapaz, seu pai não viverá muito. Pelo que eu pude observar o coração dele já não tem mais forças para bombear o sangue. As veias estão entupidas e não adianta cirurgias, ele pode não resistir devido a idade.
_ Mas como pode isso doutor? Meu pai nunca foi de extravagâncias, nunca foi de fazer estrepolias com a saúde? O senhor tem certeza doutor?
_ Meu filho eu sou um médico de renome, eu nunca erro. POde crer. Seu pai está no fim.
Seu Cunha ouvia atento. O olhar confiante no médico e curioso nos quadros e diplomas. "Tudo tão bonito, tão zeloso." Pensou.
Saíram dali e pararam nu a lanchonete. Seu Cunha comeu um sanduiche e tomou suco, enquanto seu filo o olhava com pena. Começou a chorar em silêncio, buscando conter as lágrimas para não alarmar o pobre velho, que na sua opinião jazia moribundo entre a vida e a morte. Terminaram, pagaram a conta e rumaram para casa. Passaram em frente a uma funerária e Aderbal (o filho de seu Cunha) resolveu entrar. Seu Cunha não entendeu mas seguiu o filho.
_ Bom dia. Qual o preço dos caixões?
_ Para quem é meu filho?
_ Para o meu pai.
_ Qual o tamanho dele você sabe?
_ Mais ou menos um metro e sessenta.
_ Ele é forte, quero dizer, gordo.
_ Não senhor. Bem magrinho, coitado.
_ Bem nós temos este aqui. Madeira de lei, com tampo de vidro e seis alças. Uma beleza e não custa muito.
_ Ficaria em quanto este?
_ 350,00 reais.
_ O senhor manda deixar em casa?
_ Claro! Nós vamos até o hospital, removemos o corpo para cá, damos banho, vestimos e preparamos o cadáver no caixão e levamos para o velório no lugar que o senhor indicar. Diga-me, em qual hospital está o seu pai?
_ Não. Ele ainda não morreu.
_ Como?
_ É. Ele ainda está vivo. É aquele senhor ali. Fomos ao médico hoje e o doutor falou que ele tem pouco dias de vida. Então estou providenciando tudo.
O Vendedor ficou espantado. Como poderia uma pessoa antecipar o enterro de alguem, sendo que este alguem estava ali em pé, olhando os caixões, os desenhos nas paredes, a rua e parecia gozar de perfeita saúde?
_ Meu rapaz, onde você levou seu pai? Em qual médico?
_ Na clínica do doutor Alfredo Regis Vanacuver.
O homem soltou uma gargalhada e batendo no ombro de Aderbal disse com ar de ironia.
_ Não vou fazer esta venda a você. Há vinte anos atrás eu era dono de um sitio e lá criava galinhas, vendia ovos e cachaça. Tinha uma vidinha tranquila, sossegada ao lado de minha esposa e meus dois filhos, que deus os guarde. É que morreram de cirrose. Fui a uma consulta com ele. Sabe o que ele me disse?
_ Não senhor.
_ Ele falou com aquela voz grossa e pausada de dono da verdade. "Seu Clemente. O senhor infelizmente não durará muito. Está com um entupimento nas veias do coração e este vai para de bater logo logo." A partir daí minha vida desandou, nunca mais tive sorte na vida. Comecei a beber, induzi meus filhos a beberem, os dois morreram, minha mulher enlouqueceu e morreu afogada. Perambulei uns dez anos sem rumo, bebendo e vivendo como um mendigo. Também um dia quis comprar o meu caixão. Guardei-o na minha casa e esperei a morte na cachaça. Minha vida foi se despedaçando, minha família desaparecendo. Hoje me recuperei, tive alguém para me ajudar e montei este negócio de funerária. Depois que me ergui voltei a minha antiga casa, já quase em ruínas, peguei o velho caixão e o trouxe para cá, botei-o a venda aui. Até hoje nunca fiz um negócio se quer. Todos os que me procuram vêm da clínica daquele picareta.
_ E por que o senhor não desisitu de vender caixões?
_ Porque eu sou teimoso. Um dia eu vou vender um caixão, e aquele miserável será o primeiro a comprar para usar.
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