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Cronicas-->Edinho, o estofador -- 14/10/2016 - 21:13 (AROLDO A MEDEIROS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Edinho, o estofador

Aroldo Arão de Medeiros

Estava com vontade de escrever uma crónica, mas faltava-me assunto. De repente caiu em minhas mãos a revista Piauí 109. Chamou-me a atenção o texto de Anna Virgínia Balloussiere sobre Cláudio, o estofador. Empolguei-me porque tenho um cunhado que é estofador e tem dois empregados: um é o irmão, Edilson e o outro é o genro que, por coincidência, também se chama Cláudio.
Munido de um gravador fui entrevistá-lo. Não consegui manusear o pequeno e, para mim, moderníssimo aparelho. Peguei o celular e o vexame foi igual. Parti para o modo mais simples, perguntava e escrevia a resposta num caderno. Não esperava um depoimento tão interessante, tão empolgado. E olha que já o conheço há mais de cinquenta anos.
Já fez móveis para clientes de renome na cidade histórica de Laguna, em Santa Catarina. O médico, Doutor Oscar Pinho, foi um deles. Também o Doutor Aurélio Rótolo, médico da família e de vários conhecidos. A esposa do Doutor Oscar Pinho, Maria da Penha, visita-o quando precisa de seus préstimos. Darci, filha de um dos principais empreendedores do sul do estado, Santos Guglielmi, foi assídua frequentadora de sua fábrica.
Não só para médicos e empresários prestou serviços. Dois ex-prefeitos foram clientes seus, João Gualberto Pereira e Mário José Remor. Ainda na área da saúde tem como compradores de seus trabalhos o Vilson e a Neusa Antunes, donos de farmácia. Lenir Schiffler, esposa do promotor, procura-o e ainda o indica para as amigas. Arão Silvino de Medeiros, além de sogro, é "o cliente especial".
Contou-me que quando algum cliente pede um tipo de tecido que ele considera brega, não chega a expor sua adversidade, mas diz com palavras amenas que não ficará tão bonito quanto ele gostaria. Alguns ele consegue convencer, outros vão ter um produto que Edinho não recomendaria para um inimigo.
Um pouco diferente ele trata quando lhe entregam para reformar uma poltrona ou sofá e o esqueleto está com focos de cupim. Sugere fazer uma base nova. Se persistir a insistência para que faça sobre aquela estrutura, passa um jato de querosene, mas dá garantia de um ano e torce para não ter mais aquele cliente. Outrora aconteceu que, ao retirar o tecido de um sofá, percebeu que além da espuma ruim, estava muito estragada. O cliente não aceitou a troca. Edinho recolocou o tecido e se negou a fazer o serviço.
- Perco dinheiro, perco cliente, mas meu produto tem que ter boa qualidade - asseverou.
Um pedido especial feito de um salão de beleza - painel em capitonê - deixou-o orgulhoso. Ficou bonito e elegante. Recentemente inaugurado na Praia do Mar Grosso e é admirado pelas socialites lagunenses.
Assim como algo o deixa feliz também existem as lembranças ruins. Fez um jogo de sofá, novinho em folha, entregou, e até hoje não recebeu pelo material gasto e tempo dispendido. Ou quando tinha fábrica de móveis, que fez um jogo completo de quarto e ainda presenteou o cliente e "amigo" com um colchão. Ainda mantém amizade com o dito cujo, mas não viu o caraminguá, ficou a ver navios.
Falando em navio, fez estofamentos para cadeiras do Corveta Rio Grande do Sul, que ficou atracado no Porto de Imbituba, esperando o serviço ficar pronto. Esse navio de guerra tinha base de atuação no Rio de Janeiro.
Agora, diminuindo bastante o tamanho da embarcação e do tempo gasto, contaremos o que aconteceu e o deixou fulo da vida. Foi contratado para confeccionar cinco colchões para um barco pesqueiro. Ao entrar na embarcação percebeu certa quantidade de água no piso. Pescador nas horas vagas, notou que aquilo não era normal. Perguntou a um marinheiro o que motivara o problema. Este contou que receberam ordens do mestre para jogar os colchões no mar e os mesmos engancharam na hélice que bombeava água de dentro do barco para fora. Disse ao marinheiro para comunicar ao encarregado da embarcação que não faria o serviço. Não admitia poluição em sua lagoa querida, fornecedora de peixes, subsistência de muitas famílias lagunenses. Perdeu dinheiro, mas saiu com a consciência límpida como quer e gostaria que fossem as águas dos rios, lagos e mares deste Brasil.
Os dois maiores hotéis da cidade receberam todo o estofamento desse expert no assunto. Em 1996, o Laguna Tourist Hotel. Em 1976, o Ravena Cassino Hotel. Nem só de grandes obras vivem os arquitetos e estofadores. Também executam serviços para hotéis de menor porte: em 1997, mobiliou o Hotel Ondão.
Como já contei o artista já decorou hotel, barco, residência. Para posto de gasolina ele não tem lembrança de ter feito algo, mas para o dono de um, fez o que considera uma de suas melhores obras. Foi para o Binha: produziu um grande sofá, em capitonê e o tecido era chenile, material que raramente se usa hoje em dia.
Se nos dias atuais não se usa chenile, imagina há quarenta, cinquenta anos. Os sofás eram preenchidos com crina de cavalo e palha de butiá desfiada. A facilidade hoje é muito maior. Todo sofá é feito com espuma e usam-se ferramentas especiais. Todavia as pessoas são mais exigentes com o produto pelo qual pagaram. No passado, poucos tinham acesso a esse objeto "de luxo".
Eu sinto orgulho de ter um exemplar de um livro meu na Suíça. Edinho fala com simplicidade que um cliente, lagunense, residente nos Estados Unidos, contratou-o para fazer um jogo de sofá. The cliente like it so much, ou melhor, o cliente gostou tanto que mandou para o Edinho uma fotografia da base de um sofá e das poltronas, com as medidas exatas e combinou novamente seu serviço. Dessa vez o produto, almofadas e encostos, foram de avião se expor para os estadunidenses. Quanta diferença! Eu doei o livro para uma prima, ele cobrou em dólares.
Além de uma cidade norte americana, na capital catarinense, que dista mais de cem quilómetros de Laguna, umas vinte pessoas já receberam seus serviços.
Edinho não nasceu estofador. A vida desse homem parece que tem mais de cem anos. Já foi ajudante de bar, trabalhou em fábrica de urnas mortuárias, balconista de loja, ajudante de marceneiro. Depois, trabalhou gratuitamente para aprender o que sonhava e queria ser: estofador. A profissão de marceneiro aprendeu espiando, por um buraco que ele mesmo fizera na parede, o profissional vizinho trabalhar. Em uma estofaria trabalhou durante 2 anos e 8 meses, novamente sem receber salário, consciente que era para aprender a profissão.
Após aprender o ofício, no primeiro emprego o patrão pagou pelos 15 dias trabalhados o equivalente a um mês. Era tanto dinheiro que a mãe foi com ele até o chefe para saber se realmente aquele valor estava certo. Infelizmente, o senhor Guido abriu uma fábrica de móveis e estofados em outra cidade e ele não pode acompanhá-lo. A mãe não deixou. Ele era um rapazote de apenas dezesseis anos.
Também contrato com ele o trabalho em meus sofás, poltronas e outros badulaques. O que mais gostei até hoje foi um sofá grande, em U, com chaise. Gosto de deitar, esticar as pernas, ver televisão. Sinto prazer em ouvir música em volume bem baixo e, nesses momentos, esqueço o mundo, vagueando com sorriso nos lábios, próprio de quem está de bem com a vida...



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