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Artigos-->Feliz Aniversário, Fraulein Braun -- 30/07/2001 - 23:25 (eva braun) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Não sou mais do que a combinação da minha realidade com a fantasia daqueles que me amaram." "Entre o nada e coisa nenhuma, hoje o tempo parece que não tem pressa." Ah, naquela manhã eu viraria mais uma página de meu diário, 6 de fevereiro de 1942, data em que completaria 30 anos de idade. Frases soltas, apontamentos,fragmentos esparsos, versos de Goethe embaralhados com os meus, duas sessões de hipnose marcadas com um renomado especialista, eu precisava saber o que estava acontecendo comigo. Por que não conseguia mais dormir com a mesma serenidade de antes. Por que deixara que a minha vida tomasse o rumo que tomou. Eu precisava organizar minhas conjecturas. Dar-lhes significado. Eu reconhecia tudo à minha volta, mas seria capaz de compreender? Ainda sonolenta, perdia-me em meio a esses pensamentos enquanto me revirava na cama. Decidi levantar-me e me arrastei até a janela, abrindo as cortinas para permitir que o sol entrasse em nossa lúgubre fortaleza. Mas não havia sol, a neblina confundia as estrelas com aves de rapina, cobrindo de incertezas os céus da Alemanha. Meus olhos ardiam pois além de não ter pregado os olhos a noite inteira, o Fuhrer nos obrigara a assistir,depois do jantar, a quatro sessões seguidas de O Triunfo da Vontade, o filme megalomaníaco de Leni Riefenstahl. Que estética maçante. Um interminável desfile de corpos perfeitos, uniformes impecáveis,marchas militares e discursos beligerantes. Como muita gente sabe, Adolf - ou Adi, como eu o tratava na intimidade - nunca gostou de banho, mas sempre era o primeiro a incentivar programas de lavagem cerebral, nos quais me incluía. Depois de algum tempo vivendo juntos, para não irritá-lo, eu tinha de ler meus autores preferidos escondida, sob o colchão guardava vários tratados de Wittgenstein contrabandeados de Viena por meu círculo mais íntimo de amigos. Sobre a mesa de cabeceira deixava os exemplares de literatura barata à vista, o que a gente não faz por amor... O pior era ter de engolir filmes românticos, com seus diálogos melosos e finais duvidosamente felizes. Bom, pelo menos eram melhores do que aquelas propagandas cinéticas de Leni. Os filmes açucarados serviam para me dar sono,aliviando-me da insônia crônica. Não me peçam para explicar-lhes por que uma mulher como eu, sensível e um tantinho esclarecida, se submetia a tal situação, pois eu mesma sou a primeira a desconhecer os motivos. Dominada pela sentimentalidade a mais piegas, só posso chegar à conclusão de que eu era sem dúvida e inegavelmente escrava do amor. Desde a primeira vez em que meus olhos pousaram nos dele, eu soube que haveria de segui-lo até a morte. Destino? Quem sabe. Quem se importa?

A lembrança daquele 6 de fevereiro volta a me apertar o peito, deixando-me atolada em profunda melancolia. Quisera eu lembrar de algumas anedotas alemãs para consolar-me e a meus leitores, mas não consigo. Só sei dizer que aquele dia amanheceu nublado e frio, e cada vez mais frio ficava à medida que eu contemplava ali sozinha os céus da Luftwaffe. De repente, arrancando-me de meus devaneios, Adi adentrou minha alcova, assustando-me com o martelar apressado de suas botas ferindo o chão. Virei-me para ele que, com um olhar esgazeado, me estendia um pacote embrulhado em papel de presente e amarrado com delicados lacinhos cor-de-rosa. Antes que eu desfizesse os lacinhos, ele me advertiu de que eu só deveria fazer uso daquela lembrança quando estivéssemos a sós, entre quatro paredes. O que seria? Outro conjunto de calcinhas de couro? Novos chicotes? Correntes de prata? Pelo tamanho do pacote, certamente não se tratava de uma jóia. Confusa,e curiosa, apressei-me em desfazer os nós. Um, dois, três e..... não, uma câmera fotográfica, e das mais modernas, estado da arte. Eufórica, parti para abraçá-lo. Ele aceitou o abraço, mas abriu mão do beijo,afastando-se abruptamente para me comunicar que mandara preparar um jantar informal para comemorarmos o meu aniversário. (Como poderia eu na época saber que só teria mais três anos de vida até o dia do desenlace final? Eu já tinha ouvido falar que havia algo de podre no reino da Dinamarca, mas dali onde estávamos ainda não dava para sentir o cheiro.) Na esperança infantil de me agradar, o Fuhrer passou a desfiar a lista de "seus" supostamente meus convidados - os mesmos de sempre: Goebbels, Magda e as crianças, Martin Bormann, Rudolf Hess, Tio Mengele, Goering e Himmler, Albert Speer, Leni etc. Por acaso minha mãe,Franziska,estaria na lista? Não ousei perguntar. Ele deu meia-volta e saiu do quarto sem um até-logo. A máquina pesava em minhas mãos. Eu tiraria fotos só de nós dois? Minha mente voou para o tempo em que havia trabalhado como assistente do fotógrafo pessoal do Fuhrer, meu querido mestre Hoffmann. Será que eu ainda sabia como ajustar uma câmera? Os macetes para conseguir um bom foco? E por onde andaria Hoffmann? Eu ficara preocupada com seu repentino sumiço. Sabia que o Fuhrer morria de ciúmes dele, nunca acreditou que tivéssemos sido apenas "bons amigos". Teria sido capaz de encarregar a Gestapo de livrar-se do imaginário rival? Esta dúvida me assolaria por um bom tempo, até o dia em que, me aproveitando da boa vontade de Goering -que tinha o desagradável hábito de beliscar minha bunda depois de animar-se com vários gramas de cocaína - resolvi perguntar-lhe do paradeiro de meu querido Hoffmann.

- Ora, Fraulein não sabia? O Fuhrer despachou-o para o front! Ah ah ah!!!



Mais uma de suas maquinações absurdas, pensei eu. Até quando toleraria aquilo? Que manuais de psicologia eu precisaria ainda ler para me convencer da insanidade de um homem que tomava banho uma vez por mês?
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