Há na costa sul da Ilha das Flores um lugar chamado a Passadinha.
Fica entre as freguesias do Lajedo e do Mosteiro, a poente do Pico Faxial.
Como todo o sul da ilha, a zona é um viveiro de caprichosas formações rochosas. Enormes esporões basálticos como Pináculo; castelos roqueiros como o Pico Faxial e outros a que só faltam ameias, pontes levadiças e cavaleiros andantes; espigões que parecem talhados a escopo e martelo como a Pedra Furada, com as suas janelas abertas de par em par; ou falécias finamente cinzeladas em semi-colunas perfeitíssimas como a Rocha dos Bordões...
Numa dessas formações rochosas, quase ao nível do solo, vê-se a impressão perfeita dum pezinho de criança. É a passadinha que deu nome ao lugar.
A passadinha é conhecida desde os primórdios da fixação humana do sul da Ilha e a lenda a que ela deu origem é também muito antiga. Nos meus tempos de garoto não havia criança que passasse por perto e não fosse ver a passadinha do Menino Jesus. E era essa a lenda, a passadinha tinha sido feita pelo pezinho do Menino Jesus.
Havia várias versões, umas mais elaboradas do que outras. A versão de que eu mais gostava era a que me contava minha avó paterna.
Dizia que, na fuga para o Egipto, S. José, depois de muitos dias de viagem e de ter despistado os soldados de Herodes que vinham para matar o Menino Jesus, resolvera repousar um pouco. Levou a burrinha para junto de um abrigo que a rocha ali fazia, tomou o Menino ao colo para Maria se poder apear, e sentaram-se a descansar o mais confortavelmente que puderam.
Nossa Senhora e S. José deram graças ao Pai do Céu que os tinha livrado dos seus perseguidores, e adormeceram aconchegados um ao outro. O Menino no colo de seu pai.
Então S. José teve um sonho terrível, um verdadeiro pesadelo.
Sonhou que aparecia ali uma lavandeira e se punha a abanar o rabito, como elas gostam tanto de fazer, mesmo em frente do Menino Jesus. Tanto saltitou e abanou a cauda que o Menino a quis seguir e pôs-se a escorregar do colo de S. José para ir atrás dela. S. José tentou impedir que o Menino Jesus escorregasse do seu colo, mas, por mais força que fizesse, não conseguia retê-lo.
A rocha era dura e áspera e os pezinhos nus de Jesus eram tão tenrinhos... Meu Deus, ele vai-se magoar, pensou S. José e redobrou de esforços para o segurar. Não conseguiu. O Menino escorregou para o chão rochoso da lapa e dispôs-se a seguir a lavandeira.
S. José, num grande grito de aflição, estendeu os braços para agarrar Jesus antes que ele desse a primeira passadinha... e nisto acordou.
O Menino voltara para o seu colo e a alvéloa tinha desaparecido. Mas, impressa na rocha que dera de si para não lhe magoar o pezinho estava bem nítida a passadinha do Menino Jesus.