Quando eu era criança, na Semana Santa as pessoas iam à igreja, rezavam e jejuavam. Muita gente entrava e saía da Catedral e algumas vezes fui até lá para ver o que acontecia. Logo à entrada havia uma fila e, mais adiante, o padre ajoelhado ao lado de uma bacia, rezando, lavava os pés das pessoas e os enxugava. Filhinha, nossa empregada, dizia que Jesus tinha feito o mesmo - para mostrar humildade - por isso o padre repetia seu gesto. Dizia também que os negros ficaram só com a sola dos pés e a palma das mãos claras porque eram os últimos da fila e então havia pouca água...
Mais tarde contaram-me que no tempo de Cristo era costume os convidados lavarem os pés antes de entrar numa casa, em dia de festa, e quem se ocupava desta função eram os escravos. Jesus tinha lavado os pés de seus amigos colocando-se no lugar de um servo. Eu, na santa ignorância, ficava pensando que aquilo era desnecessário, até descobrir que naqueles tempos quase todo mundo andava descalço, ou apenas com uma sandalinha.
Soube também que os amigos de Cristo tinham ido cear com ele, hábito antigo na Palestina durante a semana do Pessach, quer dizer, de cerimônias religiosas que antecediam o domingo da Páscoa, quando os judeus comemoravam a passagem pelo deserto depois de libertados do cativeiro. Os adultos explicavam que o quadro da Santa Ceia, presente em quase todas as casas, representava justamente este jantar que Jesus ofereceu a seus discípulos. Diziam também que um deles era o traidor. Nessa mesma noite Jesus foi preso.
A sexta-feira Santa sempre foi um dia diferente. Não se podia fazer barulho, dar risada nem ouvir música. E na hora do almoço, só um filezinho de peixe na mesa. Os adultos nem comiam. À noite eu via a procissão do fogaréu, os fiéis andando quietos com tochas acesas. O silêncio só era interrompido pela voz da Verônica com seu canto triste.Foi o dia em que Jesus morreu pregado na cruz.
