Um homem um dia
Passando estava em frente
À um prédio imenso, bêbado ( como não
Podia deixar de ser. )
Uma cumbuca de pinga na mão,
Cigarro na outra:
“Ser imenso! Qual o tamanho
do seu coração?”
E o prédio ficou calado.
“Ser imenso! Deves amar com fidelidade...”
Ele olhou para outros lados,
Prédios, prédios e mais prédios,
Gritou com todos!:
“ Seres imensos, não se acham dignos
de dialogar com um ébrio?!”
enquanto isso um carro lhe toma a atenção.
Vum!! Cem por hora no centro
Da cidade,
Ele toma mais um gole
E outro mais,
Acende outro cigarro
E os carros vão passando,
Um atrás do outro,
Cada um mais veloz...
“Carros! Se tens tanta pressa, me recuso
a chamar-lhes a atenção.”
Ele para
Senta-se ao meio fio, cai,
Um rapaz o levanta:
“obrigado “, ele agradece.
o rapaz já estava longe...
Nem atenção lhe prestou.
Ele discursa:
“Oh! Terra sem reis e sem amor
é possível se encontrar bondade
maior que a riqueza?
Eu não sou digno de pena, não! Ouviram!!!
Não! Eu sou mais! Eu sou o grande
Entre os homens,
Sou grande e minha grandeza
É maior que esses prédios seus
E que suas visões estreitas.
De que lhes servem o poder e a satisfação?!
Suas famílias e seus sonhos?!
Essa cidade imensa que ousaram construir?!
Eu já não tenho casa, mas há muito
Já não tenho a cegueira...
Sou desprezado por vocês,
Por vocês que mentem...
Saiam nas janelas e ouçam a verdade, seus hipócritas!
Carros, abram suas portas,
Homens, mulheres e crianças enfim...
Qual dignidade tens no espírito ou no corpo
Para me olharem com desprezo?!
Oh! Homens de estranhas conclusões,
Vocês estão tão à beira da morte
E da destruição e ainda ousam
Alçar em mim o seu desprezo?!
Vejam que meu cérebro é produtivo
E meu coração possui humanidades imensas,
Devo Ter, por merecimento, valor e respeito!”
Por um instante ele se cansa,
Mais um trago de bebida,
Mais um trago no cigarro,
O suor lhe escorre...
A cidade imensa não se altera
E os homens são cada vez
Mais velozes e destinados.
De súbito lhe surge uma náusea,
O vômito vem...
É sangue puro e vivo!
Todos aceleram os passos
Ao se depararem com a cena...
Ele enxuga os olhos,
Limpa a boca,
Se enfurece:
“ Eu sou o rei!
Vocês são cães do meu quintal
Alimentados à molho e fubá!
A maior virtude da alma
É a autenticidade,
Nesses trapos que me vestem
Há verdades suficiente,
Debaixo desses ternos luxuosos
Eu vejo porcos sedentos por poder.
Ouviram!!!
Parem todos perante
A verdade do rei!...
Uma guerra está próxima!
Vocês não conseguem ver
Mas eu vejo!
O mundo se destruirá ao som
De bombas e trombetas,
Os poucos de vocês que sobrarem
Se unirão a mim na miséria total...
AH, AH, AH, AH, AH....
Mas verão que não há
Miséria alguma.
Corram seus hipócritas!
Corram com seus olhos fechados
À verdade,
Ignorem o rei que vos fala
E que vos oferece a salvação
De mãos beijadas....
Mas saibam que seu destino
Está batendo à porta!
Eu sou o rei!
Tenho poderes ilimitados em minha mente,
Sou o profeta do caos
Desta cidade imensa”
Um moça se aproxima.
“venha aqui, minha amiga!
Você teme que a fúria
De nosso Deus recaia
Sobre seus ombros?”
“Não sei...”
“Volte aqui, minha amiga!
Não me dê as costas!
Ouça a verdade!...
Vocês, seres humanos!
São mesmo estranhos...
Cada um de vocês se acham
Maior que todo um universo
Que todo o oceano
Que todo um Deus...
Como pode residir em um peito
Falsidade e hipocrisia tamanha?
Mostrai-me pai, uma maneira
De fazê-los ouvirem e converterem-se...”
A cidade aos poucos
Vai parando para
A hora do almoço,
O ébrio se alegra:
“Enfim uma leve calmaria...”
uma pausa para mais um gole
E outro, e outro cigarro,
Sua cumbuca de pinga esvazia-se,
Ele procura outro cigarro na carteira
E não encontra.
Ele se encosta à sombra de uma árvore,
Observa umas poucas pessoas
Passando à sua frente,
Respira bem fundo,
Cospe:
“Eu sou o re..., o rei!
Cof, cof, cof, cof...
Lancem contra mim o seu desprezo
E ainda assim lançarei
Contra vocês a minha bondade,
Sob este sol que me ilumina,
Sob o álcool que alimenta,
Sob o fumo que sacia
Eu juro servir a vocês, meu súditos,
Mesmo sob todas as formas
De desfeitas.
Vocês estão inseridos na inocência,
São cegos, inconseqüentes...
Mostrarei-lhes a direção
Como um bom pai,
Sob a jura de sua lealdade
Ou não,
Pois se uma estrela existe
É sob o pretexto de nos servir sua beleza,
Se existe um sol
É sob o pretexto de nos servir a luz,
Assim também existo
Sob o pretexto de guiar-vos à verdade,
Dêem glória a seu rei
Pois alguém que se presta a tal tarefa
É definitivamente digno
De todas as honras do mundo...”
O pobre senhor ébrio
Deita-se à sua sombra,
Sua cumbuca vazia,
Seu último toco de cigarro...
A cidade vai-se movimentando
Novamente para uma tarde de trabalho.
O senhor, com toda a grandeza do mundo,
Fecha os olhos deitado aos pés de sua árvore!
Entre babas e lágrimas
Exalam-se alguns sussurros:
“Eu sou o rei, eu sou o rei, eu sou o rei...”
|