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Contos-->Viagem em busca do amor impossível -- 21/10/2001 - 16:16 (Maria José Limeira Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VIAGEM EM BUSCA DO AMOR IMPOSSÍVEL
Maria José Limeira

Se eu fosse outra pessoa, que não fosse eu, seria
outra, e não eu...
Não sabia por que este princípio não me saía da
cabeça enquanto escorregava os olhos pelas
paredes, esvaindo-me nas coisas que me
rodeavam...
Estava indo embora.
Teria que partir.
Deixar tudo para trás.
Abandonar o barco, como minha mãe dizia, em horas
de aflição.
Mas, sabia-o bem.
Não era partida.
Era fuga...
Adeus para nunca mais...
Teria que fugir, mais uma vez.
Para onde?
O que importava, naquele momento, o para onde?
Explicaria os porquês?
Por que?
Ah, o dia...
Se pudesse, levá-lo-ia?
E a noite?
Valeria a pena a noite?
Tardes.
Manhãs.
Frio e calor...
Estava tudo vazio, dentro de mim, para dar lugar
à pressa.
Ao lado do vazio, o cansaço...
Assim cansada, não chegaria muito longe, eu bem
sabia...
Fugir para bem longe havia se transformado em
roteiro de vida...
Bandeira que desfraldava ao amanhecer, ao
relento.
Fugira durante toda minha vida.
Pulando fôssos.
Atravessando portas invisíveis.
Escalando janelas de altas torres.
Lançando ao largo cordas precárias para descer de
altos andares de edifícios sem escadas de
emergência..
Fugindo de tudo.
De todos.
E de mim mesma.
Com poucos intervalos de tranquilidade.
E foram tantas as vezes.
Tantas as fugas dramáticas e espetaculares, que
seria inútil agora lembrar como tudo começou...
Acho que, da primeira vez, eu era muito criança
ainda...
Queria ir embora da tortura que acompanhava
minhas ousadias.
A palmatória pendurada na parede foi minha
primeira inimiga.
Sua força estourava as palmas das minhas mãos e
fraturava meus pequeninos dedos-ossos de criança
demente...
Como tudo me doía naquele infeliz tempo!...
Tempo que ficou congelado dentro de mim... dores
se multiplicando... até mesmo depois de partir
pela primeira vez...
Pela primeira vez, pulei a janela para o Nada...
Embrenhei-me na floresta.
Vi cobras, lagartos, corujas piando, morcegos
devoradores no meio da noite, animais ferozes de
olhos abertos na escuridão...
As pessoas que me acharam tiveram que usar cães
farejadores, que me acuaram no buraco onde eu
conseguira me enterrar...
O retorno foi pior, muito pior, do que a fuga.
Pois significava minha primeira derrota.
Nem compressas nos pés, nem banhos mornos que
minha mãe me dava para curar minhas feridas, e
mais lágrimas de arrependimento que ela jorrava
sobre meu corpo dolorido...
Nada. - mas nada mesmo - poderia sanar a
destruição que dentro de mim se iniciara...
Eu estava longe, em pensamento, de olhos
fechados, recusando-me a ver as grades que me
encerravam...
Não havia mais janelas de onde olhar o mundo e o
tempo passando...
O que havia era uma cela solitária, sem ar, que
me alijava para sempre da convivência humana.
Para sempre e nunca mais...
De que modo uma menina como eu poderia esbarrar
assim no irremediável e, no entanto, continuar
vivendo?
Teria sido milagre, portanto, alcançar a idade
madura juntando continuamente meus frangalhos?
De derrota em derrota...
Fracasso após fracasso...
Ignomínia...
Indignidade...
Frangalhos e frangalhos...
A segunda vez que tentei fugir foi quando, já
mocinha, peguei carona na carruagem enferrujada,
para iniciar a longa viagem em busca do amor
impossível...
Estava partindo, mais uma vez.
Para descobrir, ao final, que amor impossível não
existia...
E nem havia no mundo amor de qualidade nenhuma.
Pelo menos como eu o idealizava...
Foi numa manhã triste e cinzenta que parti pela
terceira vez...
Foi nessa terceira vez que tudo ficou mais
difícil.
Além de todas as tralhas que devia deixar para
trás, havia uma criança em meus braços, agarrada
ao meu pescoço.
Não poderia levá-la comigo.
Foi debaixo de lágrimas, cenas patéticas e
discursos dramáticos que nos separamos.
(Ainda hoje vejo-a em sonhos chamando por mim,
pois nunca nos refizemos do mal da separação)...
Ah, isto tudo é dor, agonia...
Remoer passado...
Encontro com o irremediável...
Andei, andei...
Perdi-me em labirintos...
Conheci homens, países, cidades, lugares...
Sem suportar a solidão que a vida me impôs...
Até esbarrar no agora. Nesta perplexidade
primeira, começo de tudo, quando ouço o médico
dizendo que estou à beira da morte e restam-me
poucos dias de vida.
Havia uma mesa impessoal entre nós, quando ele me
disse isso, consultando frios papéis, supostos
resultados de exames clínicos aos quais me
submetera, dia após dia...
Quando ouvi o vaticínio, última palavra da
Ciência contra mim, o mundo começou a desaparecer
ao meu redor.
Sumiu primeiro o médico à minha frente.
Em seguida, sumiram as paredes do consultório, as
portas de saída, o sol lá fora, frio e calor...
Desci degraus de escadas que não existiam mais.
Saí para as ruas onde não passava mais ninguém.
O mundo era uma bola vazia, e eu estava flutuando
dentro dela, sem direção.
Caminhei a esmo, entrando em ruas desertas e
becos sem saída.
Atravessei dias e noites, sem sossego.
Até alcançar a casa, onde me tranquei, para
buscar o inominável em que me perdera.
Fui criança, de novo.
Jovem.
Flor-virgem.
Mulher adulta...
Abri portas que não existiam.
Andei por corredores vazios.
Persegui minha própria sombra.
Deitei-me em catre.
Não me foi dado mais fugir.
Fugir por que?
E para onde?
Estava sozinha.
Quando meu cadáver fosse encontrado, a quem
avisariam?
Existiria alguém mais no mundo que se importasse
comigo?
E por que se importaria?
Era dolorosa a sensação de estar no mundo, sem
pertencer mais a ele, embora.
Era pior do que o exílio em que vivera,
mergulhada em solidão atroz, sem saber mais falar
a linguagem humana, comunicando-me através de
sinais e gestos desconexos...
Ali deitada na cama que não existia, sabia que
teria pouco tempo para me preparar para a última
fuga, sem direito a uma segunda chance...
O tempo...
Que significado teria o tempo, no momento em que
perdera tudo?
Presumia que aquela seria a última vez em que
iria embora.
Teria que levar tudo, então...
Minha desobediência civil.
Rosa do meu corpo.
Primeiro beijo.
Último adeus.
Único homem amado.
Ternuras e zangas.
Espírito de luta.
Meu coração arrazado.
Alma vagante.
Meus pés cansados...
Tristes partidas.
Fugas dramáticas e espetaculares.
Noites, tardes e manhãs.
Ontens e hojes.
Todos os mares onde naufraguei.
Os porquês.
Sins e nãos.
Vazios e pressas.
Mapas de tesouros não-localizados.
Minhas ousadias.
Dores difusas.
Retornos forçados.
Esforços dobrados.
Derrotas e derrotas.
Fracassos.
Capitulações.
Frangalhos.
Ignomínias e indignidades.
Labiritintos irremediáveis.
Homens, países, cidades e lugares.
O tempo-tempo.
O tempo inexorável.
Para sempre e nunca mais...
A campaínha de um telefone soava ao longe.
Ainda havia alguém que me procurava.
Quem poderia ser, se estava sozinha e não tinha
mais ninguém do outro lado da fronteira que eu
deixara para trás?
Quando coloquei o gancho no ouvido, uma voz
pausada me informava, oficialmente, que todos
aqueles exames clínicos que confirmaram minha
morte iminente não diziam respeito a mim.
Pertenciam a outro paciente - este em estágio
terminal.
Quanto à senhora - dizia a voz - pode ficar
sossegada, que está gozando boa saúde e não
morrerá tão cedo, a menos, naturalmente, que
sofra algum acidente, o que parece improvável.
Se eu fosse outra pessoa, que não fosse eu, seria
outra, e não eu...










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