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Artigos-->Ciência, política e política na ciência -- 03/11/2003 - 10:04 (Carlos Luiz de Jesus Pompe) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O humano é um animal que constrói paisagens, investiga a natureza para submetê-la aos seus interesses. Presente em todos os continentes, interfere no ambiente que o cerca e, na ânsia de dominá-lo, por vezes o agride de forma inexorável. Ser político, dividido em classes sociais devido à sua evolução social, trata também politicamente sua ação sobre a natureza e, nela, interfere os interesses de classe. Assim, as pesquisas médicas, por exemplo, são voltadas para atender em primeiro lugar as regiões economicamente mais desenvolvidas do planeta, pois nelas é mais garantido o retorno financeiro dos investimentos. Assim, também, os resultados das pesquisas não são compartilhados, mas considerados propriedade de empresas ou instituições, mesmo que envolvam interesses e atendam a necessidades de toda a humanidade.

Como a questão implica interesses de classe, envolve também paixões. Há quem atribua moral à natureza e considere a beleza de uma flor, por exemplo, uma benesse divina. Com a mesma perspectiva, há quem interprete a epidemia da Aids como um castigo para a liberalidade sexual – e os filhos de aidéticos que nascem aidéticos pagam pelo pecado dos pais, assim como a humanidade carregaria a sina do pecado original de Adão e Eva. O contrário não vale: nem a Aids é uma benesse divina e nem a beleza da flor uma maldição.

A controvérsia envolvendo a produção de organismos geneticamente modificados está propiciando um momento privilegiado para a discussão sobre a relação entre ciência e política. O Brasil carrega em sua história a Revolta da Vacina, movimento popular que surgiu no Rio de Janeiro em 1904 contra a vacinação obrigatória antivariólica determinada pelo governo. Maior cidade do país no início do século passado, a Capital Federal contava com uma população de 720 mil pessoas expostas a epidemias de febre amarela e varíola. Vitimando principalmente os mais pobres, a falta de saúde pública transformou-se num dos maiores desafios do presidente Rodrigues Alves. O médico e cientista Osvaldo Cruz, assumindo a Diretoria Geral da Saúde Pública, organizou uma campanha de vacinação para debelar a varíola. Em 31 de outubro de 1904 o Congresso aprovou a lei que tornava a vacinação obrigatória. Cinco dias depois, a oposição criou a Liga contra a Vacina Obrigatória e, em menos de uma semana, tinham início violentos confrontos entre populares e forças policiais. Pessoas consideradas de vasta cultura, como Rui Barbosa, quase toda a imprensa, militares positivistas e políticos da oposição, como o senador Lauro Sodré, eram contra – alegavam que a vacinação era uma interferência na vida íntima das pessoas. Politizada ao extremo, a campanha instigou a população, insatisfeita também com suas condições de vida e trabalho, a ir às ruas em protestos monumentais.

Com a atual discussão sobre os trangênicos ocorre algo semelhante. A justa preocupação de evitar que uma empresa monopolize o conhecimento e a distribuição de sementes soma-se à intolerância com pesquisas científica.

Em 1956, E. A. Gutkind escreveu que homem e natureza “são dois agentes da perene revolução que altera a forma da terra e as características da atividade humana. Este embate, ao mesmo tempo violento e esporádico, gentil ou enérgico, mas sempre cobrando uma nova resposta para a nova mudança, ativa o potencial de energia do homem e da natureza, moldando a Terra com avanço ou retrocesso, com criativa interação ou desastroso antagonismo, esperança ou desengano”.

Esta abordagem foi inspiradora para os organizadores do Seminário Internacional Transgênicos no Brasil, promovido pela Universidade de São Paulo,em parceria com a Academia Brasileira de Ciências e a International Union of Food Science and Technology. Os organizadores emitiram um manifesto considerando essencial que o Brasil “desenvolva competência tecnológica para atuar nos diversos segmentos de oportunidades, isto é, em todo o espectro de produtos, incluídos aqueles derivados do melhoramento genético através de cultivos convencionais e os especificamente transgênicos”. Enfatizaram que “não há evidências de que os alimentos geneticamente modificados apresentem categorias de riscos diferentes dos convencionais” e propuseram que o Brasil amplie “os recursos destinados à manutenção da capacidade de pesquisa do país na área, bem como à formação de recursos humanos em todos os segmentos envolvidos com essas novas tecnologias, incluindo o desenvolvimento de produtos, o licenciamento, o monitoramento e a avaliação dos possíveis danos à saúde humana e os impactos ao meio ambiente”. E alertaram que é necessário diferenciar “as normas de pesquisa das regras de comercialização de produtos” para evitar “obstáculos para o desenvolvimento das pesquisas, com graves prejuízos para o país em setores estratégicos como o dessas novas tecnologias”.

Não há como abordar tais temas sem paixão, isto é, sem uma visão que implique interesses e objetivos numa sociedade concreta. O dramaturgo alemão Bertold Brecht, com sua verve poética, constatou: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Da omelete à soja transgênica, a humanidade atua modificando a natureza. E não se faz omelete sem quebrar os ovos...



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