A Bíblia fascina-me, não pela religiosidade agrupante que emana em subserviência a um chefe - eu não pactuo com religiosidades colectivas - mas sim pela plenitude de seu conteúdo físico: ali está acumulada a experiência da humanidade em actos, de facto, incontornavelmente repetíveis, todos os dias, desde há milénios.
A trama da Torre de Babel exprime algo de genial inteligência, espécie de aspersão abruptamente múltipla que, por mais que se intente dominar à ordem do raciocínio individual, mais o caos se restabelece e se expande, prova cabal de que o ego humano é indominável face a qualquer avantesma. Das duas, uma: faz-se a torre pela submissão dos corpos à força bruta ou não se faz, e de imediato almas e corpos se deliciam sem necessidade de fazer guerra e reclamar por paz.
Abordemos, por exemplo, a confusão da torre entre indivíduos da mesma língua... Oh... É preferível buscar entendimento num idioma diferente e, então aí, a linguagem gestual é decisiva e sobreleva-se a qualquer pico intelectual. Logo que na linguagem falada, de um lado ou do outro, os indivíduos se entendem, desde logo também a construção da torre começa a mover-se em direcção ao abismo que é o céu. Interessante - né?! - e mais interessante é porque deveras a fatalidade é inevitavelmente real.
Qual pois a solução harmonizante? Não há solução, porque o homem por mais que queira nunca mais consegue ser bicho, embora haja muita gente que, presumindo rebaixar o humano, apenas se ofende em si mesmo: os bichos são seres superiores à palavra. Ninguém duvide !...
António Torre da Guia
O Lusineiro |