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Artigos-->011 - Campeonato de Rolimã -- 14/11/2003 - 06:30 (Carlos Alcino Valadão Lopes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Roubinho Burrinchinelo nasceu em uma favela do Rio de Janeiro, e como tal, desde cedo, teve que ir a luta, trabalhar pra ajudar a família, pobre porém honesta, das poucas que ainda não aderiram a vida mais fácil e mais perigosa do tráfico de drogas.

Tentou primeiramente ser engraxate. Não deu. A recessão cortou da ex-classe média esse pequeno luxo, obrigando aos próprios donos a lubrificarem seus pisantes. Em seguida veio a venda de balas no trem, que no início, com a ajuda do pagode do Zeca até “rendeu algum”, mas que no final acabava sendo tomado pela malandragem de plantão. Por último, “alugou” um carrinho de feira de rolimã e começou a fazer frete de mercadorias para as empregadas das madames da Zona Sul.

De tanto correr com seu carrinho de madeira pelo asfalto, esquivando-se dos outros de metal, adquiriu uma agilidade impressionante que o ajudava a fugir da polícia, dos concorrentes e de ser roubado pelos garotos maiores. A sua ginga moleque aliada ao bom-papo e a pequena estatura, rendeu-lhe a preferência no serviço de frete, isso sem falar na honestidade da entrega da mercadoria no local certo e na quantidade certa. As barracas de feira acampadas todo dia em uma rua diferente, lhe deram a experiência de conhecer vários percursos, de fazer pit-stops cada vez mais rápidos e de desenvolver uma velocidade extraordinária entre uma entrega e outra.

E a vida de Roubinho seguiria nessa rotina não fosse a futilidade dos “filhinhos-de-papai”; que enjoam tão rapidamente de seus ricos brinquedos, ganhos facilmente, como exigem reposições à altura; “descobrirem” mais um esporte radical, a pilotagem de rolimã. Da descoberta a pole position do mais novo modismo dos riquinhos nacionais, foi um pulo, ou melhor uma volta, e em tempo recorde, os afortunados já tinham à sua disposição toda uma gama de produtos para o gênero, desde carros sofisticadíssimos, com rolimãs importadas, assento acolchoado e direção hidráulica; até uniformes completos, do tênis ao capacete, das principais scuderies da F-R (Fórmula Rolimã).

Mais rápido do que uma volta em circuito da F1, os gananciosos e oportunistas empresários do esporte “enxergaram” na novidade, mais uma grande oportunidade de se enriquecerem às custas dos outros e organizaram o “Primeiro Campeonato Nacional de Rolimã”, que deveria ser disputado em circuitos a serem criados por todo o país, por equipes compostas de dois pilotos, à exemplo da sua co-irmã mais famosa.

Imediatamente foram criadas várias escuderias, pois todos os “riquinhos” queriam ser o piloto nº 1. Isto ocasionou um grande problema, como preencher a vaga do piloto nº 2? Após muitas idéias, vaidosamente rejeitadas, alguém lembrou dos profissionais das feiras e no dia seguinte, em meio ao trânsito de freguesas e feirantes, um batalhão de engravatados caçavam “sparing” para o deleite de seus mimados filhos.

Numa dessas Roubinho foi convidado e aceitou participar da Equipe da “Ferrados”, desde como segundo piloto. Ele não sabia e nem queria saber o que era ser o piloto nº 2, só pensava no prazer de poder correr com seu rolimã pelas ruas da cidade sem ser molestado e ainda ganhar uma graninha.

No dia da corrida podia-se, facilmente, distinguir os primeiros dos segundos competidores de cada equipe. O contraste começava já no grid de largada. Sem combinação prévia e sem treinos de melhor tempo, foi sorteada a ordem de colocação dos pilotos. Obviamente, na frente os filhinhos dos donos das equipes, com seus carrinhos super-equipados, confeccionados por encomenda, de madeira leve e rodinhas de rolimã hiper-lubrificadas; uniformes novíssimos, de cor reluzente, sapatos especiais e capacetes munidos de rádio Am/Fm/Receptor/Transmissor; e nas últimas colocações os meninos das feiras, com seus carrinhos desgastados, feitos de madeira de caixote e rolimãs enferrujadas; bermuda surrada, camiseta rasgada, chinelo de dedo e boné furado.

Ninguém, em sã consciência, levava fé no segundo escalão. Era uma triste farsa pra cumprir exigência da regra e fazer média social. O percurso seria de cinco voltas ao redor da, outrora linda, Lagoa NãoLigo de Feitos. Tudo pronto, foi dada a largada. A primeira volta foi completada por todos os 24 concorrentes das 12 equipes; a segunda, por oito pilotos nº 1 (dois capotaram por barberagem e dois não agüentaram o pique) e 7 do segundo escalão (cinco carros quebraram); na terceira volta começou a desenhar-se uma grata surpresa, dobradinha da “Ferrados”, atrás do líder Macalé ShoMarketing, aparecia o nosso simplório Burrinchinelo seguido somente por três pilotos dos riquinhos (um foi retirado pela mãe, um foi ajudado pelo pai e desclassificado e os outros três enjoaram da brincadeira e desistiram), Na penúltima volta Roubinho já era o líder disparado seguido, muito atrás, apenas pelo lourinho, piloto nº 1 da sua equipe. A vitória já estava garantida. A torcida, agora quase que toda sua, vibrava.

Eis que, ao fazer uma curva, no lugar mais ermo do circuito, Burrinchinelo foi interceptado abruptamente por uma “Blazer” negra, de onde soltou um louro alto, de fala esquisita, carregada nos “erres”, que lhe propôs dar cem reais para que abandonasse a corrida e deixasse seu filho ganhar. Por alguns segundos Roubinho hesitou, mas a barriga roncou mais alto e com a mesma velocidade que ganhava a corrida arrancou a nota da mão do “alemão” e sumiu morro acima.

Mais tarde, lá no alto da favela, ainda via e ouvia os fogos de artifício que comemoravam a vitória do “inimigo” de equipe e quase se arrependia, mas ao olhar pra dentro do seu barraco e ver a alegria de sua família comendo um suculento bife, convencia-se de que tinha tomado a decisão certa.

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