A DEMAGOGIA QUE MATA
LUÍS MAXIMILIANO TELESCA MOTA
Quando existe na sociedade um anseio, reivindicação ou idéia, mesmo que sejam manifestações respaldadas por boa parte da população, nem sempre estão corretas e de acordo com as reais prioridades desta mesma sociedade. Cabe aos poderes constituídos valorarem a correção e oportunidade da vontade popular.
No momento em que o Poder Judiciário intervém para resguardar o direito de defesa de um autor de crime hediondo, não permitindo o seu linchamento público, assim o faz em homenagem de princípios construídos ao longo de séculos. Da mesma forma, quando o Legislativo, através da constituinte de 1988, não permitiu que fosse implementada a pena de morte, mesmo contra vontade de parcela significativa da sociedade, também o fez em nome de sua legitimidade, valorizando tradição antiga no Brasil e uma tendência mundial, mesmo em tempos de violência exacerbada. Ao Executivo, porque mais próximo da população, essa função de avaliação é exercida com mais freqüência, trazendo resultados mais efetivos.
A adoção de medidas impopulares, ao contrário do que parece, às vezes traz em seu conteúdo, a pretensão real e a longo prazo da sociedade a que se destinam. Caem os índices de popularidade de um governo quando contraria sistematicamente a comunidade a qual representa, perdendo legitimidade ao longo do tempo, pois as medidas impopulares não surtiram o efeito esperado.
Isso é uma face do regime de governo que se denomina democrático.
Quando ocorre o contrário, a adoção de medidas populares que encontram suporte em grande parte da sociedade que vislumbra soluções de caráter imediatista e simplista, mas trazem em sua esteira malefícios, e que, portanto, não correspondem às necessidades realísticas de um povo, as quais se descortinarão mais adiante, mesmo que sob o revestimento impopular, diz-se que o governante está praticando demagogia.
Nas campanhas eleitorais, para captar a vontade popular, os candidatos mentem, vendem sonhos e alimentam ilusões. Infelizmente esse é um defeito da democracia: as pessoas, quanto menos esclarecidas, mais são alvos fáceis da prática demagógica.
O candidato Joaquim Roriz teve como um dos motes mais significativos de sua campanha a crítica contumaz às multas de trânsito propiciadas pela maior fiscalização feita pelo Governo Cristovam Buarque. Seu maior aliado, o então Deputado Distrital Luiz Estevão, foi o autor de diversos projetos, alguns transformados em Lei, que combatiam o sistema de fiscalização eletrônica do trânsito e anistiavam as multas.
O Programa Paz no Trânsito reduziu acidentes e o número de mortos e mutilados nas ruas e estradas do DF, com uma eficiente fiscalização que diminuiu sensivelmente a velocidade dos veículos, através de radares, barreiras eletrônicas e os famosos pardais. Foram reduzidos os atropelamentos, conseguindo-se a proeza do respeito à faixa de pedestres, através de campanhas educativas.
Todos estes benefícios tiveram seu preço, tanto para os motoristas que pagavam multas caras, quanto para o Governo, que era atingido pela crítica severa de grande parte da sociedade, a qual enxergava somente as multas e não observava a crescente pacificação do trânsito, com a poupança de vidas e a conscientização.
Parte da sociedade insatisfeita encontrou amparo nos hoje Governador Joaquim Roriz e Senador Luiz Estevão, que catalisaram a crítica e a transformaram em votos, prometendo a anistia das multas, a revisão do sistema de fiscalização eletrônica e a extinção dos pardais veladamente.
O espetáculo macabro das mortes nas estradas, ruas e avenidas do DF, com o novo Governo, revigorou-se. Os números de acidentes e mortos voltaram a aumentar. A certeza da impunidade, revelada na anistia de multas propiciada pela Lei 1.909/98, alterada pela Lei 2.347/99, que aumentou o leque de anistiados, aliado ao esvaziamento do sistema de fiscalização eletrônica e o desleixo com as faixas de pedestres são os fatores que mais contribuem para o quadro atual.
Segundo números da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, órgão que agora controla a divulgação das estatísticas, na comparação do primeiro semestre de 1998 com o mesmo período de 1999, ocorreu um aumento de 40% das mortes em acidente nas vias urbanas do Distrito Federal e o número de mortos em atropelamentos aumentou em 28%, contrariando uma tendência de queda que vinha ocorrendo desde a implantação do Programa Paz no Trânsito.
Como se pode notar a violência do trânsito não é prioridade para o Governo do DF, que encampou a crítica fácil e inoportuna, abortando a formação de uma nova e sadia mentalidade. É dever de qualquer governo educar seus administrados, advertindo-os quando incorrem em condutas equivocadas, pois possui a legitimidade de quem foi consagrado pelo voto direto. Daí as campanhas educativas que tentam conscientizar a população para o perigo das drogas, da AIDS e, pasmem, do trânsito.
Pratica-se no Distrito Federal o inverso e quando um governo assim procede é ele responsável direto pelos resultados que propicia, devendo mudar de postura, adotando métodos para a resolução dos problemas. Espera-se que a crítica aqui esposada, seja respondida com uma curva descendente.
Com efeito, esperava-se que a promessa de campanha não fosse cumprida e que ficasse somente no plano demagógico não entrando no campo perigoso da irresponsabilidade.
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