As tropas aliadas já se aproximavam da chancelaria e Berlim estava completamente destruída. Consultei o meu diário, 29 de abril de 1945. A terra tremia e o fúnebre redobre da artilharia transformava as ruas em tapetes de corpos e destroços. Minha primeira anotação do dia chamou minha atenção: "Políticos são aqueles que se felicitam acreditando que mentem para fazer o bem às pessoas acostumadas a serem enganadas para o seu próprio mal." Isolados no bunker, não havia mais saída para nós. Estávamos perdidos. Com o ânimo decaído, Adolf não ouvia mais em seu gramofone os hinos e as marchas triunfais de sempre. Preferia as valsas de Chopin, o grande músico tuberculoso, às quais ouvia recostado na cama e com o olhar taciturno voltado para o teto. Após nos casarmos numa cerimônia arranjada às pressas que teve lugar na sala de mapas, Adolf havia se recolhido para redigir o seu testamento, no qual ordenava categoricamente que nossos corpos, após o suicídio, deveriam ser queimados no jardim da chancelaria para evitar que fossem exibidos em museus de cera russos como despojos de guerra. Goebbels, o ubíquo, já providenciara cianureto para todos. Ele,Magda e seus 6 filhos também iriam ingerir o que eu ironicamente chamei de A Solução Final. Ao lado da cabeceira do Führer, sobre a mesinha, uma pistola Walther de 7,65 mm, esperava engatilhada, mas como eu disse anteriormente, na última hora ele optou pelo cianureto. Era o fim da linha para o homem que quase conquistara o mundo com sua filosofia beligerante. Era o ponto final de uma guerra que consumiu milhões de vidas com torturas, suplícios, aflições, desolação e espanto. Era, por fim, o eclipse de tudo para mim também que, mesmo à beira do abismo, me sentia aliviada. Pela primeira vez na vida eu conseguia compreender toda a sabedoria do velho ditado alemão: "Glück in Unglück", literalmente, a sorte na má-sorte.
Às 15h daquele 29 de abril fiz minha última anotação em meu diário: "Creio porque é absurdo." Adolf sentou-se ao meu lado, colocou o retrato de Frederico o Grande em sua mesinha e me passou uma cápsula de cianureto. Às 15h15 minha alma esfumou-se entre a bruma escarlate que tingia os céus da Alemanha. Às 15h30 Adolf deu por encerrado o bárbaro ofício que foi sua vida.
Caronte, o timoneiro do Além, levou-me pela travessia em sua barca do Inferno. Na distância eu podia ouvir os tenebrosos latinos de Cérbero, a cruel fera que mordia as almas condenadas no Inferno. Eu não queria acreditar que aquele seria o meu destino. Até onde ia a minha culpa? Para onde estaria sendo levada? Senti na boca o travo da eternidade a que minha alma estava condenada. Não havia sido o fim então? Um denso nevoeiro tomou conta de tudo e eu já não via mais a silhueta de Caronte. Eu estava sozinha. Olhei para baixo e vi, refletida no pântano, a minha imagem de criança. Uma leve brisa agitou as águas e a minha boca refletida sussurrou: