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Contos-->ENTRE A LOUCURA, O VÔO E A QUEDA -- 29/10/2001 - 16:47 (Adrienne kátia Savazoni Morelato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O rádio toca um ritmo dançante num ar de melancolia. A casa parece vazia e as lâmpadas estão apagadas. É noite e nenhum sinal de gente na moradia. A impressão é de um lugar abandonado aos fantasmas da mente. A rente da casa está toda manchada de folhas e as paredes, quase não as vê. Um labirinto com som ao fundo.
No quintal da casa, Elizabeth, Raquel, Gabriel e Rodrigo deitam de frente ao céu. Todos são neste lugar, Beth, Paquita, Chapéu e Garrafa em círculos de barrigas e olhos fechados. O incenso de jasmim faz esfumaçar os seus corpos e a música, chorar suas almas. Ela grita, mas eles só ouvem as batidas de facadas. Agora fazem uma cruz, parecem rezar só para sis e para a roda. Beth se descontrola, levanta sua cabeleira de um lado ao outro e chama pela sua mãe. Paquita também e pula em cima de sua amiga dando bofetadas em seu rosto:
__Eu já te falei para não acreditar! Eu já te falei menina boba!
Garrafa tenta acudir Beth, mas essa só pede pela mãe, enquanto Paquita arranha seu braço. Chapéu continua se abraçando em seu mundo. Garrafa perde a paciência e beija Paquita. Beth continua pedindo pela mãe quando vê Chapéu perdido dentro de si mesmo, e pensa ser ela, e se arrasta para junto de seu abdômen. Finalmente a encontrou. Paquita e Garrafa só olhavam um ao outro. Enquanto isso, Maria escrevia em seu quarto. Com uma garrafa de vinho, esperava a morte, mas só chegou o sono. Sonolenta, escutava os trovões e sentia ser seu coração. Não via o medo e até desejava-o como algo novo. Ali, todos tinham a impressão de que, a busca pelo conhecimento, os tornava eternos insatisfeitos e infelizes. A saída, o único alívio era a loucura ou o limite entre ela e a razão. Solitários faziam companhia, mas não sabiam para quem. Iniciava a chuva uma longa noite pesada. Nus e molhados de dois em dois e um não enxergavam a vergonha. O ser humano era um ponto frágil e desprotegido em meio à natureza e ao universo. O medo das perguntas sem respostas ou da busca de tentar respondê-las os encobria. Fazer o quê, agir como? O conhecimento travava e a forma de quebrar a inércia era, a fuga desse mundo cada dia mais sem graça.
A fragilidade descoberta pedia a presença da mãe, deixava o ser enclausurado e também agressivo. O ato sexual era a única coisa que sobrava um pouco de magia, embora, todavia, já perdera o sentido e devagar se tornava algo puramente animal. Fazer sexo por fazer, brigar sem saber porquê, vendar os olhos ou acordar de manhã assustados com a sensação de que tudo é contra a felicidade simples e espontânea. Nada adiantava nada e os erros de milhares de anos pesavam horrivelmente nos ombros. Concertar parecia impossível, quebrar o que estivesse na frente era um enorme impulso que saltava de dentro.
Amanhecia, volta a normalidade, ao cotidiano prisioneiro de almas, aos livros contadores de segredos monstruosos da vida. Levantar sete horas e em fila, esperar na porta do banheiro cada um cumprir seu ritual, tomar o café da manhã juntos, contudo, cada um com seu leite, com sua margarina, com seu pão. Um oferecia ao outro, mas no fim todos se alimentavam de seus. E escondidos, se alimentavam dos outros. Às vezes, um não tinha o que comer de manhã e dependesse quem fosse, ou pedia, ou esperava o almoço no restaurante universitário. A noção de que, se não fosse aqueles dois programas, moradia e bolsa auxílio não estudariam na faculdade, os incomodavam e pedia para eles lutarem, porém, não sabiam como, já que, tudo parecia entregue a ditadura dos que governam e a passividade do povo. O destino, Deus, e as drogas pareciam salvá-los. Deus existia? Com tantas injustiças, tantos desmazelos, tantos desencontros, ele existe?
Haveria dois mundos, o mundo da certeza, do concreto, do palpável, mas superficial e um outro profundo, estranho, abstrato e misterioso. A verdadeira caminhada seria ao encontro desse mundo desconhecido. Como se a realidade fosse feita de vários planos de acordo com uma verdade. E qual seria a verdade verdadeira? Qual seria a maior certeza? Quando cada um tinha um sonho, uma expectativa e uma história? E todos reunidos ali, na moradia. Cada qual chegava com um pensamento e saía com outro. Chapéu queria ser um grande filosofo. Beth, uma antropóloga. Garrafa no fundo queria encontrar uma boa mulher amorosa para terem uma porção de filhos. Maria uma escritora. E Paquita andava um pouco perdida, pois queria tanta coisa! Abraçar o mundo, contudo, sem orientação acaba esmagada.
Percebera não haver ninguém em casa, esbravejou sua vontade louca de tirar a roupa e dançar e dançar. Estava finalmente livre, poderia enlouquecer sem nenhuma restrição. Era um pássaro a voar nua pela cozinha. Não faltou a música e a bebida. Alguns calmantes dariam um efeito arrasador. Um pouco de sono, de alucinação. Chega o pessoal. Maria corre para o seu quarto com uma faca na mão. A caneta e o papel próximos esperavam seu último poema. Da janela ouve brigas, beijos e choro. Nada a assusta. Lentamente a faca lhe atravessa anestesiada. Mesmo assim, grita. O pessoal, em roda meditando às estrelas, escuta, mas, não se levanta. Beth com sua mãe Chapéu e Paquita com seu amor de momento, Garrafa. Sem esperar, chega uma chuva. Os quatros correm para dentro encharcados e se depara com Maria agonizando em sangue e baba. Uma ambulância é chamada. O êxtase aumenta e a meditação entra numa nova etapa. Apesar de partirem com ela ao hospital, por dentro até desejavam que Maria morresse. Assim, ela seria um pássaro livre. E essa probabilidade, a de morrer Maria, fazia os invejá-la.
Não tem ninguém na moradia. A frente está manchada de folhas. Parece um labirinto com som ao fundo. A casa está entregue aos fantasmas da mente, menos o de Maria, as luzes estão apagadas e tudo parece um grande vazio com um restinho de perfume de jasmim. E o rádio num ar de melancolia, toca um ritmo dançante.
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