Às dez da noite, Ramayana chegou numa brasília amarela, dirigida por Leonardo. O motorista tinha cara redonda e bigode de gato siamês. Pôs um olhar sensual na corcova de camelo que Talita Ravenala exibia no lugar das nádegas.
—Entre, minha deusa!...
Seus olhos eram apenas seus olhos e os dentes, ela não os mostrou. Não sorriu para ele, disse apenas, e secamente: ‘Boa-noite.’
Apreensiva, percebeu vermelhidão nos olhos de Ramayana e nenhum decoro nas vestes. No lugar de roupa, tinha um toco de blusa e uma saia muito curta, que revelavam suas carnes vermelhas, como camarão-de-sete- barbas.
—Está quase chegando.
Gelou assustada com a visão que teve de mulheres tatuadas, seminuas fervilhando nas calçadas e portas de bares da Vila Mimosa. ‘Paga só dez reais por um beijo. O serviço completo na cama é vinte.’ Os sete pecados capitais tremeram. Leonardo mordeu os freios, como se fosse acorrentar Ésquilo.
Ravenala gritou:
— Pelas sete chagas de Jesus, não pare!
—Pare! — disse Ramayana.
Lentamente o carro seguia, desviando-se de transeuntes. Os ferros da lataria espremiam-se e se estreitavam como se fossem massa de modelar, esgueirando-se entre as barracas, que ocupavam parte da rua. Na calçada dadireita, uma prostituta tirou a parte de cima e balançou os seios para Leonardo...'Vamos fazer amor, meu bem?...’ Distraído, o motorista atropelou um bêbado que atravessava a rua. Duas samaritanas arrastaram o corpo para a calçada, como quem puxa pela perna um porco morto. Uma delas meneou a cabeça: ‘Este aqui, amanhã tá fedendo!’
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