EM CASA DE VOVÓ
Hoje de manhã, passando diante da casa que foi de vovó, encontrei-a aberta, com homens retocando a pintura. Entrei, já sabendo que embora vazia, lá dentro eu “veria” muita gente. E não deu outra.
Foi como se o tempo não tivesse passado e o futuro - ora presente - nada houvesse modificado. Aos meus olhos, tudo estava no mesmo lugar: a mesa comprida no salão, o sofazinho de palha, a cristaleira imponente, as cadeiras de balanço. Até mesmo o piano em seu canto, agora sem encanto.
Vovó, de saia preta e blusa branca, andava de um lado para o outro. Carregando o bule de chá, ou, de tesoura à mão, mexia nas flores... Perguntou quem estava ali, se era a neta do vestido surita... Eu mesma, quase respondi.
De repente crianças barulhentas passaram correndo, direto pro quintal.Tia Maia saiu do quarto e atendeu o telefone de bocão, pendurado no paredão. Depois chamou Nhô Zé, pra levar a cesta de jabuticabas pras Sacramentinas. E lá foi ele, vagaroso, arrastando o pé.
Rangendo, o pára-vento se abriu e um cheiro de charuto invadiu o ar. Era papai, de terno, gravata e suspensório... No quarto do santo, tomou a bênção da mãe, diante do oratório.
Olhei outra vez: tudo vazio - salas, quartos, alcovas... e ao mesmo tempo, exatamente como era.
Tudo quieto... e, só aos meus ouvidos, cheio de vozes...
Até as polonaises de Chopin, que vovó tocava tão bem, me acompanharam neste passeio matinal, solitário, imaginário.
Beatriz Cruz |