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Artigos-->Calçada Portuguesa -- 21/11/2003 - 22:34 (Luísa Ribeiro Pontes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Calçada Portuguesa





Volto a perguntar, mais para me convencer que ainda vale a pena esperar de nós um novo rasgo de heroísmo, que pela resposta em si: que há de novo na arte de ser português? Como somos hoje depois de termos sido os corajosos timoneiros do sonho? Descobrimos e demos novas terras e povos e raças ao mundo e fomos uma massa de força e inovação nos caminhos que, antes que outros, trilhámos. Somos pioneiros no desbravar, no levantar mapas, pedras, terras, tesouros, mas nunca o fomos na suprema sabedoria de arrecadar para semear mais.

E se fomos os mais bravos no mar e na teimosia do querer, somos hoje no cabo das comunidades internacionais os menos temerários, os mais desprezíveis na arte de tudo aceitar como migalhas do banquete da Europa. E cá dentro continuamos no fundo tão arruaceiros e incondescendentes como marinheiros em terra, ébrios de vinho e de mulheres e de luxo, uma vida nivelada pelo prumo da american life, a todo o custo. Mas, porque o nosso sangue é mourisco, é celta, é ibérico, é genuíno, continuamos a desejar ardentemente quebrar as amarras do destino e espalhar por novos portos o nosso fado, o nosso saber, a nossa arte, o nosso sentir, o orgulho de um povo que quer acreditar no devir. Em suma, sobressair. Por isso protestamos continuamente, porque protestar é a nossa forma de exprimir um desejo e afirmar uma individualiade. Nada mais. E exprimindo-o sabemos que o nosso protesto limpa a nossa consciência de sonhadores e homens do mar, inventores de astrolábios e outros objectos de orientação. E nada mais fazemos. Reconhecemos que é tarde para voltarmos a escrever novas páginas de história, tanto mais que passámos abruptamente à condição de pacificados e mal tivemos tempo de aprender a ser pacificadores. E os que antes colonizámos, vieram agora ter connosco, em busca do el dorado em que aparentemente navegamos. São os nossos recursos baratos, os homens que vieram erguer o sonho dos poderosos, e devolver sem juros a arte do desenrascanço que lhes ensinámos e aparentemente esquecemos. Quantos milhões de portugueses vivem na mais absoluta opulência? Quantos milhões abaixo da média admissível pela lógica massificadora da europa? Como poderemos continuar nesta insólita situação de retorno, nós os sem recurso, nós os sem economia, nós os desenrascados, nós os sem orgulho, sem política, sem campos semeados a perder de vista, sem uma visão sobre o futuro, mas ainda assim recebendo doses massivas de pessoas à procura de esperança... E de facto a esperança nunca se esgota. Sabemos tÊ-la e partilhá-la. Dá-se um jeitinho na nossa mesa e onde comem cinco come mais um. Acreditamos que Deus só dá nozes a quem não tem dentes e prosseguimos na política da avestruz, metendo o mais fundo possível a cabeça na areia e acreditando que em Democracia tudo se resolve sempre pelo melhor. Mas não basta crer. Por isso, sem mais saber que fazer, protestamos. Protestamos por tudo e nada e optámos por ser do contra. Desconfiamos indiscriminadamente das instituições e dos governantes, mas deixamo-nos ficar isoladamente sentados numa pedra a protestar pelo caminho. Sabemos que não nos satisfaz o rumo, mas não nos ocorre lançar ao mar as caravelas da mudança. Somos assim como as pedras que um calceteiro alinha no chão para formar uma calçada portuguesa. Iguais e diferentes, umas mais angulosas que outras, incontroversas na sua imperfeição de pedras, mas no final, todas alinhadas à força da marreta, cravadas nos seus respectivos lugares, imóveis, irregulares na sua individualidade, formando uma magnífica calçada portuguesa enquanto a nossa capacidade de expressão e criatividade se vai ficando pela mera observação do desespero individual contido num rotineiro telejornal ou nas efémeras páginas de um jornal.

Engana-se, porém quem pensa que as minhas palavras encerram Adamastores de dúvida e derrotas de Acácer-Quibir... Não. É que, curiosamente a história repete momentos e lugares e vem muitas vezes em nosso auxílio, quando a inventividade nos falha. É sabido que já existiram na Antiguidade praças públicas onde o protesto tomava a forma de oratória e exortação da acção. Eram fóruns de discussão onde se moldava o barro do pensamento em forma de participação activa na vida de um povo ou de uma cidade. Milénios depois, começámos a organizar-nos alietoriamente em comunidades ditas virtuais, mas que são na verdade mais reais que as que se organizam à clara luz do dia, e interagem cara a cara. Chamámos-lhes fóruns. Serão mais reais porquê? A perversão é possível, a franqueza, o jogo, o descomprometido protesto, o depoimento a coberto do anonimato, a livre expressão sem complexos. São no entanto mais cruéis, porque, retomando a metáfora da calçada portuguesa, é notório que aqui as pedras não se adaptam tão eficazmente, porque o calceteiro, que até acabou de fazer um curso de formação profissional, daqueles finaciados pelo Fundo Europeu, não divisa todas as pedras, nem detem das mesmas uma visão de conjunto, sequer de cada uma, e assim malha a eito, visando e atingindo quem não vê, não conhece, nem tem condições de conhecer. Um fórum pode tornar-se uma espécie de obra sem traçado, um piso pleno de irregularidades e sublevações, onde muitas pedras nunca ganharão assento, sobretudo as que se empurram entre si, ganham vida para além da sua e disparam palavras dirigidas, protestos sem rosto, opiniões avulso, eivadas de uma vidência intra-uterina. Tal forma de manifestar o tão português desejo de protagonismo, peca por moldar em primeira instância o traçado da pedra em si, os seus contornos e ângulos obtusos, numa perversão típica dos efeitos pretendidos. O protesto, quando toma a forma de acusação gratuita, isolada, sem o talho do sonho, ou a feição da mudança, toma a forma de uma fragilidade. Os portugueses, porque já deixaram de acreditar no futuro, são agora mestres na acusação contra pessoas, na tecitura de intrigas, conluios, nunca contra instituições, nunca contra políticas, regimes, nunca dando o rosto, nunca agindo coerentemente para além do desespero, mas firmando gratuitamente o seu protesto nas aparentes fraquezas dos outros. Não sei se haverá heroísmo nesta forma de consciência crítica, sobretudo quando feito a coberto de um anonimato a toda a prova, tal o que os espaços virtuais permitem. Porque na verdade, aqui vive-se do efémero, e poucos buscam outras formas de heroísmo, mais do que a realização ínfima de um acto de escrita, uma troca de palavras, um mero espaço de riso ou de afirmação. Inversamente proporcional à alienção da televisão ou à miragem do consumismo, a escrita nestes espaços é uma forma corajosa de esmiuçar a consciência, dar forma precisa e talhada pelo pensamento ao protesto que nasce na garganta, esse grito que quer sair e foi abafado por séculos de história que não pudemos escrever. Seria, talvez, credulidade infantil alguém esperar fazer desta "polis" sem regras, a tela de sonhos, crenças, uma pueril expressão de sentimentos, a corajosa expressão de opiniões e querenças, um reverso da consciência em protesto dirigido, regimentado contra o cinismo e o marasmo das pedras que ficaram fora da calçada e esperar que não nos apontassem o dedo por alienação ou falta de incumprimento das tarefas que pautam a nossa subsistência de pessoas socialmente activas.Eu penso que precisamente essa desconfiança que recai sobre quem resiste e se mostra desperto, activo, interventivo, consciente, puro na sua capacidade de acreditar, é a prova provada de que a sua escrita é uma espécie de heroísmo sem pretenções, apenas a capacidade de acreditar que não há mares a mais, nem rotas de fatalismo, nem impedimentos geográficos a que a nossa vida seja a de cidadão do mundo, um saber português feito de incertezas, incongruências, mas seguro dos rumos possíveis na sua rota de pedreiro -livre e livre pensador.















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