"Orca: a baleia assassina" era o filme programado para a Sessão Coruja daquele domingo. "Hora de menininha bonitinha estar na cama, não é mesmo Dona Elenira?"
Era Goretti, a mãe, a dizer que "amanhã cedo, na hora de levantar, minh alma era triste".
Mas quem diz de Dona Elenira querer sair do sofá?!Não houve jeito. Ia ver o filme comigo, que ali me achava de visita. Não tem truque melhor do que esse. A mãe não ia poder, não ia saber dizer que não.
E o filme correndo, e a chatice de sempre comendo solta. Conversa não vai, conversa não vem, aquela mesma histeria amplificada a um grau de insuportabilidade exasperante pela voz idem dos dubladores, os de sempre.
Deitada no sofá, Elenira permanecia de costas para o aparelho. Parecia estar dormindo até. Mas eis que de repente desvirava, e se ligava no filme. Uma, duas, três, quatro vezes. E aquilo me intrigando. Até que resolvi perguntar: "Mas por que você não assiste o filme inteiro?" Respondeu que só queria olhar quando tivesse perigo. "Mas como você faz para saber quando tem perigo?" E ela, com profundo conhecimento de causa, espantoso para uma menininha de cinco anos:
"É fácil. Eles põem uma musiquinha."
Fiquei pensando comigo se ainda teria alguma validade, afinal, aquela coisa do "efeito de distanciamento". Conjeturei que as menininhas de hoje em dia talvez já nasçam com essas noções implícitas no aprendizado que fazem do mundo. Ou embutidas no código genético, sei lá...
Quando dei por mim, ou melhor, no momento em que acordei, Elenira estava ligada no final do filme. Aquela musicona num crescendo impossível. Foi o que me fez despertar. E o comentário dela veio certeiro: "Aprendeu, hein Tio?" |