Os olhos de Mestre Egídio
são azuis como o caderno
azul que leva na pasta,
no qual escreve seus versos.
Quatro cadernos trazia,
aquele azul, o vermelho,
também o branco, da paz,
e outro caderno amarelo.
Os quatro de capa dura,
de capa dura seus versos.
As barbas de Mestre Egídio
não são as barbas dum velho,
são as barbas de quem vive
diversas vidas num tempo.
Vida de ourives poeta,
e dos sonhos garimpeiro,
vida de quem faz espadas
de samurai, e guerreiro,
de combatente de amor
e cantador de mistérios.
Tantas vidas vive o Mestre,
e de modo tão intenso
que nem todas as palavras
podem dar conta do reto.
Por isso é que precisava
contar causos com silêncios
enquanto muitas palavras
- nomes, pronomes e verbos -
atropelam-se nas portas
para ver quem sai primeiro.
Suas histórias não se escrevem,
se esparramam pelo vento,
são sementes que o acaso
deposita em seus cadernos.
Ai, Maria Aparecida,
mulher de gloriosos feitos,
não raspavas teus bigodes
pois sabias que eram belos
para um certo Lamparina,
teu marido cangaceiro!
Seu amigo é Zé Limeira,
mesmo morto, aquele negro,
que hoje anda cantando coplas
indo dos céus pros infernos.
Quando canta seus absurdos
assim se queixa São Pedro:
"Limeira, vé se te manca,
tu já conheceu Ionesco?"
Limeira, sem saber nada,
faz um cordel pro romeno.
Me fala de Daniel Fiúza,
poeta paulista e honesto,
e de Guido Carlos Piva,
e também dos desafetos.
Não tem rancor de ninguém
mas na língua não tem pelos.
Quem brigar com Mestre Egídio
afie as facas, que é sério
e esteja pronto pro abraço,
pois na paz vai ser sincero.
"Esta é Ana, minha musa"
(Minha mulher lhe apresento)
e ele me fala da sua:
"... por quem sinto amor imenso.
Ela me deu cinco filhos
do total de dez que tenho
e também, por extensão,
as duas dúzias de netos.
Veja a foto, não envelhece,
veja, Mario, seus cabelos!"
E, assim, passamos a tarde
como dois amigos velhos,
que não se importam que passe
entre os encontros, o tempo.
Falamos, também de Lope
de Vega e de Martín Fierro
e, na estação rodoviária
"Até Belém", prometemos.
Foi em Campinas, São Paulo,
um 26 de dezembro.
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