Eram dois Joãos, dois coveiros desventurados, dois negros miseráveis. Um “morava” numa casa totalmente feita de lona preta, localizada na invasão Elo Perdido (uma das muitas chagas sócio-econômicas da área metropolitana de Belém); o outro “residia”, de favor, na casa de sua sogra, situada no bairro da Terra Firme. Ambos trabalhavam no cemitério Santa Isabel, o maior da capital paraense.
O João do Elo Perdido tinha três filhas e dois filhos, dos quais um casal proveniente de uma união anterior. Os filhos vendiam bombons nos ônibus e esmolavam, a mulher trabalhava como empregada doméstica, ganhava sacrificados R$ 100 ao mês.
O João da Terra Firme tinha quatro filhos e três filhas: um filho morto em briga de gangue, um preso por assalto a mão armada, uma trabalhando nas noites da Praça da República, os outros, ainda pequenos, mendigavam; a mulher conseguia ganhar entre R$ 40 e R$ 65 mensais lavando roupa para fora.
Cada João ganhava R$ 50 para enterrar muitos desconhecidos a cada mês.
— Tô cansado dessa vida — retrucou João ao seu homônimo enquanto am-bos cavavam.
E pazada e suor e desalento.
— Num é só tu, mas num baixa a cabeça não, João, qui esses buracos aqui tão só esperando nós.
E pazada e calos e tristeza.
— Meu Deus, nós ganha menos qui um lixero!
— É. O lixero estudô mais qui nós, qui num sabemu nem lê nem escrevê.
E continuam cavando os tristes tições...
— Égua, João, acho qui tivi uma idéia! — gritou entusiasmado um dos Joãos.
— Porra, tu qué mi matar?! — replica zangado João, parando de cavar.
— Num quero, não!
— Tá bom. Fala então essa tua idéia.
— Quié qui tu acha di nós ganhá uma ponta? Aumentá nosso dinheru?
— Ora, quié qui eu acho! Só posso acha bom; mas... como?
— Vamu vender churrasquinho di carne eu i mais tu i mais as muié, cada um num lugar.
— Mas como qui vai sê isso? Carne é cara, nós num ía tê um retorno bom.
— Não, não... Nós vai tê sim um bom lucro, muito lucro!
— Mas como, homem, explica!
— Quem ti falo qui nós vai precisá comprar carne?
[ N. do A.: Por favor, mandem-me elogios, escrachações ou quaisquer outros comentários. Façamos a Usina de Letras, com esse tipo de intercâmbio permanente, exteriorizar suas potencialidades. Engendrando cada vez mais tal dinamismo, todos só temos a ganhar. Essa é a minha profunda vontade, ajudem-me a realizá-la!!! Um grande abraço]