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Cronicas-->5. AS BEM-AVENTURANÇAS -- 13/07/2001 - 07:11 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Quando recebemos boas novas, somos obrigados a nos lembrar do Senhor e dos tempos de sofrimento. Do Pai nos lembramos porque nos sentimos na obrigação de agradecer, e dos tempos de vicissitudes, para o natural cotejo das condições superiores adquiridas.

Não é verdade que nos sentimos bem-aventurados, como se este torrão de provações e de dores se tivesse transformado em paraíso de felicidades?

Pois, então?! Que tal meditar profundamente a respeito de dizeres tão simples e predispor-se ao contínuo agradecimento, uma vez que, mesmo sob intenso domínio da dor, devemos acender as esperanças de superação das crises, pois Deus é pai de absoluta misericórdia e tem reservadas para nós todas as bem-aventuranças?!

Se estivéssemos escrevendo simples roteiro para evangelização, acreditamos que teríamos terminado, pois fizemos a descrição da realidade e anotamos a parte psicológica do comportamento, no endereçamento dos leitores ao cumprimento das determinações cristãs. Entretanto, como devemos trazer testemunho particular, resta-nos contar nosso caso de desventuras, já que ninguém irá acreditar se dissermos que tudo o que fizemos na vida e, mesmo, depois dela, tenha sido rigorosamente decalcado nas observações que delineamos acima.

Verdadeiramente, quando trazemos o depoimento, quase sempre desenvolvemos comentários paralelos, exatamente aqueles que deveríamos ter seguido, mas que burlamos ou até fizemos questão de ignorar.

Assim, devo dizer que o principal problema de minha existência consistiu em não ter jamais atinado com os momentos de intensa felicidade, atribuindo aos dotes de argúcia e tirocínio, tudo o que conseguia de bom.

Fui materialista convicto. Diria: - Graças a Deus! -, se não fosse tão batido o chavão. Mas a verdade é que me opunha com tanta veemência à idéia da existência de Deus, que acho que pensava muito mais nele que qualquer outra criatura de forte religiosidade.

Vamos aos fatos.

Aos vinte e dois anos de idade, contraí matrimónio, tendo-me recusado, terminantemente, a ajoelhar-me diante do altar, qualquer fosse a religião da consorte. De resto, ela também tinha fortes propensões para desprestigiar a crença dos familiares, tanto desprezo haviam demonstrado para comigo.

Ao nascerem os filhos, não permiti que nenhuma avó ou parente os levassem para a pia batismal, embora eu mesmo houvesse recebido os sacramentos do batismo e do crisma.

Bem pensando, essa condição, que independeu de minha vontade, parecia dar-me certa segurança em relação ao sobrenatural, como se tivesse realizado seguro, cuja apólice poderia fazer valer, se necessário. Mas tal sentimento não se declarou totalmente, de modo que não me importei se os descendentes viessem a se sentir menos seguros religiosamente.

Com o passar dos anos, contudo, os velhos conceitos de que se deixara impregnar desde criança começaram a despertar na esposa a vontade de retornar ao seio da Igreja Católica, talvez pela necessidade de reatamento dos laços familiares, muito mais poderosos do que imaginava eu, em minha filosofia exclusivista.

Não é fato que quem é materialista não consegue reunir-se em confrarias, a não ser para pequenas badernas? Pois foi assim que fiz desencadear o desejo de retorno da esposa, tendo sido surpreendido em adultério.

A filosofia redundara em desilusão moral, favorecendo a deslealdade, a traição e até pequenas contravenções penais, uma vez que não havia penalidade, a justificar a concepção da existência dos crimes. Tudo passara a ser mero mecanismo natural, para garantia da sobrevivência, o que incluía o prazer e a necessidade de fuga à dor.

Quando minha mulher partiu, levando as crianças, não fiquei muito triste, embora certa mágoa me calasse fundo no coração, pois senti-me diminuído na ascendência de macho e preceptor da família. Enfim, parti para outras aventuras, gozando o mais que pude o sentido primitivo da liberdade de que me supunha detentor.

Como jamais adoeci nem vi grandes problemas nas moléstias infantis dos filhos, nunca tive momentos de sofrimentos físicos. Desse modo, o quadro de felicidade deveria estar completo: nada me doía sentimental ou intelectualmente. Deveria considerar-me no paraíso, tanta deveria ser a felicidade.

Mas vivia casmurro, cada vez mais introvertido, desejando entender todos os fatos filosoficamente, segundo a postura do idealismo dialético fundamentado nas necessidades e nas satisfações. Como não obtinha respostas para tudo, comecei a colocar obstáculos à capacidade de compreensão, não demorando muito para perceber que não existe a possibilidade de domínio integral de tudo, pela aplicação da inteligência.

O que fez compenetrar-me dessa verdade foi o fato de não ter conseguido resolver certos problemas simples de matemática, cálculos que me pareciam fundamentais para entender a formulação das leis que regem o cosmos.

Enfim, cheguei à conclusão de que os homens dependem uns dos outros, pois vivem em sociedade, enquanto eu havia feito debandar o grupo mais próximo, ou seja, a família.

Desespero maior se deu quando soube que a ex-esposa se havia ajeitado com outro homem, para poder dar conta das despesas, tendo-o feito de modo religiosamente aceitável, pois se casou abençoada ao pé do altar, por sacerdote plenamente investido de suas atribuições e cercada pela aprovação dos familiares. Dava aos filhos um pai verdadeiro aos olhos de Deus.

Não queria esmiuçar tanto a vida, mas não encontrei outro jeito de dizer que deveria, à luz dos conhecimentos evangélicos que possuo agora, ter ficado perenemente em estado de graça perante a vida, na mais profunda felicidade, eternamente grato ao Senhor, pois tudo recebi e de nada dei conta.

Foi assim que me deixei abater moralmente, não me restabelecendo mais até o dia da morte. Eu, que tudo tivera, tudo perdi, inclusive a arrogància materialista, embora não me tivesse deixado contaminar por nenhuma idéia religiosa, tão acre acabei tornando-me.

É interessante saber que, nesse período final da vida, incessantemente, conversava com o Deus inexistente, para acusá-lo exatamente de estar em débito para comigo, justamente por não existir. Estava louco? É pouco provável. O que sentia era a profunda frustração por nada ter conseguido pelas próprias forças.

A compreensão de que perdera a caminhada só me chegou depois de algum tempo no Umbral. Mas esta história vou ter de deixar para outra hora, pois não me convenci plenamente de que por lá deveria ter andado por tanto tempo, quando os meus reais crimes acabaram sendo sanados pela dedicação da esposa e do pai de empréstimo que arranjou para os nossos filhos.

Peço que leiam o texto com atenção, para extraírem algumas lições de vida. Nesse momento, desejo estar presente para poder aproveitar-me das reflexões, uma vez que estou extremamente curioso para saber como é que minha experiência irá registrar-se em outras mentalidades.

Rezem por mim, que eu, de há muito, venho rezando pela humanidade. Eis que estou reavendo um pouco das bem-aventuranças perdidas.

Humberto.

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