Lembra Rosso .
Um dia desses o sol ia se escondendo por detrás dos prédios , caminhávamos conversando sobre besteiras , futilidades úteis como você sempre diz , andávamos despreocupados , pelo menos eu , por essas ruas estranhas de Mogi , falávamos de tudo , arquitetura , história regional , fazíamos conjecturas , inventávamos histórias pitorescas de traição , de como um amante se comportaria com a chegada repentina do marido , e não me lembro como fomos chegar a este assunto , como acabei por lhe perguntar como era tecer uma tela , pintar um quadro , e você com toda essa tua maneira simples de ser disse apenas que era como tirar uma foto , pra você que vive entre as tintas pode ser tão fácil como tirar uma foto , mas para nos não , e veja só eu a divagar novamente . Começamos então a discutir como as pessoas viam um quadro e eu na minha maneira ignorante de sempre lhe perguntei qual era o misterio de uma tela , e você naquele instante parou de caminhar baixou a cabeça fez uma longa pausa e disse :
- Os olhos , o misterio esta nos olhos . Se o poeta é um fingidor , o pintor é um tapeador , faz lá luz e sombra e só isso , apenas isso ...
E eu não entendendo nada do que dizia tentei argumentar . Como pode um pintor em luz e sombra tapear , como , perguntava , na minha ignorància , perguntava como pode ?
Aí você nesse seu jeito maluco , nessa sua eloquência verbal e corporal , mais corporal , teatral , disse :
- Os olhos , Abílio , nos olhos . O artista só faz sugestões em luz e sombra , quando a representar uma face , só faz sugestão , e nos olhos de quem vê a tela se faz o resto , liga os pontos , e o rosto , a face explode nos olhos dele em luz e sombra , todos os quadros são assim , sem os olhos do espectador o quadro é nada , apenas borrões , manchas de tinta . Há uma ação conjunta entre quem vê e o quadro , dependendo da distancia , dependendo das cores , você sabe que cada um vê uma cor de um jeito , que verde é verde , mas para você pode ser que o verde que eu vejo seja diferente do que vê , é diferente , coisa pouca , no tom .
E seguimos discutindo até você me mostrar uma coisa que mudou minha maneira de ver as coisas , me mostrou a explosão . Você do seu jeito maluco disse para mim tapar os olhos com a mão , mas antes mandou eu mirar qualquer coisa e que quando levantasse a mão dos olhos tivesse ainda em mira o objeto , tapei os olhos e depois de alguns segundos tirei a mão dos olhos e vi , demorou mais vi , não foi na primeira , demorou , mas vi a explosão que tanto falava , em fração de segundo , é rápido , mas é maravilhoso e quase não se percebe .
Naquele dia fiquei a pensar nessa explosão que vemos toda vez que abrimos os olhos , são segundos quase , senão imperceptíveis , e maravilhosos , fiquei a pensar em quanta coisa a gente perde , por ser rápido , por ser quase invisível , insignificante e de tão grande valor . E inda depois de por assim dizer , você ter me aberto os olhos , tento ver as coisa como são , tento vê-las sem aqueles olhos do cotidiano , aqueles olhos viciados que tudo já viram e que a tudo estão acostumados , tento ver as coisas como se fosse a primeira vez , como se nunca antes tivesse visto .
Até a próxima .
Grande abraço .
Abílio Maria de Assis
|
