Falava com um amigo, mais velho e experiente, sobre a dificuldade das pessoas encontrarem um parceiro. Não vou entrar no mérito de ser bom ou ruim ficar só, cada um sabe o que é melhor para si, porém acreditamos, os dois, naquela oportunidade, que muitas pessoas estão desacompanhadas e, por isso, infelizes.
Discorrendo sobre o assunto, disse meu amigo que alguns paradigmas sociais são construídos por inimigos e aceitos por nós. Entende ele que aquilo que o senso comum acredita ser o ideal para uma relação somente pode ter sido criado por um opositor, pois irreal, desumano (não humano) e perigoso.
Deixa explicar: recebemos, por exemplo, informação de que existe, e procuramos, par perfeito, cara metade; quando, na real, vivemos “caçando” algo inexistente, ilusório. Não existe cara metade, somos inteiros e completos; não há nada a ser complementado. Nada falta em mim nem em ti, somos integrais e temos a dar não a complementar. Esquecemos, enfim, que estamos prontos para encarar, sós, as transformações que a vida proporciona.
Assim, procuramos desesperadamente, propalando mil facetas que nem nossas são, alguém que nos complete. Pessoa que acreditamos possua a peça chave para a solução do quebra-cabeça existencial que se tornou nossa vida. Não a encontramos, por óbvio, e as outras tantas que nos deparamos passam. Seguem também procurando a bengala paradigmal: a cara metade que uma vez vislumbraram em nós.
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Dizer que uma relação é para sempre, entende ele, também é obra de um inimigo. Não preciso reafirmar que nunca dificilmente é nunca e que sempre na maioria das vezes não é sempre. Essa construção falaciosa de que uma relação é para sempre a corrompe desde seu broto inicial. Não se curte o presente de forma integral se pretendermos perdurá-lo ao eterno. Ao contrário, vivê-lo com a impressão de seu término com o próximo nascer de sol dá-lhe intensidade.
Por vezes, ainda, a perspectiva do pra sempre nos legitima a descartar qualquer oportunidade que não se apresente, mesmo a primeira vista, como algo contínuo. Quantas vezes, agora lembro, desisti de pessoas me consolando: - não vale a pena. Hoje noto que, em alguns casos, o falso paradigma "pra sempre" influenciou minha decisão.
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Concluímos, ao tempo que acabávamos o jantar, que estes inimigos nos habitam e se manifestam todas as vezes que nos sentimos pequenos, menorizados em relação aos dissabores cotidianos. Manifestam-se, os seres hostis, quando enfraquecida está nossa estima pessoal. Isso os alimenta e os torna fortes.
Eles distorcem a realidade e criam ilusões. Verdadeiras ilusões que se tornam paradigmas de comportamentos. Caímos nessa e procuramos viver de fábula, a acreditar que nosso companheiro definitivamente não vai se parecer conosco, pois também é um universo desconhecido – por ele quanto mais por nós – imprevisível e capaz de coisas inimagináveis, que sequer suportaríamos suspeitar.
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