A linha do horizonte começou a escurecer, prenúncio da chegada do ¨sudoeste ¨, vento forte que bate de frente na Praia da Pitória. Bastou a observação e os primeiros sopros chegaram de mansinho como quem não quer nada ... Inicialmente fraco e num crescendo, até se tornar ventania das grandes. As árvores vergavam a sua passagem. As cazuarinas assobiavam como que a provocá-lo.
A Lagoa de Araruama encarneirada espumava de raiva atirando a sua espuma na praia qual floco de neve e revolvendo o seu fundo. A água salgada já era suja.
Aves aquáticas aproveitavam o vento para planar suavemente e de quando em vez, recolhendo as asas e, qual bólidos, mergulhavam em alvos certeiros...
Já dava para se sentir o respingo salgado a engordurar o rosto e a endurecer os cabelos.
No mês de maio as tainhas que adentraram a lagoa recém nascidas, se encontravam ovadas e prontas para ganhar o mar e exercer o milagre de multiplicação. O sudoeste alvoroçou o cardume gigantesco que procurava o caminho para seu destino.
Crime ecológico vem se processando há anos nesta região com a pesca predatória da tainha ovada. A exemplo da pesca do salmão no hemisfério norte, a Secretaria de Agricultura deveria estudar o assunto para beneficiar os pescadores da região e evitar tal crime contra a natureza.
Os ganchos montados em toda a lagoa estavam preparados para receber as tainhas em corrida desenfreada. Não sabendo desviar dos obstáculos, saltavam para o gancho (rede) qual pipoca em panela com óleo quente. A quantidade de peixe era tal que os ganchos se enchiam rapidamente e os pescadores com a preocupação de aliviá-los para que não viessem a desmoronar com o peso.
O vento frio gelava até os ossos...
Lindo era o cenário! Presenciar a fúria da natureza bramindo, as ondas a se debaterem contra a praia e o barulho silencioso do vento forte.
E ele caiu o dia todo. A noite, a chuva torrencial, qual dilúvio ... Parecia que o céu iria desabar. Ventou e choveu forte a noite toda.
O dia clareou, o vento amainou e a chuva passou...
A vegetação se apresentava úmida pela ausência do sol que preguiçoso, ainda dormia. O gramado cortado no dia anterior brilhava, mesmo que encharcado. Os passarinhos em revoada, tomavam conta das árvores com estardalhaço. Manhã tranquila! Manhã sonolenta!
Pór baixo da frondosa Tatajiba e no gramado, um filhote de rolinha se debatia a pedir socorro. Deveria ter caído do ninho quando da passagem do vento forte. Apanhada e tratada com carinho, foi colocada numa caixa de sapato com algodão e aquecida junto ao fogão. Passou a gozar da atenção de todos. Arroz picadinho era colocado no bico, gotinhas d´água com conta-gotas, enfim um hóspede especial com tratamento vip. Neste ambiente aconchegante, a rolinha passou a se desenvolver e, em pouco tempo, já apareciam as primeiras peninhas. A cada dia que passava, o seu aspecto se modificava. Passou a ensaiar os primeiros vóos. Da caixa para o lustre, da caixa para a estante. A idéia não era engaiolá-la, mas colocá-la em condições de enfrentar a mãe natureza.
Já com o vóo seguro, foi levada ao jardim e ali convidada a voar e a ganhar o mundo. Lançou-se até a Tatagiba. Pousou num dos galhos e desapareceu junto com os outros pássaros. Horas passadas e para nossa surpresa, voltou a rolinha pousando no ombro de uma das pessoas da casa. Estava com fome provavelmente... Não sabia procurar alimentação na mãe natureza. Desejava o arroz da sua caixa de sapato. Esquecemos que não a havíamos ensinado a procurar alimento. Da mesma forma, retornava ao entardecer. Não sabia dormir no galho da árvore. Era uma avizinha fora do seu mundo. Não deveria ir muito longe pois estava sem defesa, principalmente contra o maior predador de todos os tempos, O HOMEM.
Dias se passaram e recebemos a notícia: Ovinho, o garoto mau, vendedor de pastéis na praia, com o seu estilingue criminoso, havia matado a rolinha em árvore do vizinho. Acertou em cheio a cabeça da avizinha.