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Artigos-->Uma Vergonha Italiana -- 20/12/2003 - 20:05 (Marta Helena da Mata Almeida) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
UMA VERGONHA ITALIANA

Quando me mudei para a Itália, pela primeira vez, em 1983, uma das coisas que me impressionaram foi as manifestações de massa organizadas pelos Sindicatos, em prol ou contra algum ato político. Cheguei bem na época da polêmica da Scala Mobile – durante o governo Craxi -, quando se discutia o sim ou o não de um reajuste nos salários relativamente ridículo, se comparado a quanto iria receber cada indivíduo.

O Brasil lutava a duras penas para o fim da Ditadura Militar tendo Ulisses Guimarães e Tancredo Neves – então governador do estado de Minas Gerais – como cabeças do movimento Diretas Já, que só chegaria em 88. Dois anos depois, Tancredo Neves seria eleito, ainda por voto indireto, para ser o primeiro presidente civil da República Federativa do Brasil, depois de 21 anos de repressão política e cultural. A grande comoção popular que acometeu o País sofreria um golpe tremendo quando, três meses depois e na véspera da posse, Tancredo Neves veio a falecer, em circunstâncias, como mínimo, misteriosas.

Mas o caminho estava aberto e os Orixás tinham dado suas bênçãos e nada impediria o destino de liberdade a que estava destinado o Brasil, mesmo tendo que passar pelas mãos de tipos como Collor de Mello. Aliás, foi justamente por causa do Collor que o povo tomaria em suas mãos o destino da democracia brasileira.

Na Itália, se protestava por tudo. Paravam-se metrôs, lojas, fábricas. Tudo era comandado pela varinha de condão dos Sindicatos e me parecia um espetáculo de democracia, comparado à minha infância e adolescência passada em meio a sussurros, folhetins clandestinos, prisões e pancadarias na Faculdade de Medicina.

Era admirável o exercício de cidadania dos italianos. De tudo se discutia publicamente e na televisão. Programas jornalísticos de alto conteúdo democrático eram levados ao ar sem o mínimo receio de serem boicotados ou proibidos.

Eu estava acostumada ao humor sutil de Jô Soares e Chico Buarque, que burlavam dos generais de forma “quase” imperceptível.

Voltei para o Brasil depois de 5 anos e lá as coisas estavam mudando.

Cheguei em tempo para ver a ascensão vergonhosa de Fernando Collor de Mello, um tipo elegante e bom de lábia, meio alla Berlusconi, que tinha conseguido levar no bico aquele povo que tinha praticamente nascido e crescido em meio a ditaduras. Poucos dias depois de tomar posse, ele e sua equipe econômica bloquearam as contas bancárias e economias de todo o povo brasileiro – aquele pobre e de classe média -, pois os ricos tinham tido uma estranha intuição e haviam retirado o dinheiro dos bancos um dia antes. O dinheiro, dizia ele, seria devolvido em pequenas parcelas após 10 meses de confisco. Todo mundo deu por perdido o pouco que tinha e quando, terminado o prazo estabelecido, os bancos tiveram autorização para devolver mensalmente o dinheiro à população, teve muita gente que não poupava elogios ao governo: “mas ele prometeu e devolveu, mesmo!”. Até já tinham esquecido o fato de terem visto as suas parcas economias seqüestradas ilegalmente. Mas esse mesmo povo saiu às ruas e promoveu, na marra, o impeachment de Collor, quando veio à tona o escândalo financeiro que envolvia o seu tesoureiro. O seu vice, Itamar Franco, saiu ileso de todo o escândalo e governou pelo restante do mandato, quase como quem nada tivesse a ver com um sujeito chamado Fernando Collor de Mello.

Aos tropeços, o Brasil vai aprendendo abrir os seus armários, a tirar os esqueletos esquecidos e a lavar a roupa suja. O grande número de CPIs, levadas a cabo ou não, foi promovido no governo Fernando Henrique e continuam no governo Lula para mostrar que o povo está aprendendo a não passar a mão na cabeça de ninguém.

Nesse ínterim, o destino me trouxe de volta à Itália.

Qual o meu espanto quando percebi que os Sindicatos perderam quase todos os seus poder e se tornaram, eles também, figuras institucionais, a quem o governo não dá mais ouvidos nem valor. Conheci de perto inúmeras fábricas que trabalham in nero, onde se declara um décimo do que se fabrica e os empregados são uma espécie de associados de cooperativas, pagos por hora e miseravelmente, sem que o sindicato tenha poderes para interferir, pois mantêm um rodízio complicado de empregados, de modo a não ultrapassar oficialmente o número mínimo permitido pelo Governo. Esses mesmos empregados, italianíssimos e não extra-comunitários, não têm direito a férias nem horas extras, embora trabalhem em média 15 a 18/dia. Ao final de 8 meses, são obrigados a se demitirem e a esperarem em casa 3 a 4 meses, sem remuneração, para que sejam re-admitidos. Se quiserem. Como me disseram vários deles, “com o desemprego que existe por aí....”.

Ninguém tem coragem de denunciar e a consciência civil italiana que eu tanto admirava parece ter esvaído na névoa do segundo milênio.

“A gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão....”.

Hoje, dia 12 de novembro de 2003, acordei com a notícia de um ataque kamikase na Caserma dei Carabinieri italiani, em Nassiriya , no Iraque. Ao todo, até agora, 18 italianos mortos - 12 carabinieri, 4 militares do exército e 2 civis – e 9 iraquianos. Entre os feridos, 20 italianos - 15 carabinieri, 4 militares e 1 civil - e 25 iraquianos.

Toda a imprensa italiana dedicou o seu dia e provavelmente também os próximos a esse trágico fim de seus conterrâneos. Fala-se com grande comoção dessa “Força de Paz”, cujos componentes estariam voltando para casa nos próximos dias.

Mas, que Força de Paz? Será que todo mundo já esqueceu que a Itália foi uma das primeiras a apoiar Bush na guerra contra o Iraque e o Afeganistão? Aliás, Berlusconi corria atrás de Bush desesperadamente, logo após o atentado de 11 de setembro, insistindo para mandar as forças italianas ao fronte. Embora as manifestações em praça de milhões de pessoas, o governo italiano, continuou a ignorar a opinião pública e deu apoio incondicionado à guerra no Afeganistão e Iraque e à mania de Bush de querer ser Deus e estar apenas começando o Juízo Universal. A Itália, a Polônia, enviaram os seus homens para poupar algumas mortes de soldados americanos que viraram alvo fácil no Iraque ocupado e governado pela política Bush.

Força de Paz é aquela organizada pela ONU, pela Cruz Vermelha, que por sinal, estão se retirando do Iraque, vendo que a situação está completamente fora de controle.

Um minuto de silêncio foi observado no campo de futebol na Polônia, onde jogava a Itália, pelos mortos italianos. Um minuto de silêncio que jamais foi observado em nenhum lugar do planeta, pelas vítimas civis iraquianas. Berlusconi declarou que não é hora de fazer polêmicas.

Eu me pergunto: onde está o espírito livre do povo italiano, onde está aquela civilidade democrática que tanto admirei nos anos 80?

Onde estão os jovens estudantes e operários de 68, que viraram o mundo ocidental pelo avesso e que hoje concordam que seus filhos sejam usados para fins tão ignóbeis?

Esse é o único tributo que posso oferecer a esses jovens sonhadores que entregaram as suas vidas em uma guerra tão absurda quanto a do Vietnam.



Marta Helena da Mata Almeida – martadmt@libero.it

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