Meu pai contava, sempre com uma certa tristeza na
voz e no olhar, que sua vida familiar, na infància e na adolescência, sempre
foi bastante pobre, tanto económica, quanto culturalmente falando.
A vó Victorina cozinhava os produtos que eram plantados
pela família, principalmente, o feijão, que era feito em uma panela grande,
para alimentar diariamente, a família numerosa. Outros produtos que a família
cultivava, eram preservados para a venda.
Além da experiência de pobreza na família, meu pai
nos relatava a miséria encontrada tempos depois, durante a guerra, na Itália,
onde famílias e cidades inteiras passavam fome, depois dos ataques e
bombardeios dos soldados inimigos.
As pessoas das cidades bombardeadas, depois dos
ataques, eram abandonadas à própria sorte, e adoeciam, com a falta de água e
alimentos.
Principalmente, velhos e crianças sofriam com
essa situação, pois eram duplamente dependentes de que alguém conseguisse
alimento para eles.
Os soldados brasileiros, cujo batalhão meu pai
fez parte, fizeram recuar os inimigos em algumas cidades por onde passavam.
Batalhões inimigos se apossavam das cidades, e o povo ficava refém. Montese,
foi uma das cidades que o batalhão brasileiro libertou do jugo inimigo.
Logo que se instalaram em Montese, os soldados
conferiram a miséria em que vivia a população. Muitos deles ficavam com pena
dos moradores e doavam parte da sua comida, para atenuar a fome. Meu pai foi um
destes soldados que dividia tudo o que ganhava de alimentos e água, com as
famílias que mais precisavam.
Meu pai nos relatou que, certo dia, estando num
momento de aparente folga, com outros soldados e capitão, algumas crianças da
vila vieram chamá-lo, pois tinham uma surpresa para ele.
O capitão e os outros soldados, pensando nas
forças inimigas, alertaram-no para não ir junto com as crianças, pois poderia
ser uma armadilha.
Meu pai, mesmo assim, confiando naquelas
crianças, seguiu-as até o centro da vila. Qual não foi a sua surpresa, quando os
moradores - aos quais tinha ajudado com alimentos - ofereceram para ele uma
deliciosa sopa, que tinham feito em grandes tachos, e que seria distribuída
para o resto dos moradores. Fizeram a sopa com as sobras que os soldados lhes
davam.
Dessa forma, meu pai vivenciou a miséria total de
perto o suficiente para jamais esquecer o quanto ela é dolorosa.
Quando voltou para casa, no final da guerra,
vinha sem um braço, que ficou no campo de batalha e foi enterrado na Itália.
Casou com minha mãe - eram noivos durante 9 anos, e ela o esperou durante o
tempo em que ficara longe. Tiveram 11 filhos - 6 mulheres e 5 homens - sendo
que, atualmente, uma irmã nossa é falecida.
Pois bem, quando ainda era criança, e depois de
adolescente, assistia às obras de caridade que meu pai fazia, sempre lembrando
da sua própria situação cruel diante da miséria e da pobreza. Visitava pessoas
doentes ( principalmente, idosos); todos os finais de semana fazia compras de
alimentos e roupas - também roupas de cama, no inverno - e distribuía para
diversas famílias pobres que conhecia.
Em muitas dessas visitas, ele nos levava junto,
pois queria que soubéssemos que milhares de pessoas e famílias vivem em
completa miséria e também abandonadas, tanto pela sociedade como pelos
governos.
Queria nos ensinar a Caridade e o Amor ao próximo
necessitado.
Confesso que esse aprendizado eu carrego comigo e
me emociono sempre, diante das lembranças tristes do meu pai.
Mas, me emociono, principalmente, diante da força
que ele demonstrou, e do coração enorme que ele tinha, durante o resto de sua
vida.
E também fico emocionada pela força e resiliência
das pessoas que, em plena miséria, ainda tinham ànimo para dar um sorriso e
agradecer a Deus por alguém ter se lembrado delas.
A Vida é uma escola, que ensina a todos, de
várias formas, que o Amor e a Caridade são valores para todos os dias e todas
as épocas, enquanto a Civilização não tiver atingido um grau satisfatório de
AMOR FRATERNO, sem estar movido a ideologias de qualquer ordem.
Na escola, aprendemos a importància dos Valores nos
relacionamentos humanos. Mas, a VIDA ensina de forma cruel e definitivamente a
urgência da aplicação desses Valores na vida real, não apenas como teoria nos
bancos escolares. E, quando a Vida ensina, o aprendizado se realiza como chamas
de fogo gravadas na pedra bruta. Saleti Hartmann Professora e Poeta Càndido Godói-RS |