Minha mãe sempre gostou de lidar com a meninada da rua!
Como havia meu irmão temporão entre eles, estava sempre a criar condições de influir no comportamento geral para se assegurar do ambiente que o Paulo Marcos estava vivendo.
Com isso, preferia sempre receber as crianças, conversar com elas e inventar atividades que as tirassem das “invenções de moda”!... Numa época de poucas oportunidades de seduzir as crianças com jogos eletrônicos – os vídeos games atuais -, em lugar com menos recursos de diversão, o resultado era uma molecada solta criando seu próprio lazer, e, como até hoje acontece ainda, sem muita direção, acabava fazendo coisas pouco edificantes!
Era então que entrava em cena minha mãe, promovendo uma série de atividades e deixando os meninos sempre interessados em saber o que ela poderia criar para eles se entreterem... Cedinho já estavam por perto, “farejando” qual seria a próxima diversão criada por ela.
Dona de uma capacidade catalisadora das atenções infantis parecia haver um bando de pássaros arrulhando, tamanho burburinho tomava posse da nossa casa, provocado pelo entra e sai da meninada.
No final do ano, era de praxe encerrar as atividades com um coral infantil criado por sua imaginação fértil. Nunca teve educação musical e mesmo assim juntava os filhos da vizinhança toda, treinavam em uma só voz, e, para a alegria final dos meninos, pegava emprestado umas batas brancas de laços vermelhos enormes, de um antigo coral de crianças da nossa Igreja.
Vestia todos a caráter. Um dos pais arrumava uma Kombi, e lá iam todos para a praça central onde havia um coreto e lá, todos organizados e cheios de orgulho, entoavam canções natalinas ensinadas por ela meses a fio até a semana do Natal.
Era o delírio dos “coralistas”, orgulho das mães e parentes babões, e encanto dos passantes que paravam para ouvi-los. Mesmo de qualidade digamos - questionável! - faziam vista e se divertiam muito.
E, diga-se de passagem, minha mãe, muito mais que todos! Pois aproveitava o convívio, ouvia coisas incríveis e engraçadas dos meninos em sua inocência e até hoje ainda recebe os agradecimentos daquelas crianças, hoje quase-avós!...
Num desses momentos de sonho, ao ensaiar um “coral” para o Natal, ela explicava à criançada que deviam cantar com fervor, imaginando a cena para que a canção ficasse mais bem interpretada. Enfatizava que além de mais bonito seriam mais elogiados ainda! E pondo fogo na imaginação deles, conseguia verdadeiros milagres de comportamento e dedicação!
Durante um ensaio de uma melodia cuja letra dizia sobre Maria com seu filhinho nos braços, ela avisou:
- Prestem atenção! Para ficar mais bonito ainda, tentem imaginar Maria olhando seu filho! Para isso, levantem os braços e tentem “ver” o Menino Jesus nos braços de cada um de vocês!
Ao final de cada “ensaio” ela perguntava:
-Quem viu o Menino Jesus?
E as crianças respondiam:
-Eu! Eu! Eu!......
E iam para casa na maior felicidade do mundo!
Só que um dia, um novo menino, o menorzinho de todos, apareceu pedindo para fazer parte do grupo. Foi logo aceito e aprendeu a cantar direitinho, as letras das músicas.
Só que, ao final, quando minha mãe perguntou quem havia visto o Menino Jesus, ele ficou confuso. E minha mãe só notou, depois de todos terem ido embora, quando ela o escutou chorando em um canto...
Penalizada, quis logo saber o que acontecera. Ao que o menino explicou que, por mais que se esforçasse, ele não tinha conseguido “ver” o Menino Jesus....Chorava e dizia:
Dona Wanda, todos viram, só eu não consegui ver nada! Como vou fazer?
Minha mãe, condoída, logo encontrou uma saída para tamanho impasse e respondeu:
-NÃO LIGA NÃO MEU FILHO, VOCÊ NÃO CONSEGUIU VER, MAS EM COMPENSAÇÃO É O ÚNICO HONESTO DO GRUPO!!!!!