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Infanto_Juvenil-->A MORTE DA MATEIRA QUE PENSAVA -- 05/01/2002 - 18:17 (Euripedes SIlva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



A MORTE DA MATEIRA QUE PENSAVA- A PRISÃO DO CAÇADOR


Em um dia ensolarado do inverno tropical, em horário de mormaço já no seu crepúsculo, na vida semi-selvagem de uma cerva, quase domesticada, ocorreu o crime de morte. O palco da tragédia foi ás bordas da mata onde está a reserva legal do Parque Ecológico Ulisses Guimarães, no município de Goiânia.

Naquele dia fatídico, para o pequeno animal, a cervazinha e seus dois filhotes passearam pelo descampado das pastagens acinzentadas pela ação do frio junino a falta de chuvas regulares e a umidade naquele ano da fazenda Baixadão e viram as residências da colônia de agricultores. Desceram cautelosamente na direção de um bananal ali de vista, entre seu refúgio na mata protegida e as casas da colônia em busca de algum cacho de banana caído. Era seu costume variar, vez pôr outra, o cardápio cervídeos.

Apesar de jovem ainda, pelos padrões de duração de vida de um cervídeos, pois segundo informações fugidias de moradores das redondezas, aquele tipo de animal abatido deveria ter mais ou menos em torno de dois anos de vida. Aquele bananal, já havia sido visitado muitas outras vezes pela mateirazinha e até as suas censuras instintivas em relação ao bicho homem, estavam afrouxadas pelo costume.

Estas incursões nos domínios do homem a principio foram furtivas e na calada das madrugadas, quando o luar inundava as noites de céu estrelado. Seus primeiros encontros com seu inimigo mais temido foi de trégua mas com o passar das estações do ano, pode até divertir-se brincando de pegar com os bezerros da propriedade. Propositadamente, nalgumas ocasiões ficou de atalaia onde algum morador daquelas paragens passasse se mostrou com alguma timidez, a fim de testar a tolerância deles naquela nova convivência que se estabelecia. A experiência foi estimulante para novos encontros.

Os homens olhavam-na com curiosidade e admiração e pareciam fazer afagos com o olhar. A amizade se estabeleceu com poucas reservas de ambos os lados e as visitas ao roçado, ao bananal, e ás pastagens se amiudaram. Mesmo durante o dia com toda a luz natural era comum ver o animal nas imediações pastando mansamente ao lado do gado vacum.

Alguma coisa tinha modificado extraordinariamente na vida da veadinha desde quando ha mais de ano havia sido levada para aquele reserva florestal. Quando ainda era bebê, e vivia em outra região nativa e extensa, com sua mãe e um irmão, extraviou-se de sua família e foi capturada por um homem armado e com cachorros ferozes e treinados. O lugar onde nascera, era uma mata densa e intermediada por campos de pastagens, margeando um grande rio de águas claras e caudalosas, que durante as cheias, inundava as margens e durante o período de estiagem mostrava praias imensas com areia fina e branca.

O dia de sua captura era uma lembrança terrível e deseja esquecer. Os cães farejaram a batida de sua mãe e saíram no encalço deles, em marcha batida, a sua mãe e seu irmãozinho conseguiram escapar. A pequena veadinha, não teve a mesma sorte e se viu acuada em uma pedreira sem forças e sem possibilidade de escapar. Dois cães enormes, horríveis, de dentes brancos e pontiagudos estavam a menos de palmo para sua cauda, quando ela ouviu um grito estridente do caçador vindo nos rastros dos cães de caça. Eles recuaram, mas latindo insatisfeitos e insistindo em atacá-la. Estava tão esgotada e assustada, que nem podia tentar uma fuga, mesmo porque a única saída era na direção daqueles dentes assustadores.

Este caçador trazia algo na mão que ela não conhecia. Era um instrumento comprido, despontado, com uma correia pendente, tinha um cano preto e partes de madeira, brilhava quando os raios do sol daquela tarde batiam nas partes de metal. Refletia quando eram iluminados as partes de madeira. O caçador era muito agarrado naquilo, e tinha o maior cuidado ao descansá-lo no chão. Ele veio na direção dela e colocou a sua mão imunda em volta de seu corpo, imobilizando-a. Depois prendeu as suas patas com cordas, e a colocou dentro de um saco sem o menor cuidado. Mas aquilo era melhor do que os dentes dos cães. O caçador sacudiu o saco com ela, pondo-a nas costas. Pôs nos ombros, por cima daquela saco, aquela coisa da qual não se separava. Um cheiro horrível de enxofre empestiou o ar, inclusive grudando nela também. Logo em seguida, voltou pelo caminho de onde tinha vindo no seu encalço.

Os cães ao verem a cena de colheita da caça festejaram com o seu dono, dando voltas em torno dele e farejando o saco onde a corsinha estava presa. O caçador ralhou com eles, para que não a ferissem. E seguiram em frente. O homem assobiava alegre e os cachorros corriam indo de um lado e outro do caminho, farejando as moitas, procurando algum animal infeliz para acuar.

Lembrou de outra ocasião, quando passeava com sua mãe perto de uma estrada, havia visto de longe um carro. O tamanho daquele brinquedo, o reluzir de sua pintura, o barulho que fazia, e a forma como corria, a deixara fascinada. Ficou muito tempo parada, escondida em alguns arbustos de aroeirinha, admirando aquele objeto de um mundo estranho, até que sua mãe a chamara e lhe dissera para tomar cuidado com aquilo, pois era muito perigoso para sua espécie. Se a alcançasse certamente a machucaria muito, podendo até matar.

O seu captor chegou perto de um estranho veiculo como aquele que vira ha muito tempo. Colocou o saco com ela na parte separada da frente e embarcou os dois cães na parte de trás do carro. Andaram algum tempo. Mesmo estando presa dentro daquele saco, ela achou interessante o barulho e o movimento que o carro fazia. Gostaria de estar solta para apreciar a paisagem e sentir o vento que certamente seria muito forte a bater em sua cara, alisando o seu pelo.

De repente o carro parou. Os cães na carroceria da camioneta latiram com insistência. O caçador mandou que eles ficassem quietos. Dali onde estava ouviu vozes enérgicas e o homem que a havia prendido foi retirado de onde estava sentado perto dela. Alguém daquele novo grupo pegou o saco e abriu a boca dele, olhando para dentro. A cara nova que aparecia para ela era dura e parecia muito zangada. A corsinha pensou que seu fim estava ficando cada vez mais iminente. Outro se avizinhou da parte de cima do saco e sorriu para ela. O seu covil foi novamente amarrado.

Depois de muita conversa entre aqueles homens, ela percebeu ser transferida para outro carro, este tinha um cheiro agradável, diferente e fazia menos barulho quando andava. O seu instinto de direção a fez notar que estavam andando em sentido contrário ao primeiro destino. O caçador resmungava e gemia ali ao seu lado. Por uma fresta da aninhagem viu que aquele homem tinha sido apartado do objeto que tanto prezava, e os outros homens pareciam apreciá-lo com admiração. Viu que o seu captor fazia cara de poucos amigos e estava com as mãos firmemente presas para trás, com umas cordas diferentes, brilhantes na posição que ele a havia prendido. Pelo menos ele estava pagando o mesmo preço da agressão que lhe havia causado.

Andaram por muito tempo. O movimento daquele carro, era gostoso, e mesmo estando desconfortavelmente presa, procurou esquecer este detalhe e chegou a cochilar com o balanço. Entraram em um local, do qual sua mãe já tinha lhe falado, para evitar. Havia muitas casas, muitos outros carros, muita gente e um barulho infernal. Naquela profusão de sons diferentes, não tinha como distinguir a aproximação de seus inimigos naturais, mas estes certamente não andariam por ali. O carro parou em frente a uma casa grande. Outros homens vieram vê-la. O saco foi aberto novamente e ela exposta a expiação de todos. Pareciam felizes com a sua chegada. Estes novos homens usavam vestimenta igual, era difícil distingui-los, pensou que fossem todos irmãos gêmeos. Todos portavam um objeto muito parecido com aquele que o caçador tanto gostava. Pensou que fossem todos também homens maus.


O caçador foi retirado do carro, com energia e violência. Alguns daqueles homens chegaram a dar-lhe empurrões e a repreendê-lo com palavras e gestos. Ela foi recolocada no carro, dentro do saco. O calor abafado naquele ambiente a deixava cansada. Mesmo na sombra, não havia ventilação suficiente. A posição única em que podia ficar, lhe trazia desconforto e dormência nas pernas. As horas corriam devagar, finalmente os homens voltaram e o carro foi posto em marcha. Ficou atenta para os sons vindos daquela confusão de movimentos novos para ela. O barulho foi ficando menor até que só ouvia o cantar continuo daquele carro e o zumbir do vento ricocheteando nele. Os homens chegaram calados e assim permaneciam.

Quando o sol descia no horizonte, percebeu que o veiculo entrava em um local mais sossegado e andava bem mais devagar. Em uma curva, ele desviou da estrada por onde vinha e entrou por uma trilha de terra. Havia muitos buracos, diferentemente daquela outra estrada, preta e lisa esta era vermelha, estreita e passava entre arvores frondosas, que a cobriam de sombras. O carro parou diante de uma cerca de arame farpado onde tinha uma abertura. Um dos homens desceu e foi até a cerca movendo parte dela. O carro transpôs o obstáculo e parou novamente para que ele voltasse ao seu lugar. Apurou o seu faro e sorveu o cheiro gostoso da mata. Sentiu vontade de correr e saltitar entre as arvores, festejando com as ramagens. Uma saudade imensa de sua mãe e de seu irmãozinho invadiu aquele momento. A solidão rugia silenciosamente em sua volta.

O carro passou naquela frauda da mata e ingressou em um descampado. Ali tinha muita grama "cabeluda" e margosa rejeitada por quase todos os animais. Do lado de baixo daquele gramado tinha uma casa grande. Ela viu que as paredes eram desbotadas e caindo partes do revestimento. A ultima pintura tinha acontecido a muito tempo. O carro parou bem na frente da porta principal. O roncado menor que o carro fazia quando estava parado, cessou de vez. Os homens desceram e se abraçaram com outros que se encontravam no interior daquela casa. O movimento deles, parecia o esvoaçar de marimbondos na porta da morada deles, quando recebem uma visita. Um destes a retirou do carro. O saco foi aberto e a retiraram dali.

O homem, mais baixo, e que parecia mandar nos demais abaixou-se e pegou uma faca de lâmina afiada guardada na bota. O fio do corte daquele arma, refletia finos raios do sol bruxuleante, quando o homem fazia movimentos com ela. O seu coração disparou e esperneou apavorada. Imaginou que fossem sacrificá-la ali naquele local. Fechou os olhos de medo. Esperou que a faca fria e afiada cortasse alguma parte de seu corpo e desejou que fosse rápido, para sofrer menos tempo. Sentiu quando ela passou rente das suas patas, cortando as amarras, fazendo um tinido de arrepiar. Esperou para sentir a dor do ferimento e o calor do sangue escorrendo, mas para seu alívio, estava sendo libertada daquela incomoda peia. Nem estava acreditando. Ao ver suas patas livres das amarras, ficou de pé pronta para correr para o mato, mas percebeu que não podia faze-lo. Havia uma corda passada em seu pescoço. Todos se aproximaram dela. O homem da faca, tinha guardado a arma e agora estava fazendo carinhos nela, alisando o seu pelo mansamente. Impotente para lutar, imaginou que aquilo fosse um ritual anterior ao seu sacrifício.

Com este carinho não esperado, ficou alerta, mas aceitou. Falaram muitas coisas para ela. Não entendia nada do que diziam. De repente um deles retirou a corda de seu pescoço apontando a mão na direção da mata. Ela não esperou um segundo movimento. Saiu em disparada, saltando as moitas de capim e embrenhou em um bambusal que margeava o gramado. Sua mãe havia lhe ensinado que aquele tipo de vegetação era um esconderijo muito bom. Ali os seus inimigos não poderiam entrar, por terem porte maior. Parou e ficou a medrar sobre aquela aventura indesejada. Escutou por um minuto, a fim de se situar onde estava. Entrou mais naquele esconderijo improvisado e saiu do outro lado em campo menos fechado, olhou em todas as direções. Tudo era estranho. Apurou o ouvido e o faro. Não tinha a menor noção de que lugar era aquele. Apenas era agradável e seu novo lar.

Depois de alguns minutos de descanso, percebeu que estava com sede. As agruras sofridas naquele dia, não lhe davam tempo para sentir sede ou fome. Resolveu procurar as partes mais baixa do terreno. Era assim que sua mãe fazia quando sentia sede. Se aproximou de um rego d água e este ia dar em uma cacimba muito limpa e agradável. Chegou na beira inclinando-se toda para o poço. Sorveu com ânsia e se entreteu a beber de olhos fechados melhor apreciando aquela água cristalina. Quando os abriu, quase caiu de susto dentro do manso riacho. Refletido no espelho d água estava um alce de chifres enormes.

Refeita daquele susto prestou mais atenção naquele bicho e se acalmou, ao lembrar-se de quando andava com sua mãe e esta lhe falava sobre parentes distantes que moravam em outras partes deste mundão. Em um dia de primavera, estavam em uma sombra de imenso pequizeiro, degustando flores caídas quando notou o cheiro de outros de suas espécies que haviam estado naquela ceva natural horas antes. Sua mãe lhe falou sobre o parentes distantes dizendo que aquele rastro seria de um alce, um primo longe de sua linhagem. Cumprimentou-o com um meneio de cabeça. Ele comportou-se como se não a tivesse visto.

O alce pareceu não ter gostado de vê-la por ali, mas não a expulsou. Ele também tinha vindo beber água. Ela vendo-o se aproximar, saiu de lado oferecendo-lhe a melhor posição para chegar na fonte. Ele pareceu gostar daquela gentileza, mas não fez nenhum gesto de agradecimento. Era como se recebesse uma pequena reverência que lhe era devida. Como o final da tarde estava quente, resolveu pular n água e se refestelar. O alce a repreendeu severamente. Aquilo era coisa de filhotinho mimado. Era perigoso fazer barulho ali, pois a casa dos homens que os haviam trazido para o local ficava bem pertinho. E poderia ser que algum deles, quisesse recaptura-los. A corsinha escutou e aceitou o conselho. Sabia que sua família estava muito distante e talvez nunca mais a encontrasse, tinha de agradecer a presença do alce, e cativar a amizade e companhia dele, para aprender a viver neste novo ambiente.

O alce era ranzinza e cheio de vontades. Um mandão que dizia a todo momento o que podia e o que não podia, mas ela passou a gostar dele e andar com ele por toda parte. Aceitava os seus conselhos e caminhava por onde ele indicava. Muitos perigos foram evitados. E depois ele mostrava a ela o porque de tal e qual cautela. Ele não tinha a menor confiança nos homens até mesmo naqueles que moravam na casa perto da fonte. Ele via sempre outros animais sendo trazidos para o local e soltos sem a menor cerimonia. Talvez por isto o alce não gostasse deles, ... "esta mania de mudar os animais de casa sem o seu consentimento"... Por sua ótica, os responsáveis pelo o seu infortúnio e de outros bichos da reserva eram aqueles homens.

Os dias foram se passando e a corsinha andava pelo parque acompanhando o seu tutor. Sentia saudades de onde vivia, mas com o tempo passou a gostar dali. Ela cresceu bastante e entrava na adolescência animal. Quando já estava adulta, pensou que poderia cuidar de seu destino, sem a ajuda daquele alce metido a mandão. Conhecia quase todos os cantos da reserva florestal. Tinha visitado lugares lindos dos homens. Estes pareciam apreciar suas visitas. O alce nem queria mais andar com ela, pois a achava muito metida. A amizade entre eles acabou mesmo, principalmente por causa da mania dela de ser "moderninha". Ela havia descoberto que ele nem mesmo era seu parente. Pertencia a outra linhagem de cervos e sua família tinha outros costumes. Tinha vindo de outra parte muito longe da qual nunca tinha ouvido falar. Finalmente resolveu se mudar para local que julgou mais aconchegante, longe de onde o alce vivia e nunca mais o viu.

Ela estava grande, no tamanho adulto quase se igualava ao porte do alce e se achava muito bonita. Os seus interesses em conhecer algum macho de sua espécie estavam cada dia mais aguçados. Não entendia direito aquelas mudanças em seu comportamento, pois mesmo estando sozinha, brigava o tempo todo com o alce de suas lembranças. Já não o "matava" com tanta freqüência no final daqueles devaneios. Chegou a analisar a possibilidade de procurá-lo. Mas ele não fazia o seu tipo. Estava muito mais sensível, a tudo.

Um dia quando pastava despreocupadamente, em um capinsal de jaraguá, de uma várzea seca, ouviu passos familiares se aproximando. Apurou os seus sentidos e levantou o nariz na direção de onde vinha aquele barulho familiar. Percebeu que um cheiro forte de veado mateiro estava no ar. Aquele movimento suave no meio do capinzal, o estalido de orelhas vinha em sua direção. Se escondeu mais um pouco em umas ramagens de aroeirinha de forma que pudesse ver o caminho onde o bicho passaria. A sua curiosidade estava a mil pois finalmente conheceria alguém próximo dela. Contornando uma moita alta e meio seca de capim colonião surgiu um "cabritinho" vigoroso, dos mais lindos que já imaginara. Nem seu irmão que ficara perdido com sua mãe era tão gracioso. Que virilidade aquela. O porte era esbelto. O andar decidido e firme. O pelo era liso e de um colorido marrom discreto.

O tal passou por ela faceiro como uma flor flutuando em fonte mansa, indo em direção de outras paragens. Ele parou de repente. O vento que havia denunciado o cheiro embriagante dele para ela, agora trabalhava ao contrário. Ele virou a cabeça para trás olhando deslumbrado em sua direção. Ela estremeceu ao perceber que tinha sido vista. Um calafrio saiu da ponta de seu casco indo até a extremidade da orelha. Seu toco de rabo, tremeu freneticamente. Saiu do esconderijo e se apresentou por inteiro. Os olhos dele faiscaram em sua direção. Se aproximaram com cuidado. Começaram a trocar caricias e a "conversar" sobre tudo da vida deles. foi amor á primeira vista.

O seu novo amor era um turista ecológico, que gostava de conhecer lugares diferentes e não parava muito tempo em um lugar só. Estava de passagem por ali vindo de muito longe. Embora questionado não soube dar noticias dos parentes dela, pois não os havia encontrado. Reconheceu que o lugar era bom para fixar moradia, mas isto ainda estava muito distante de acontecer em sua vida. Durante o dia costumava viajar pelos lugares ermos, escolhendo as melhores pastagens e bebendo nas fontes mais limpas que encontrava, reservando as noites para atravessar os lugares mais perigosos. Era um viajante contumaz.

Este amor durou poucos dias, passado o cio dela ele manifestou o desejo de seguir viagem. Não suportava ficar em um mesmo lugar muitos dias. Tinha medo de criar raízes. Ela também não quis segurá-lo e também não queria aquela vida de aventuras dele pelo mundo. Igualmente não lhe falou sobre os filhos que esperava. Não iria adiantar nada mesmo. Ele partiu finalmente em uma noite de lua clara. Simplesmente levantou a cabeça olhou para ela demoradamente e foi andando na direção oposta ao vento até sumir no mato ralo. Não deu-lhe esperanças de voltar algum dia. Ela também não pediu nada. Daquele encontro de poucas semanas ela ficou esperando dois filhotinhos.

O tempo passou e, finalmente, quatro meses depois da partida daquele saudoso turista, chegou um dia em que acordou muito enjoada. Seus instintos lhe preveniam que precisava de um lugar seguro para algo inusitado que iria ocorrer. Procurou um lugar tranqüilo, dentro de um tabocal fechado, no alto de uma colina. Reuniu muitas folhas secas e macias para um ninho e ali sozinha pariu os seus dois bebês. Eles nasceram como dois lindos rebentos e horas depois já estavam brincando com ela. Eles pareciam e eram fortes e cresciam com traquinagem como qualquer vivente recém chegado neste mundo. Ela ficava preocupada com os filhinhos, pois estes pareciam não ter medo de nada, nem mesmo dos homens que as vezes apareciam nas imediações de seu ninho. Lembrava-se do alce que a repreendeu tantas vezes, e até sentiu falta dele para ajudá-la na educação daqueles traquinas.

Procurava ensinar aos seus "bebês" que deveriam fugir de muitos inimigos que também habitavam o parque. Nestas ocasiões começou a avaliar os perigos da amizade que tinha estabelecido com os homens. Passado mais de mês do nascimento de seus filhotes, a saudade das pastagens limpas e do bananal próximo da colônia começou a afrouxar seus instintos e resolveu que era tempo de visitar estes locais e se tudo corresse bem apresentar aos curiosos seu tesouro mais querido: os dois filhotinhos.

Antes porem, mostrou a seus filhos diversos pontos perigosos no mundo exterior onde iriam se aventurar. A única defesa deles, era não se apartarem dela, e correr como nunca, se algo de ameaçador acontecesse. Neste primeiro passeio com a família, ela procurou andar apenas nas proximidades de onde os filhotes haviam nascido, sem expor-se no descampado. Dentro do mato era possível camuflar-se com as folhagens ou usar o sentido do vento para evitar o faro de seus inimigos e escapar.

Durante estes passeios, aproveitava para falar a seus filhos, do seu amigo alce. Evitava falar mal dele para os filhotes, pois um dia eles poderiam precisar da proteção daquele machão. Ele estava sumido desde quando tinham se apartado, quando daquela rusguinha que os separara. Talvez fosse porque ela estava entrando na adolescência animal ele não a entendesse direito e não teve paciência com ela. Já o tinha procurado em locais comuns, mas não o encontrara e até pensou que algo de ruim pudesse ter acontecido com ele. Nestas ocasiões se lembrava das cautelas dele e falava a seus filhos dos cuidados que deveriam ter dentro da mata e principalmente quando estivessem saindo para campo aberto.

Dias e vários passeios depois, resolveu que os filhotes estavam prontos para aventurar consigo em posições mais avançadas. Eles pareciam firmes o suficiente para agüentar uma corrida estirada mais forte se necessário fosse. Saíram cedo do esconderijo. Um de seus bebês ainda espreguiçava no gostoso sono da manhã, quando despertado para a viagem do piquenique. Ele sempre reclamava quando tinha de sair do ninho mas neste dia estava ansioso pelo passeio prometido. Queria conhecer esta tal de banana, de que sua mãe tanto falava. Iria comer até empanturrar. Saíram os três na direção da sede da fazenda.

Andaram por algum tempo, margeando o rio que serpenteava a colina dentro da mata. A queda das águas em muitas corredeiras rasas faziam barulho com o mourejar das pequenas quedas caindo sobre as pedras. Um barulho diferente de vez em quanto era ouvido, nos poços de água, mais avantajados. A corsa explicava aos filhotes, que eram os habitantes das águas, pegando frutos que caiam das árvores das margens. Os dois filhotinhos estavam cansados e pediram a mãe para parar um pouco para descansarem suas patinhas que doíam. Ela escolheu um lugar cheio de pedras nas sombras das proximidades do rio. O seu filhinho menor começou a brincar com um "carreiro" de formigas, que passava ali. De repente ele veio correndo e bufando para o lado da mãe que cochilava ruminando. No seu nariz havia uma enorme formiga cabeçuda cortando com força. Ela o ajudou a livrar-se daquele formiga-soldado, dizendo-lhe para não ir perturbar quem estava trabalhando tão cedo . Depois disto, saíram em direção do bananal prometido.

Entre este e a mata havia uma densa capineira baixa, onde pastavam muitas vacas e bezerros. Entraram nela e o orvalho daquela manhã molhava as patas da corsa até próximo do seu peito. Os dois veadinhos sumiam no trilheiro por onde ela passava, e estavam molhados da cabeça aos pés. Havia uma arvore frondosa no meio do pasto, onde eles pararam. Dali era possível avistar de mais perto os bezerros em volta das vacas, sendo que alguns estavam mamando. Um dos filhotes quis saber maiores detalhes sobre aqueles animais imensos e a corsa foi explicando e contando que eram amigos e já havia brincado de pegar com aqueles menores. Mas por serem muito grandes, deveriam tomar cuidado, pois a força deles, nas brincadeiras poderia machuca-los. Era melhor não se aproximar por enquanto.

Descansaram ocultados pela árvore, e a corça estudou a melhor forma de concluir a travessia do restante da área do pasto, sem ser notados pelos cães da fazenda. De longe ela viu que um dos cachorros estava tomando sol, no terreiro inferior da sede. Chamou a atenção de seus filhos para o inimigo natural, e mandou que apurassem o seu faro, para o cheiro característico dele. Quando percebessem este odor, tinham que correr o mais rápido que pudessem e usar o sentido do vento, para evitar que eles percebessem o seu cheiro. Os cães, tinham um bom faro, mas como comiam muita comida do homem, tinham perdido um pouco esta habilidade. O cão enorme, maior do que a mamãe corsa, se espreguiçou, mostrando dentes "caninos" afiados, que brilharam ao sol. Os dois veadinhos, se abaixaram no capim, e procuraram se esconder mais ainda atras da mamãe corsa.

Visto os perigos e folguedos possíveis, a corsa refez o seu trajeto, procurando passar mais longe do que costumava, da sede da fazenda e chegaram ao bananal. Começaram a explorar as imensas touceiras e descobrir bananas madurinhas por toda parte. Os cuidados da corsa eram redobrados, pois os seus filhotinhos eram traquinas, e se esqueciam dos cuidados mais elementares. A todo instante, precisava chamá-los para perto de si, e mostrar alguma coisa perigosa para eles. Comeram até não mais poder. O sol já ia alto, uma preguiça enorme foi tomando conta deles e os três acabaram por dormir tranqüilamente dentro de uma enorme moita de bananeiras, num local bem fofinho, em cima de folhas mortas , melhor que o ninho onde nasceram. O sol do meio dia era escaldante. Mesmo nas sombras fazia um mormaço terrível, pois a vegetação fechada impedia a circulação do vento. O calor convidava a não fazer nada e ficar apenas naquela madorna.

Após algumas horas de sono, a corsa acordou assustada pensando que os filhotes pudessem estar "fazendo arte". Os dois estavam dormindo tranqüilamente, deitados sobre os seus quartos traseiros. Ela enclinou-se para eles e os lambeu carinhosamente, para acordá-los. Eles se espreguiçaram esticando as patinhas até não mais poder. E convidado por ela, resolveram explorar outras partes do bananal. O local era relativamente grande e a medida que entravam por ele adentro, ficava mais distante o barulho da sede da fazenda.

Em uma baixada, onde corria um rego d água eles pararam para beber. A água que corria por entre as bananeiras, era fresca e limpa. Seguiram este curso d água até quando ele desaguou no rio já conhecido por eles dentro da mata. Desceram mais um pouco, deixando a plantação de bananas para trás e a corsa, visitou o local onde encontrara o alce pela primeira vez, quando fora libertada pelos homens de uniforme. Olhou com saudades e esperança em volta da cacimba e viu rastros dele. Estes pareciam ser recentes. Sorveu o cheiro dele naquela pegada recente, e percebeu que ele deveria ter bebido naquele local, um pouco mais cedo daquele dia.

Pela manhã o vento soprava do bananal para a fonte. O alce poderia ter percebido a sua presença nas proximidades e ter se afastado rapidamente não querendo reencontrá-la. Quando andava com ele, sempre a repreendia, quando ela ia naquele bananal. Ali era um lugar muito perigoso para se freqüentar, a vegetação era disposta de forma simétrica, formando ruas largas e limpas e isto impedia a proteção natural do mato. Se aparecesse algum inimigo teriam muita dificuldade em defender.

Observou com saudades o rastro de seu amigo, no barro duro em volta do poço e percebeu que ele mancava de uma pata dianteira. Pareceu-lhe que ele houvesse tido algum problema em suas caminhadas ou tivesse sido machucado. Levantou o nariz para o alto, a fim de verificar se percebia o cheiro dele por perto. A tentativa foi em vão. Àquela hora da tarde, o Alce deveria estar no alto da colina, dentro de um outro tabocal, onde costumava ficar nos finais do dia. Ali era difícil de entrar, e somente quem conhecia os segredos dos caminhos, podia chegar no esconderijo dele com segurança. Um dia, brevemente levaria seus filhos pela trilha e os mostraria com orgulho para ele. Talvez até prestasse mais atenção nela, e fizesse amizade com os filhos dela.

Os dois filhotinhos quiseram ver de mais perto a casa dos guardas, pois pelo que sua mãe contava, eles a haviam salvo de algum caçador maldito. Ela em princípio não queria se aproximar daquele sitio, mas após espreitar para aqueles lados, resolveu chegar mais perto e mostrar de longe os homens andando em volta da casa. Na parte lateral, havia um carro, o mesmo no qual ela havia sido conduzida naquele dia distante. A corsa recontou aos filhotes a aventura, pela "enésima" vez. Como os "bebês" estavam muito interessados no estranho veículo, procuraram uma posição mais próxima e dentro das ramagens de capim colonião, mais alta, onde não poderiam ser vistos e olharam demoradamente o veículo.

Ficaram por ali, até o sol descer mais no horizonte e ser menos cansativa a viagem de volta. Resolveram que passariam pelo bananal, e escolheriam algumas bananas, das mais gostosas possíveis. Voltariam por caminho diferente, passando pelo lado inverso daquela casa onde havia o cachorro. Na aragem da tarde, a brisa mudava de direção. Precisava ter cuidado com os cães da sede. Estavam dentro do bananal, quando a corça percebeu a proximidade de alguma pessoa. Seus instintos e o faro lhe diziam que poderia ser um dos homens da fazenda. De fato era. Alertou os filhotes para o perigo iminente.


Naquela tarde um dos moradores da região, mais uma vez viu o animal, que despreocupadamente farejava uma moita de bananeiras. Voltou apressado até a sua moradia, apanhou uma encardida espingarda tipo “La fouchet”, carregou-a apressado pela boca, com pólvora preta. A pressa fazia derramar o explosivo fora da boca do cano. Juntou a bucha vegetal colocando-a com cuidado fazendo uma leve pressão sobre a carga de pólvora. Os balotes de chumbo desceram em seguida. Sobre estes colocou com mais força uma bucha de jornal, para dar mais "sustância" no tiro. As suas mãos tremiam com a emoção da caçada. Finalmente bateu a carga mortífera com uma vareta própria, tipo aríete . Firmou a espoleta no "ouvido" da culatra, encostou o cão nela com cuidado. O perigo de um disparo acidental, estava exatamente neste momento. Conferiu o mecanismo. Era só disparar. O trabuco estava a ponto de bala. Voltou ao bananal na direção de onde havia visto a veadinha minutos antes. Não precisou andar muito e nem procurar com esmero.

A uma distância de mais ou menos dez metros viu o objeto de sua procura, sossegadamente. O instinto selvagem do bicho aliado a sua audição fenomenal já a havia despertado para a presença daquele novo personagem em suas proximidades. Naquele momento, estava com as atenções voltadas para alguma relva tenra que descobrira no meio do húmus daquelas sombras. Quantos outros homens já tinham se aproximado dela, e se olhado reflexivamente com curiosidade reciproca, e depois se afastavam, cada um indo cuidar de suas vidas.

A corsa parida apenas verificou se os seus filhotes estavam por perto. Viu-os em segurança mais adiante em outra touceira. De onde o homem estava não podia vê-los, mas estes viam-no e mantinham as cabeças levantadas em sinal de alerta. Esperou um pouco para ver se o homem representava perigo e só depois iria chamar a atenção dos filhotes, para conhecer de perto aquele novo ser. Ele trazia na mão um objeto que já tinha visto antes.

O indivíduo se aproximou, chegou a menos de cinco metros, e se tivesse estendido algum alimento para o animal, a mateirazinha certamente o teria pegado em suas mãos. Ela estava despreocupada com o homem, e imaginava que ele queria fazer amizade com ela. Estava ansiosa para mostrar os sues filhotes. Aquela deveria ser a oportunidade.

Aquele estacou, em uma posição estranha para o bicho. Tudo bem, a espécie nova que fazia amizade consigo, tinha cada um, modos próprios de se apresentar. Apontou alguma coisa em sua direção. Outras vezes, também apontaram alguma coisa, e acontecia apenas um clarão, como um raio, mas nada tinha acontecido a não ser o susto. A diferença era de ser o outro objeto menor. O animal, indefeso, dócil, e instintivamente propenso a convivência, dado os últimos encontros, ficou parado também olhando na direção dele, seu algoz não esperado. Apenas ruminava, enquanto ficava alerta.

Um estrondo ecoou rebimbombando entre as imensas touceiras da plantação de bananas, o atirador, ficou meio surdo e embaçado na fumaça do tiro. Com o baque do disparo ele chegou a cambalear para trás, dado a força da explosão, conseguiu finalmente se firmar. Olhou na direção de onde tinha dado o tiro, não viu o animal. Imaginou que tivesse errado a pontaria, apesar de tão curta distancia. Em seu intimo, na porção minoritária do bem, chegou a torcer para isto. Com o barulho inusitado para o local, outras homens vieram ver o que se passava. O caçador informou com galhardia o seu feito. Nenhum dos chegantes aprovou o seu ato.

O imenso vale de mata intocável, formado nos dois lados da calha do ribeirão João Leite, onde outrora foi a fazenda do benemérito fazendeiro ALTAMIRO DE MOURA PACHECO ecoou o barulho do tiro. As matas compactas do lado oposto devolveram o som em um dorido lamento. Se o fazendeiro fosse vivo certamente saberia ler o "e-mail" da natureza, em veemente protesto pela sua filha morta, espécie a caminho da extinção.

Um dos que tinham vindo ver o que tinha acontecido, conhecia o caçador e não gostava dele, sem dizer nada, apenas desaprovando com gestos e com o olhar, procurou pôr ali, e deu alguns passos para a direção das sombras da mata. Parou desolado diante do quadro de sofrimento do inofensivo animal ferido. Olhou para onde estavam os seus pares e apontou a corsa caída, se debatendo. Outros homens se aproximaram, para ver de perto a cena de sangue. Um medo mórbido encheu o animal de terror. Tentou levantar-se, e correr, seu único meio de defesa, como tantas outras vezes o fizera. A cabeça, as patas já não lhe obedeciam. Estava a mercê de alguma força estranha, muito maior do que ela. O atirador também se aproximou e entrou no seu raio de visão. Nem mesmo os seus olhos tinham forças suficientes para se fechar ou mover em outra direção, talvez paralisados pelo medo. Ainda pode vê-lo com dificuldades, espaçadamente, como se a luz apagasse e acendesse em espaços cada vez mais demorados. Eram as brumas da sombra da morte envolvendo-a.

Seu último pensamento foi para os dois filhotinhos. De onde estava não podia vê-los. Que vontade imensa de poder dizer a eles para correr e fugir para a segurança da mata. Porque não escutara o alce quando mandava tomar cuidado com os homens. Alguns não prestavam mesmo. A dor que atingia seu corpo fazia perder a coordenação do físico e da mente.

Um frio congelante como os das madrugadas do mês de junho, percorreu o seu corpo e num derradeiro espargido, jorrou mais sangue pela imensa ferida aberta em seu flanco direito. Finalmente sucumbiu esvaindo-se em seu sangue inocente. Um tremor frenético, desesperado, trazido pelo instinto da morte, a sacudiu crepuscularmente. Era como se suas ultimas forças fossem para levantar-se e correr.

Os dois filhotes da corsa escutaram o tiro de onde estavam. Eles já tinham sido alertados por sua mãe dias antes, quando estavam na capoeira e ouviram barulho semelhante. A mamãe corsa tinha falado que aquele barulho era o mesmo produzido pêlos caçadores, quando entravam no mato para matar os bichos. Eles procuraram correr o quanto puderam para dentro do mato. Longe do perigo, ficaram observando o que se passava com sua mãe. Viu quando o homem mau levou a mãe deles nas costas. Ela não tinha sinal de vida.

Apesar da desaprovação de seus pares, estampado na face curtida do sol de cada um deles, o atirador pegou a caça e sacudiu-a, a jogou nas costas. Nenhum deles quis ajuda-lo. Saiu com passos decididos, porém envergonhado. Atrás de si ficou uma trilha do sangue que ainda escorria pelo corpo da caça e caia no chão. Os olhos da veadinha sem vida, permaneciam abertos, como se olhasse estupefata para eles pedindo justiça e clemência pelo menos para os seus dois filhinhos inocentes. Em sua casa o caçador não poderia chegar com ela, por desaprovação de sua mãe e de seu irmão.

Parou no caminho e pendurou o animalzinho pelas patas traseiras, em um pequizeiro perto de sua casa. Usou para tanto uma corda de bacalhau, encontrada nas imediações. Foi até sua casa pegou uma faca e ali no mato esquartejou o animal, jogando longe as partes internas, cabeça, couro e outras peças inserviveis da carcaça. Era preciso apagar as provas do crime. Ao chegar em sua casa disse ter comprado partes da carne de um carneiro.

Dando a volta por entre as bananeiras e seguindo a distancia, os dois filhotinhos, acompanhavam o trajeto feito pôr aquele homem malvado. Não podiam socorrer sua mãe, e também não deveriam ser vistos pelo caçador. Viram toda a cena terrível, dele pendurando a corsa. Enquanto ele ia em sua casa buscar a faca, chegaram mais perto e tocaram o focinho da mãe, com o nariz farejando-a como num último carinho de despedida fúnebre. Ela não podia esboçar nenhum movimento. Estava morta há algum tempo. Se tivesse alma, talvez tivesse jorrado alguma lágrima.

Estavam absortos naquela contemplação, quando ouviram passos abrindo o mato na direção de onde estavam. Era o caçador maldito voltando. Esconderam-se nas folhagens. Ele cortou rapidamente sem dó nem piedade o corpo da mãe deles, jogando nas proximidades as patas, a cabeça e outras partes inserviveis. Apanhou partes do corpo dela e saiu dali. O silencio voltou a reinar naquele inicio de noite.

Os dois, filhotes, tremiam de medo mas mesmo assim se aproximaram dos restos do cadáver da mãe. Um odor terrível e arrepiante da morte enchia o ambiente. Deitaram ao lado da cabeça que era parte da mamãe corsa. Se vivia estivesse, certamente faria um carinho neles alisando o seu pelo e os puxando para mais perto de si. Eles eram muitos jovens para entender aquela cena. A mãe nunca tinha lhes falado sobre a morte. As lembranças por mais alegres que fossem não podiam dar a eles ânimos para qualquer rumo que pudessem tomar. Ficaram velando o seu ente querido até o cair completo da noite. Formigas e outros insetos noturnos, começaram a ajuntar em volta, para cumprir o seu ofício. Era muito perigoso permanecer pôr ali.

A noite trazia perigos que eles ainda não haviam experimentado sozinhos. Por sorte, uma lua enorme, começou a surgir no horizonte e logo estava claro como na madrugada daquele mesmo dia, quando saíram de casa. As sombras do pequizeiro, mortalha da mãe deles, fazia contornos com sua sombra. O irmãozinho mais forte e mais esperto, começou a confabular com o outro como fariam sem a proteção da mãe. Não conheciam parentes nenhum de quem pudessem procurar ajuda. Até mesmo o local familiar onde tinham nascido estava distante e perdido para eles. A única saída que encontraram seria procurar o alce. Se ele ainda estivesse vivo.

Caminhar durante a noite era muito perigoso. Existiam muitos inimigos na floresta. Ficar ali parados não convinha. Estavam perto da casa do homem mau e ele deveria ter percebido as suas presenças. Lembraram-se da cacimba onde tinham bebido com a mãe no final da tarde e onde ela dizia que encontrara o alce. Saíram dali na direção da aguada e iriam esperar lá até que ele aparecesse.

Dias depois da matança da corsa, alguém , indignado com o ocorrido, denunciou anonimamente o crime para o posto policial do parque ecológico. Neste telefonema deu riquezas de detalhes, informando inclusive que a fêmea estaria parida e com dois filhotinhos e, mais o caçador, teria promovido uma festança com churrasco da caça.

Os policiais de proteção da flora e da fauna, vasculharam a região perguntando sobre o ocorrido. Ao cabo de dois dias de indagações localizaram o caçador em sua casa. A mãe dele, teve pressa em denunciar o filho, entregando a sua arma, munições e indicando a direção de onde ele chegou naquele dia. Os policiais estiveram no local indicado e lá encontraram algumas provas do crime. Ele foi formalmente preso.

A arma que usava era de fabricação caseira e não soube explicar direito, como a conseguiu e de quem. Ao ser perguntado sobre os filhotinhos, informou que os viu por pelo menos duas vezes no dia em que matou a corsa, e no dia seguinte, viu os seus rastinhos em volta do poço no fundo do posto policial do parque. Haviam rastros de outro mateiro, bem crescido pela proporção de sua pegada afundada no barro duro. Os rastros foram vistos em outras partes do parque, sempre dos três animais juntos. Chegou a procurar a batida deles no bananal e nas proximidades, mas nada encontrou. Chegou a montar guarda de espera, próximo da cacimba, mas era muito perigoso ficar naquela "espera", pois se fizesse algum disparo ali, os guardas poderiam ouvir e certamente ele passaria de caçador à caça e seria caçado sem trégua. Tinha de melhor estudar os hábitos de sua presa, se quisesse ter algum sucesso em sua captura. Aqueles animais deveriam ser muito velhacos. Nunca chegou a ver os três juntos. Chegou a supor que algum veado "erado" estivesse adotado os filhotes da corsa. Já fazia mais de mês que tinha abatido aquela corsa parida.

Goiânia, GO, 15 de Agosto de 01




DIOR D ÁVILA E SILVA


Autor: EURIPEDES DA SILVA
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