Um pedaço de melancia
Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Sempre que a mídia elege os melhores atletas do ano, costumo dizer que o maior atleta do Brasil é o povo que sobrevive com parcos recursos. E ainda consegue, persistentemente, vislumbrar alguma esperança em cada ano novo.
E quando falamos em esperança, as cooperativas de catadores de lixo são exemplos de perseverança e crença num mundo mais digno. Uma lição de vida para intelectuais e políticos que desfrutam o conforto de seus gabinetes.
No encontro recente entre o presidente e os catadores, Lula chorou ao lembrar de uma frase de um humilde trabalhador logo após a sua eleição.
“talvez seja esse o último pedaço de melancia do lixo que eu vou comer, porque o Lula foi eleito presidente e vai ajudar a resolver esse problema”. Essas foram as palavras do catador que emocionou o presidente e provavelmente sejam lembradas nos natais que virão.
Todos sabemos a origem humilde de Lula. Por ser retirante nordestino conheceu as agruras da fome e da exclusão social.
Com um passado desses, seriam de crocodilo as lágrimas do presidente? Claro que não.
Se o presidente é capaz de chorar e se emocionar com a solidariedade diante da miséria de um povo, ainda podemos acreditar em mudanças.
Entretanto, passado o primeiro quarto de seu mandato percebemos que as mudanças sociais passaram “a lo largo” das políticas de governo que privilegiou o superávit primário, que, aliás, a maioria desse povo não sabe o que é.
Lula ainda goza de um bom desempenho junto ao povo. A pessoa do presidente tem melhores índices que seu governo. São índices razoáveis para um nem tanto razoável primeiro ano de governo. E esse povo assimilará uma retórica e promessas renovadas? Com as questões sociais mal-resolvidas, até quando o presidente desfrutará desse prestígio? Até quando os esfuziantes discursos para um ano novo com geração de emprego serão convincentes?
Não bastará eleger o emprego como prioridade para o próximo ano, o governo terá que criar políticas voltadas para a inclusão social. O emprego dignifica e inclui o cidadão e o povo não quer só comida, quer diversão e arte. Já dizia o roqueiro e poeta.
Será muito triste e desolador chegarmos no final do ano e o repórter mostrar novamente o homem comendo outro pedaço de melancia como sua única refeição no Natal 2004. E, mais desolador ainda, acreditando como sendo o último pedaço de melancia.
Quando os humildes forem tomados pela desesperança, serão luxo os nacos de melancia do lixo. Apenas um pedaço de melancia será a extrema satisfação e será seguida de graças em agradecimento.
E seguiremos, a cada ano, renovando as esperanças do povo. Parodiando o poeta Antonio Augusto Ferreira. Não enchemos a boca dos filhos e sim a vida vazia.
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