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Artigos-->Segunda-época -- 31/12/2003 - 05:17 (Nereida) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era dezembro, época de exames. Eu sabia que estava indo mal em matemática e latim. Não me surpreendi com os resultados: segunda-época nas duas matérias. (Para quem não é do tempo, explico: quando não se obtinha nota suficiente para passar de ano numa matéria, uma segunda oportunidade era facilitada. Fazia-se novo exame da mesma, em fevereiro, era a segunda-época .O limite era duas matérias; mais do que isto, era reprovação do ano.)



Com a má notícia gravada em tinta azul numa caderneta de notas, fui do colégio para casa a pé. Levei duas horas e meia para chegar, mas precisava desse espaço para me preparar para a tempestade. Minha mãe levantaria um escarcéu daqueles; meu pai me olharia com um olhar triste. -- Duas horas e meia de caminhada não me foram suficientes para me preparar para as críticas. Eu me encolheria como um pássaro molhado sob uma tira de folha, sem conseguir me proteger da chuvarada. Em vez de voltar para casa, procurei refúgio na casa de uma família amiga da nossa. Lá me deram guaraná e um pedaço de bolo. Contei tudo sobre a segunda-época e o horror que me dava chegar com a notícia. Teria de enfrentar uma onda, um vagalhão, uma pororoca de críticas... Me ouviram e me consolaram.



Saí mais confortada por aquela gente tão acolhedora. E resolvi enfrentar o que desse e viesse. - Entrei em casa. Eram já umas oito da noite. O sol ainda fazia arder a pele do meu rosto, queimando meus cabelos. Verão de dezembro. Minha blusa branca do uniforme colegial estava grudada às minhas costas magras. Meu busto, que mal se delineava sob a pala bordada com as insígnias do colégio, subia e descia com as pulsações frenéticas do meu coração. A barriga me doía de medo. Chegar com nota baixa em casa era quase crime de proporção federal. Chegar com reprovação, era crime capital.



Mal apontei no portão, nossa cachorrinha veio me latindo, toda feliz. Peguei-a no colo e afundei minha cara avermelhada de calor no seu pelo farto e macio. Com ela me lambendo o queixo, entrei em casa, pela cozinha. E não é que estavam todos lá, em volta da mesa, olhando extasiados para um enorme troço recém-desembrulhado e espaçosamente tomando quase toda a mesa?



-- Vem ver, vem ver! - gritou meu irmãozinho. - Olha o que o papai trouxe pra nós!Uma coisa de fazer vento!



Era um ventilador. Presente do meu pai para toda a família, assim não padeceríamos tanto com o verão. Sempre lembrando da família, o papai. Que ele atravessasse a cidade, de ônibus, na ida-e-volta para o trabalho, não era nada... o forno que ele suportava! Mas nós, a família, teríamos que ter o conforto de um ventilador.



Meu pai olhou para mim, e disse:

-- Não chegue perto ainda, você está muito quente, o vento pode te fazer mal. Agora que você terminou os exames, vai poder ficar dias lendo seus livros com o ventilador ligado. Nem vai sentir o calor.



Normalmente eu pularia no pescoço do meu pai, lhe daria um beijo, admiraria o presente. Ou nem faria isto tudo. Só o meu sorriso lhe alegraria o rosto. Mas, não respondi nada, engoli saliva, soltei a cachorrinha, fui para o meu quarto. Ao tirar a saia, a caderneta de notas pulou do bolso. Os sons da alegria da casa me atingiam no quarto. Como eu poderia cortá-la com minhas tristes notícias? Por que me deixei reprovar? Por que não me apliquei mais? Por que não consegui resolver aquele bendito teorema? E a tradução do "Galia divisa est"...?



Continuei no quarto. E notaram minha ausência.

Do silêncio que se fêz, ouvi minha mãe perguntando, ainda lá na cozinha:

_ Ué, o que deu nela?

E meu pai respondendo:

_ Não deve ser nada. É o calor. Agora que acabaram os exames, ela vai se deliciar com o ar refrescado na sala.



Eu me joguei na cama e chorei.



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