Usina de Letras
Usina de Letras
155 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62219 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10363)

Erótico (13569)

Frases (50615)

Humor (20031)

Infantil (5431)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140800)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6189)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->O Elogio do Genocídio -- 25/07/2001 - 22:44 (Magno Antonio Correia de Mello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Um dos mais graves efeitos colaterais de uma distensão muscular, constatei nos últimos dias, são as revistas velhas que a vítima termina sendo obrigada a ler em clínicas de fisioterapia. Até que não seria tão traumática a involuntária interrupção da minha agitada vida esportiva, se, para suavizá-la, poupassem-me de notícias ultrapassadas, escàndalos já devidamente transformados em pizza, fracassos da seleção brasileira de futebol que soam como grandes resultados diante das aventuras mais recentes do escrete canarinho. Tudo fica pior quando se lê uma bobagem muito grande, porque nem o direito de escrever para reclamar dos editores sobra incólume para um coitado cheio de gelo sobre a perna afetada - não me parece que sequer seria lida uma correspondência relativa a uma reportagem da qual nem se tem mais registro.

Digo isso a propósito de matéria de capa de uma edição da revista "Época" publicada há mais de um mês, que abordava as alterações sofridas no ensino daquela que era e continua sendo a minha preferida entre as disciplinas do currículo escolar primário e secundário. Nas aulas de História, eu era quase sempre um dos poucos alunos atentos enquanto a maioria dormia. Mas, segundo a matéria, se eu voltasse às aulas hoje - e às vezes essa é uma tentação que me passa pela cabeça, diga-se - encontraria uma realidade muito diferente, porque os nomes e as datas teriam sido substituídos por painéis que revelariam os fatos históricos de um modo muito mais consistente.

Devo abrir um pequeno parêntesis para me excluir, pedindo licença à modéstia, desse passado negro tecido pela reportagem. O sono dos meus colegas não me impediu de manter sempre em bom conceito os professores de História que tive, nenhum deles, ainda bem, afeitos a acreditar que o passado é uma sucessão de feitos heróicos e de acontecimentos pontuais, sem causas e sem consequências. Fecho o parêntesis, contudo, concordando, até certo ponto, com as críticas - só muito recentemente, a partir do final da penúltima década do século passado, os livros didáticos começaram a fugir de cronologias estúpidas.

De todo jeito, falta registrar o que me incomodou na tal reportagem, e não se preocupem, eu o farei logo em seguida. Trata-se de uma infeliz referência à vergonhosa Guerra do Paraguai, cujo estudo, segundo os repórteres, teria sofrido nova revisão, agora para reexaminar o papel de Solano Lopez nos acontecimentos. Sabe-se, sobre essa guerra, que a historiografia publicada a respeito era unànime até que fosse derrubada a ditadura militar: não restava nenhuma dúvida de que o Brasil se envolvera no conflito para salvar a humanidade e para retirar do poder um tirano sanguinário, que atormentava a vida de um país vizinho. Nesses velhos tempos, ai de quem duvidasse do heroísmo do valente Duque de Caxias!

Depois que o país se "redemocratizou" (desculpem-me pelas aspas, elas são merecidas), as coisas se tornaram mais claras e os livros escolares descobriram algo que os meios acadêmicos já conheciam: a gloriosa guerra não passara de uma carnificina. Não adiantava mais nada, porque as três nações estúpidas que aderiram à Inglaterra já haviam sofrido as consequências de terem ingressado no lado errado do conflito, mas pelo menos se tinha o consolo de que não era mais preciso reverenciar um marechal carniceiro como um exemplo de bravura no campo de batalha.

Agora, para meu pasmo - não bastassem os apagões, a volta iminente da inflação, o desemprego indo às alturas, a miséria tomando conta de tudo - para meu pasmo, eu dizia, resolveram acusar o coitado do Solano Lopez pela ocorrência do conflito. Na versão mais moderna dos fatos que geraram a Guerra do Paraguai, o ditador paraguaio passou a ser visto como um caudilho ensandecido, que levou seu país ao suicídio. Suicídio, vejam bem a palavra, suicídio. Para essa versão, o ingresso do Paraguai na guerra foi um ato suicida.

Se Solano Lopez era um ditador ou um democrata, bem, amigos, a esse respeito não opino. Não porque seja do meu feitio elogiar ditadores ou defender tiranos, mas porque não me parece que essa seja uma questão relevante para resolver o assunto. O Paraguai não iniciou a guerra porque era dirigido por um ditador sem juízo. Enfrentou meio mundo porque lhe cortaram o acesso para o mar, o que não é suicídio, mas um ato lógico - sabendo-se que no século passado não havia aviões, sem a permissão dos seus vizinhos, tornava-se impossível para um país desprovido de litoral importar ou exportar mercadorias. Suicídio... Suicídio, na verdade, seria aceitar a situação passivamente.

Peço perdão por incomodá-los com essas queixas, ressuscitando uma reportagem vencida, mas não poderia agir de outro modo, porque me lembro bem de quantas pessoas foram suicidadas pelos governos militares que se espalharam a partir da segunda metade do século passado na América Latina. E nós que reclamávamos disso!... É duro admitir, mas chego a ter saudades desses tristes tempos - nos dias atuais, cansados de matar indivíduos, os historiadores da direita resolveram suicidar países...
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui