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Artigos-->A cidade que um dia morreu e renasceu -- 06/01/2004 - 17:33 (Evandro Carvalho da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
As ratazanas estavam desesperadas quando a nau perdida e lamentável cruzou a última fronteira de sua existência. Sabiam os roedores que só havia uma única alternativa para que estes continuassem a sobreviver: pular fora da barca furada o mais rápido possível. Haviam quiijaras de tamanhos impressionantes, tamanhos tais que faziam a água balançar como numa grande tempestade. Espécimes indecentes e imundos, os roedores se acotovelavam para saber quem da barca furada pularia primeiro. Uns não sabiam nem nadar, mas não tinha problema, a água – sempre límpida e imaculada – fugia arredia daqueles seres imundos.



“Quem me dera ter o espírito dos ratos; viver na sujeira para a sujeira, nada mais do que sujeira. Sujeira pura e imunda sem o menor pudor. Reduzir a identidade à imundice e nada mais! Quem me dera ter este espírito simplista; fazer da brutalidade uma sensatez orgástica, fazer do terror a mais eficaz prática de domínio, fazer do cinismo a grande virtude, agonizar os nobres como idiotas improdutivos. Como seria mais fácil ser uma ratazana: podre, fedorenta e aliada, sempre, ao poder vigente.” O mar falou e se recolheu para que as quiijaras da nau entrassem em seus domínios.



Caminhando pelo grande charco, o homem plural nada mais sentia depois da grande conquista do seu eu bruto, estava anestesiado e perdido tamanha a complexidade da descoberta. Não era mais o conjunto da previsão, nem mesmo uma criatura de seqüências do tipo “começo, meio e fim”, alojara-se num pedacinho de sua imensidão transmutado para a realidade de um de seus sonhos. O sonho resumia-se a um charco límpido e perfumado, água límpida com a relva verde banhadas por uma chuva suave e infinita. Os céus perdiam-se de tão cinzentos, reféns de nuvens poderosas que regavam o ambiente. Pluralista, caminhava dialogando com suas divagações e memórias, sempre se lembrando da nova realidade que lhe apoderava a existência. Gozou ao tombar no charco e percebera que ali jaz o seu martírio de ser seqüente. Nascia o eu puro.



As pobres ratazanas esperavam a nova chuva de moedas, a ansiedade cortava-lhes a alma enferma. Sórdidas e de odor insuportável, as ratazanas no afã de colher as moedinhas, vestiam-se com ética, honestidade e moral. Pareciam cordeiros de Deus. Orgias estéticas alegóricas, as fantasias impressionavam pelas suas formas grotescas, resultado da pressa com que foram vestidas na base dos empurrões e de uma correria alucinada dos monstros. Riam sem parar uns dos outros. “Nossa, como você fica ridículo vestido de honesto”, dizia um. “Faz-me rir, veja só esta indumentária de austeridade”, dizia outro. “Como há pastiche no mundo, uma velhaca como tu, ratazana sórdida, posando de virtuosa”, dizia outro ratão, daqueles bem grandes.



Os céus não demoraram muito para sentir o odor insuportável daquela situação inusitada. De lá de seus mundos mandaram furacões de chumbo que arrasaram com sublime precisão o que restava de Rio dos Véus e suas cercanias. Não sobrou uma só pessoa, um só animal, uma só planta, um só sequer ser vivente na vastidão que contemplava a magnífica e sorumbática cidade. Sobrou apenas um charco e uma chuva tênue que banhava um mundo de ninguém. Do âmago de seu centro surgira o homem plural, nascido de si mesmo de uma insurreição do eu puro, baniu para o nada o ser bizarro, externo e estéril que prensava sua existência entre as divindades e a narcótica sociabilidade. Dali, gozando sem parar, erigiria uma nova Rio dos Véus, um colosso de cidade que não mais teria ratos. De nenhuma espécie.

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