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Cartas-->Revis -- 11/08/2012 - 14:50 (Marcelino Rodriguez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Capa: Marcelino Rodriguez, o autor, em sua casa de Santíssimo, Rio de Janeiro, na infância.


O America é sobretudo uma questão de amor”
Dario
“O America é como uma religião”
Tia Ruth
“Nenhum fanatismo em futebol deve ser perdoado, exceto o dos torcedores americanos”
Marcelino Rodriguez
“Torcedor do America não bate bem da cabeça. È tudo maluco.A vida de americano é dura”
João da Net (Documentário America Unido Vencerás no Yutube )










O novo livro do escritor Marcelino Rodriguez enfoca um aspecto da vida que me interessa muito e que vejo muito pouco abordado no Brasil.
Se o futebol é a dita paixão nacional, é decepcionante por outro lado, que haja tão pouca exploração cultural em torno dessa paixão, que no mínimo produz uma riqueza enorme de elementos, que deveriam inspirar autores de todas as áreas.
Salvo as honrosas excessões (uma música aqui, um livro, ali, de vez em quando um filme- amém Ugo Giorgetti), a produção é inversamente proporcional à paixão que o futebol desperta no povo brasileiro.

Marcelino Rodriguez já publicou inúmeros livros abordando diversos aspectos da vida e desta feita, mergulha fundo nesse universo. Sem medo, de peito aberto, conta-nos sua paixão pelo América Futebol Clube, o simpático diabo rubro carioca .

E ser América é um ato de fé. Quem conhece mínimamente a história do futebol do Rio de Janeiro, sabe o quanto esse clube tem um glamour especial, tornando seus anos de martírio por maus resultados, dramáticos na intensidade de um tango argentino.

O América é único em seu nascedouro. Numa comparação entre o Rio e São Paulo, por exemplo, vemos similaridades entre os clubes: Corinthians e Flamengo são expressões das camadas populares; Vasco, Palmeiras e Portuguesa, times de colônias de imigrantes, Santos e Botafogo atraíram torcedores por montarem equipes sazonais de muito sucesso. E o América, onde se encaixaria ?

Não se trata de um clube que representa um bairro como o Madureira, Bangu ou o Juventos da Mooca paulistana.
É uma emoção e foi com esse enfoque que Marcelino explica em seu livro, o que representa esse sentimento.

Com deliciosas crônicas arroladas em vários momentos de sua vida, desde a infância, Marcelino consegue transmitir essa emoção.
Luiz Domingues é músico e escreve em diversos Blogs, sobre assuntos variados, incluso o futebol. É paulistano, palmeirense e adora ler estórias relacionadas ao futebol, onde nem sempre o que acontece dentro das quatro linhas, é o mais importante.

Recentemente, fiquei conhecendo o escritor, poeta e jornalista cultural Marcelino Rodriguez, autordo livro "America, Paixão Imortal", que estou apadrinhando com satisfação e lealdade americana.
Nesta obra, que mistura a história mais próxima do clube e as emoções saudositasde Marcelino, muitas delas vividas por mim já com os cabelos esbranquiçados pelo tempo, que também tenho histórias para contar desde quando comecei a me apaixonar pelo America de Osni, Gritta, Oscar,Danilo e Amaro. China, Maneco, Cesar, Lima e Esquerdinha. Vi Zagalo jogando no aspirante do America.
Ainda conservo o meu coração jovem, apaixonado pelo Brasil, Aparecida, Três Rios, Minha família,meus amigos e o America Futebol Clube. Grato pelo convite, aqui fica as palavras desse humilde jardineiro e que Deus continue iluminando sua alma generosa.
Jorge Ibraim, ecologista octogenário, torcedor rubro



NASCE UMA PAIXÃO

Nossa história começa em meados dos anos setenta. Naquele tempo, os clássicos da rodada eram disputados as dezessete horas, na íntegra. Eu era um menino de cabelos cor de girassóis que costumava cair nos ombros e era franzino como um anjo invertebrado, o que me valeu em Santíssimo, onde morava, o apelido de Mosquito. Eu assistia a reprise de America e Flamengo, vencido pelo rubro negro por dois a um. Porém, todos os comentaristas diziam que o placar havia sido injusto e, ao que parece, o America, que costuma ser subtraído até fora do campo, fora prejudicado. Fiquei indignado.
No dia seguinte, cheguei para o meu padrasto, o capitão Mike de múltiplos talentos, sargento da valorosa Marinha De Guerra e interroguei-o, como se o oficial fosse eu.
-- Tio, o America é bom?
-- É sim.
-- Então, sou America.
Desse dia em diante, nasceu uma paixão que levou-me as aventuras mais quixotescas e ao amor mais certeiro, cuja mesma fidelidade não posso prometer a mulher alguma, posto que o amor de um homem por uma mulher pode ser chama, mas o amor de um torcedor americano de pedigree costuma ser imortal. Depois desse dia , Capitão Mike passou o resto da vida tentando insinuar que virei a casaca. Mas não é verdade. Ser America é uma certeza sobrenatural do meu ser. Até essa noite, o futebol era algo disforme para mim. De ai em diante, eu era um rubro a maisno mundo, com certeza.







Ter decidido meu time naquela noite, trouxe para dentro de casa um problema de proporções sociológicas. O caso é que só havia um rádio AM em casa e meu padrasto não o largava de jeito nenhum nos dias de jogos do rubro-negro. Começaram as rixas. Minha mãe decidiu a peleja que travávamos pelo espaço do rádio com uma parcialidade escancarada. Deu-me um radinho do pilha de couro azul, que foi um grande companheiro da minha infância, além de ter sido, juntamente com o livro “Só As Mães São Felizes”, muitos anos depois, sobre a vida do Cazuza, presentes dela que jamais esqueci. Na voz de Doalcey Bueno De Camargo, grande americano, fui iniciado na alegria de ouvir os gols do Mecão. Além disso, o radinho servia para meus romantismos nebulosos musicais de infância. Definitivamente, como chamou-me um vez certa mulher, eu era o Bob.
Um dia, porém, o sobrenatural, invejoso da minha felicidade, resolveu encarnar um demônio em meu melhor amigo na época, o Ângelo. O America aplicava uma goleada estratosférica num time que agora não me recordo e a cada gol, eu vibrava e gritava alto. Creio que nunca duvidei de Deus, porque o demônio é evidente demais. E se existe um , há de haver o outro. Elementar.
O fato é que meu amigo, que morava na casa defronte, veio em minha direção com uma fúria insana, como Michael Douglas naquele filme e , invadindo minha casa, jogou fora meu radinho de pilha de capa de couro azul no brejo que tinha ao lado de minha casa, o que levou-me a um perigoso estado de pranto. Eu olhava meu amigo terno, que era meu competidor de botão, sem entender nada. Estava possuído. Para quem duvida dessas coisas, digo que dias depois Ângelo veio em minha casa aos prantos com outro radinho, pedindo desculpas. Aquele radinho de pilha que dera-me minha mãe deve ter dado inveja ao Lucifer e ele resolveu usar meu amigo para destruir o presente que eu ganhara. Tenho pena dos homens que não rezam. São, a imensa maioria, marionetes do mal.



Estar num estádio de futebol, vestido com as cores do meu time dos pés a cabeça, patético e sem noção. Uma cerveja gelada, eventualmente um cigarro fumado nervosamente; soltar centenas de palavrões por minuto, exaltado, ilógico, blasfemo, hilário. Isso tudo faz a felicidade sem igual de um autêntico torcedor de arquibancada. Nessa vida, onde temos que parecer ser sempre o que não somos, estar insensato pelo meu time é como estar diante de Deus, puro de coração.
Estar torcendo pelo America é um dos meus melhores momentos nessa vida.







PRIMEIRA VEZ NO MARACANÃ, COM CAPITÃO MIKE

Em nossa vida de menino há aqueles momentos de fulgurantes intuições que nos levam a atos que ficarão para sempre marcados em nossa memória enquanto vivermos. Foi assim que comecei, quando todos em casa e no bairro já sabiam que eu era o garotinho fanático pelo America, com uma paixão que beirava ao mitológico, a pressionar meu padrasto para levar-me a primeira vez ao Maracanã. Capitão Mike, como bom capricorniano, não era de facilitar sem levar nada em troca e teria que ser um America e Flamengo para estimulá-lo de forma a não permitir sabotagens dele, para enfim eu ter meu sonho realizado.
O ano era 1978. Uma bela tarde de domingo.E não poderia ter sido escolhido um jogo melhor.
O America entrou em campo de branco e aquele branco parecia, ou era, divinal. Esse jogo entrou para a história porque o ponta esquerda do America, Silvinho, fez um verdadeiro gol de placa no empolgante empate de dois a dois. Ao entrar e vislumbrar o interior do estádio, dei de frente com a torcida do America do outro lado, num número muito inferior ao contingente rubro negro.
Esse primeiro impacto deu-me novamente uma sensação de injustiça.
Havia, porém, naquelas faixas em vermelho e branco uma nobreza, uma magia, uma sina que logo percebi que ali, entre aquela gente, estava meu lugar e pressionei meu padrasto – eu que estava vestido de America dos pés a cabeça, – para que levasse-me até lá. As faixas diziam “Torcida Organizada”, Torcida Belfort Duarte” e outras.
Só sosseguei quando percebi que deixava para trás o lado rubro negro. Lembro-me que gritei e vibrei como nunca, sobretudo porque o dia era de Silvinho, que infernizava pela ponta-esquerda.
Meu padrasto,anos depois, ele que tinha mania de criar ficções e sustentá-las, disse que eu gritava “vai, Silvinho, vai , Silvinho” e que os outros gritavam “cala a boca, Galego”. Não posso negar que o Capitão Mike foi um dos humoristas mais sofisticados que conheci nesse planeta muito divertido, quando os seres sem imaginação permitem e não estragam nossa vida com a estupidez. O jogo terminou dois a dois e ficou na história do clássico. Eu sai orgulhoso do meu time do ex maior estádio do mundo e com o senso perfeito de que a partir daquele momento, e para sempre, passava a ser cidadão americano.

NO ANDARAI, COM MEU PAI.


Com meu pai vi apenas um jogo do America contra o Bangu, no saudoso Andaraí. Exaltados, nós dois comandamos uma escarrada coletiva no bandeirinha, o que , hoje, já convertido aos valores espirituais, faz-me pensar, ao recordar isso, que terei de quando for para o céu pagar antes algumas cestas básicas na ante-sala de São Pedro.
Qual dentre nós, porém, não tem seu porão de infâmias? O pecado nos une a todos. Como disse Jesus, atire a primeira pedra quem nunca pecou.
Logo que contei a meu pai que era torcedor do America, ele reagiu de forma hilária e disse que eu poderia ser tudo , menos Flamengo.
Mas não contarei detalhes porque não vivemos tempos de humor sofisticado. Existe nesse mundo criaturas que se vendem como “ilibadas” e criaram a chatice do politicamente correto. Convenci-o a levar-me para ver esse antigo clássico alvirrubro no estádio Wolney Braune, nosso alçapão. As arquibancadas lotadas ainda contava com trinta por cento de banguenses com aquela bandinha que eu achava insuportável. Quem não conheceu a bandinha do Bangu nada sabe sobre o futebol carioca. Nem merecia ter nascido.
Meu pai se exaltava no jogo, adotando o America pelo filho. O estádio, todo em vermelho e branco, tinha gente até no morro defronte. Uma festa. O jogo terminou empatado e o bandeirinha deixamos em petição de miséria. Não lembro se foi zero a zero ou um a um. O que vale é que percebo hoje que meu velho espanhol tinha um talento muito especial para deixar-me um canal 100 de lembranças.



ADEUS, SANTÍSSIMO!, ADEUS PALOMA!

Foi duro deixar Santíssimo, que foi sempre a minha terra no Brasil. Sobretudo ter deixado Paloma, minha cadela pastora alemã que dera-me meu pai.
No carro, a caminho de São Cristóvão, as lágrimas sinalizavam minha saída do sitio onde mais fui feliz. Deixava a casa rosa e confortável, de grades brancas, onde tirei a mitológica foto com a camisa do America usada na capa desse livro. Tão bonita foto que teve gente que pensou que eu era um boneco.
Nasci um clássico.
Deixar Santíssimo foi, definitivamente, o fim da inocência.





1980, BEM VINDO A SÃO CRISTOVÃO

No novo bairro, São Cristovão, tendo a facilidade de ser de localização central, eu ia aproveitando para levar minha paixão rubra onde fosse possível.
Havia, naquele tempo, um programa de televisão muito original chamado “Conversa de Arquibancada”, onde participavam figuras como o Russão, fundador da torcida Folgada, que conheci nessa minha ida e faleceu esse ano. Nosso bravo representante no programa era o Nilo Sérgio, da torcida organizada.
Desejoso de ir ao programa e sendo o garoto apaixonado que era, procurei entrar em contato com o Nilo para que ele levasse-me. Acredito que por ser uma torcida seleta e proporcionalmente menor que a de nossos rivais, temos nós rubros um instinto algo maternal uns com os outros, pois somos preciosos no convívio para nossa sobrevivência psíquica . Nilo topou na hora levar-me, responsabilizando-se perante minha saudosa mãe.
Eu o esperava de véspera, vestido a caráter, no melhor estilo Tia Ruth e acredito, se me recordo bem ou se não está essa minha memória me inventando fábulas, que bati na porta do seu Brandão para avisar da minha façanha.
E não apenas apareci no programa, como fui citado como um dos “americanos presentes”. Quanto ao Russão, a torcida do Botafogo devia fazer um gibi para ele, que a meus olhos de menino era o que ele me parecia: um personagem de quadrinhos.



Na velha foto do Jornal dos Esportes, vejo-me sentadinho na arquibancada de São Januário, com meu boné do Mecão. Nessa época, eu era o presidente da torcida "Diabinhos Americanos" e também seu único membro. Fiz uma faixa que hoje dou risadas ao recordar. Ao meu lado, em pé, um torcedor vestido de múmia protestava. O time estava em crise e a múmia fora o motivo da reportagem. Que orgulho daquele menino que fui nos meus treze anos.






Dentre os meus amigos todos, em São Cristóvão, nenhum foi mais chegado que o Mario, que era tricolor como o pai . Tínhamos uma relação de irmandade, pois embora eu fosse o craque do Mourão Futebol Clube, time da nossa rua que criei, era Mario quem era o goleador, embora não fosse de grandes habilidades com a bola. Mas ele , porém, garantiu muitas e grandes vitórias para o nosso time. Marola, que me ensinou a fumar, estava comigo em 1982, na conquista americana da primeira Taça Rio, quando a torcida do Fluminense aplaudiu de pé lindamente nossa vitória, o que levou-me as lágrimas. O que, porém, faz-me retornar a essa quadra da vida e imortalizar o nome de meu amigo de puberdade, foi o bolo de quinze anos que ele fez para mim, com um escudo do America em vermelho no seu designer clássico sobre um fundo de açúcar branco. Graças ao Mecão, tive a sorte de ter uma festa de quinze anos inesquecível na memória e a partir de então essa data deixou de ser especial apenas para as mocinhas, mudando um paradigma importante na história do mundo. Mario hoje é um homem de bem, um motorista de taxi que vive deixando e voltando para mulheres e cigarros, um personagem que penso daria um documentário excelente sobre a vida urbana moderna.



O Botafogo, até que ganhasse o título de 1989, com gol do ex rubro Maurício (para mim gol irregular, pois ele empurrou o zagueiro do Flamengo), amargava jogos e mais jogos com suas arquibancadas vazias. Era um divertimento neurótico o meu de ficar comparando os públicos de nossos jogos com os dos alvinegros. Em geral, nossos jogos eram mais concorridos. Num jogo nosso contra os botafoguenses, nesses tempos de vacas magras do rival, cometi um ato arrogante e antiético. Nessa época, diga-se de passagem, eu me importava tanto com valores morais quanto com as pedras do chão. Era um jovem inteligente, mas meu caráter tinha lá suas ambigüidades. Enfim, como os botafoguenses estavam em menor número, resolvi com a camisa do America dar um passeio na parte deles na arquibancada e logo que cheguei um garoto menor que eu veio protestar e tive uma súbita compaixão dele. Senti-me (e era) um predador invadindo o espaço alheio, prejudicando a cadeia alimentar. Nisso, sou surpreendido com um chamado do cantor Aguinaldo Timóteo, que estava sentado solitariamente. Convidou-me o cantor, a mim e ao outro garoto que me acompanhava, para tomar um lanche e comemos com tudo pago pelo Timóteo, que foi muito gentil e amigo e conversamos algumas amenidades. Esse lanche com artista da voz de “Verdes Campos Do Meu Lar” é uma das raras lembranças felizes que jogos contra o alvinegro me trouxeram.



Não creio que elegi o Botafogo como meu maior rival por acaso. Fora a gentileza do Agnaldo Timoteo, nunca tive. por mais que busque, felicidade contra o Botafogo. Num dos vários jogos protagonizados com o Maracanã vazio contra o alvinegro, fui detido antes do jogo começar. O caso é que a torcida deles pegou um americano na geral na covardia atrás do gol, bem abaixo do espaço da Inferno Rubro, onde eu estava e era meu posto de combate. Quando eu e outros rubros demos com a situação de um americano sendo espancado por vários botafoguenses, descemos as arquibancadas e, da grade, eu venho com meu copo de cerveja descartável cheio e jogo na geral. Outros fizeram o mesmo, porém um guarda pegou-me para Cristo, com uma inflexibilidade nazista e fiquei no caminhão da polícia do exército, sendo liberado apenas ao fim. Num caminhão da polícia do exército passei a tarde com mais um alvinegro com cara de nerd e um outro que havia deixado o olho de um vendedor ambulante de coca-cola arroxeado. Ficamos os quatro ali naquele microuniverso tragicômico e o jogo terminou num melancólico zero a zero. Tarde da noite, ia a pé para casa por fora da Quinta Da Boa Vista, pois por dentro senti que ia ser assaltado e corri antes. O Botafogo é meu corvo do azar. Por isso, morro de rir em suas desgraças.



FRIO NA MADRUGADA, A CAMINHO DO PACAEMBU

Não pensei que o Sergio Coelho, filho do seu Brandão e também americano, aceitaria ir a São Paulo tão facilmente. Comentei com ele que sairia ônibus da sede para o jogo contra o Corintias pela Taça de Prata. Ele, porém, para minha surpresa, aceitou ir e no dia marcado, saímos da sede a meia noite. A caravana rubra foi em três ônibus, se não me falha a memória.Logo o ônibus mergulhou no silêncio e eu no desamparo do frio. Sentia-me um heróico e grande sofredor. Agüentei todavia, resignado, portando apenas a camisa rubra na parte de cima do corpo, encolhido no assento. Chegamos a São Paulo pela manha. Lembro-me de ter ficado um bom tempo antes de entrar no estádio na praça em frente, observando a chegada dos corintianos. O jogo? Perdemos de dois a zero. Jogamos mal. No segundo tempo, aquela multidão da Gaviões da Fiel vieram em nossa direção, pois o Coríntias atacaria para nosso lado e pensei rapidamente que "seriamos esmagados":porém, os corintianos nos vieram cumprimentar cortesmente e deixaram-nos a vontade, com um excelente clima de camaradagem e acolhimento.



COM SILVINHO, NO VASCO

A gente descobre fundamentos e coisas voltando ao passado. Talvez a memória seja algo educativa do nosso espírito. Sim, a memória é um portal para a poesia e para o mistério.
Silvinho ficou pouco tempo no America, infelizmente. Ele que foi o primeiro ídolo que vi jogar ao vivo. A cobiça do Clube Da Colina o levou para São Januário. Então, o que eu tinha ido fazer, num dia qualquer do início dos anos oitenta, em São Januário? O que estaria eu fazendo ali, num treino do Vasco? O clube cruzmaltino foi meu vizinho por décadas e nunca despertou-me entusiasmos maiores. Em 1980, inclusive, assisti o Fluminense ser campeão carioca com o gol de falta do Edinho e eu estava com um colega vascaíno na torcida do Vasco, torcendo mais para o Tricolor, pois a torcida pó de arroz fazia uma festa como poucas vistas por mim no estádio.
O caso é que agora conversava com um dos maiores pontas esquerda que vi jogar. Conversava e chorava copiosamente. E do meu dramático encontro pessoal com o craque, ficou esse trecho de nossa conversa gravada no espírito.
-- Por que você saiu do America?
-- Bem, eu tentei ficar, mas os dirigentes do clube não me deram valor. Eles pensam como pequenos. Infelizmente.
Nossa conversa demorou uns vinte minutos à beira do campo. Essa frase. porém, "eles pensam como pequenos", ficou no meu espírito como uma ordem de despejo, uma maldição. Não perdôo dirigentes medíocres dentro do America, e como houveram deles! Percebo que o clube poderia ser melhor trabalhado e defendido. A conversa com meu ídolo ali no campo do Vasco levou-me a confrontar a realidade de estar a vida do clube sempre entre o feijão e o sonho e a águia e a galinha, o sonho e a necessidade, assim como a minha num país iletrado. Mas um dia o povo da academia me convida para um chá, ou me confere uma medalha, quem sabe. Ou um grande presidente, como os da aurora do clube, venha presidir o America.


LUIZINHO GUERREIRO E O CRUCIFIXO DE LATA

A despeito de uma parte de nossa torcida colocar em questão a lealdade de Luizinho Guerreiro com o clube, ele é um de nossos ícones mais emblemáticos, um símbolo de nossa história.Era em campo um lutador, oportunista, carismático, incansável, emocional, parecia multiplicar-se, sem bolas perdidas. Eu o escalo no meu America de todos os tempos, Numa de suas passagens pelo clube, as coisas não estavam nada bem, os gols não saiam; eu resolvi interferir , então, com a força sobrenatural. Tinha o hábito de chegar muito cedo aos estádios, doente que era.E fui, nesse dia de fé, levando um crucifixo de metal pendurado a um cordão que não me recordo como o tinha comigo. Estava decidido a passá-lo ao nosso artilheiro. Chegando na porta do vestiário, o treinador, que não era um nome conhecido,sequer me recordo contra quem jogávamos, já ia fechando a porta, dizendo-me que eu não poderia falar nesse momento com o Guerreiro, quando de repente, Luizinho que parecia ter ouvido a conversa do vestiário já sabedor do que eu viera fazer, veio falar comigo, ignorando o treinador que segurava a porta entreaberta.
-- Pode falar garoto, o que é?
-- Luizinho, eu trouxe isso aqui para você, disse-lhe, entendendo-lhe já o meu patuá. -- É pra dar sorte.
-- Obrigado – respondeu, levemente emocionado.
Depois de ter visto e falado com meu ídolo, passando-lhe o meu modesto presente, dei-me por feliz e imagino ter me sentido como uma espécie de Anjo Escarlate.



CAMPEÃO DOS CAMPEÕES
Há pessoas que ousam entrar sem oração em certos projetos. Quanto a mim,não consigo falar sem consultar os deuses sobre o ano de 1982. Começa com o Império Serrano, minha escola de coração, sendo campeã com o antológico "Bum Bum Paticubum Burugudum". Madureira vibrou como nunca. E no correr do ano, o America, com aquele time que reputo como um dos dez mais do futebol mundial, conquistou dois campeonatos históricos, tornando-se o primeiro campeão da Taça Rio e Campeão Dos Campeões, o que equivale a um Campeonato Brasileiro ou uma Copa do Brasil, nos moldes de hoje. Fosse o título ganho por um clube de massa e o mesmo disputaria um título mundial em Tókio , o que seria muito justo. O time, que jogaria de igual para igual ao Santos de Pelé, começava com o clássico goleiro Gasperin, passava pelo equilíbrio de Pires, a genialidade de Moreno e com chave de ouro fechava com Gilson Gênio na ponta esquerda, que fez o golaço do título histórico, depois de um jogo tenso contra o valente Guarani de Campinas, que valorizou a conquista. Das arquibancadas, vi na geral o mesmo menino que estava comigo no dia que encontramos o Aguinaldo Timóteo e ele acenou-me. Era uma noite de Sábado. E no gol do título, Gilson chutou duas vezes, até que a bola entrasse e o Maracanã virasse um delírio rubro, a começar por ele, que saiu correndo como um louco, pois naquele momento, todos sabíamos que o campeonato era nosso, com toda justiça, invictos. Sem conhecimento da festa que aconteceria na sede, voltei sozinho para casa, com a sensação e certeza de torcer pelo maior time do mundo. Anos atrás bati uma foto com a Taça, na sede. No mesmo dia que estive com Romário, na sua apresentação. Isso, porém, é outra história.










SEMIFINAL CONTRA O SÃO PAULO, 1986

Em 1986, o America realizou sua melhor campanha em campeonatos brasileiros, sendo eliminado contra o São Paulo e ficando entre os quatro melhores, sendo esse um ano em que o atacante Careca estava iluminado e conduziu o tricolor Paulista ao título,: porém, contra o America no Maracanã, o juiz validou um gol muito estranho do atacante em que só o árbitro viu, com certeza, a bola entrar. No primeiro jogo, o São Paulo venceu por um a zero e, no segundo, com o Maracanã lotado e vibrante, houve um empate de um a um e foi uma emoção extraordinária ver o estádio, além da massa americana como nunca tinha visto igual, colorido com faixas e bandeiras de torcedores de Flamengo, Botafogo e Fluminense nos apoiando; a Inferno Rubro, onde eu estava, comandava a massa com gritos de "Vamos A La Playa Oh Oh Oh Oh, Vamos A La Playa Oh Oh Oh ". Era comovente ver o Rio vibrando com o America. Creio que time algum do mundo é capaz de tamanha façanha de ser querido até pelos rivais. O Maracanã tremia e o público anunciado no placar eletrônico de cinqüenta e tantas mil pessoas foi estrondosamente vaiado. A torcida do São Paulo ficou num canto, valente, mas acuada. A rivalidade entre cariocas e paulistas é grande e o America leva a emoções extremas; o jogo terminou empatado e o valente time de Pinheiro foi aplaudido , apesar da tristeza. Por pouco não chegamos, muito pouco. Hoje relembrando, parece um sonho bom de outro mundo. No ano seguinte, as forças obscuras do futebol criaram o clube dos treze, rebaixando o America na caneta e descaracterizando o campeonato brasileiro, que nunca mais teve a mesma graça. Tiveram a cara de pau de não incluírem o America, um dos fundadores do futebol no Brasil, entre os "grandes". O Mecão, que nunca tinha sido rebaixado, tendo em 1979 em Cesar o artilheiro da competição. Como me disse um alvinegro que viajava comigo meses atrás pelo interior de Minas, , "O America é roubado até fora de campo". Depois de sabotarem o America dessa forma, desiludido, aos poucos fui abandonando os estádios, indignado. Foi meu exílio do futebol e os anos noventa foram sombrios. Dedicava meu tempo a ler poetas e filósofos sombrios.







O CHAMADO


No livro Campos Salles, 118, A Bíblia Americana, obra fundamental mesmo para ser lida por qualquer pessoa que queira conhecer os primórdios do futebol brasileiro, é dito que os clubes, assim como as pessoas, tem uma predestinação. Estava afastado fisicamente do America, sem ir aos estádios, enojado que fiquei depois que criaram o clube dos Treze; ia pela Rua São Januário, com a camisa do clube, ainda da conquista da Taça Dos Campeões, que tem o número nove as costas. Camisa essa que é minha amiga guerreira até hoje e foi comprada no Maracanã. Nisso, passa um sujeito de bicicleta e para um pouco mais a frente do caminho que eu ia, ficando a minha espera.

--- Você é America? --- Perguntou-me com um grande e simpático sorriso.
--- Sim, mas tem tempos que não vou a jogo; perdi o gosto depois que rebaixaram a gente na caneta por obra do clube dos treze. Fiquei desiludido.
Ele contou-me que era professor de educação física no Vasco Da Gama e pediu que eu fosse ao clube, pois o Dario estava promovendo um almoço mensal para os torcedores.
Despedimo-nos.
Ele partiu na sua bicicleta e fiquei feliz de encontrar aquele americanos dos bons no caminho. Anos depois, já sendo ele meu amigo, pude reconhecê-lo no documentário “America, Unido Vencerás “ que pode ser visto no Yutube. Lá estava ele tocando bumbo no |Giulite Coutinho vazio, com outros heróicos americanos, que ousavam acompanhar aqueles times medíocres da década de noventa, uma das piores de nossa história.






CRÔNICA DE UM AMERICANO
(Publicado nas vésperas da final da Taça Guanabara de 2006)

“Naquele canto está faltando eles e a saudade deles está doendo em mim”. A paródia da música feita pra Jacob do Bandolin por seu filho Sérgio Bitencourt, poderia, ritmo e letra, se ajustar para a volta do America, o verdadeiro mais querido do Brasil, ao seu lugar no Maracanã; a volta dos torcedores rubros, sempre fortes, valentes, aguerridos e surpreendentes, tradicionais como o próprio estádio. Eu cresci, antes que os cartolas quisessem roubar o brilho do America, rebaixando um dos vinte maiores clubes do Brasil, indo ver os clássicos do time no estádio e não apenas os clássicos cariocas, uma vez que o Maracanã era o segundo estádio do Mecão, depois do Andaraí, onde recebíamos os adversários do campeonato brasileiro em jogos memoráveis;e o America, bem , sempre teve seu espaço sagrado ocupado e defendido por sua torcida. Sempre. E na maioria das vezes sempre ganhou no grito, mesmos estando em menor número, levando os torcedores adversários a se perguntarem, perplexos, ---“Como pode?” A torcida do America impressiona e comove. Foi muito mágico, depois de mais de uma década em que eu não ia ao estádio, exilado que o time ficou no Brasil pelos pilantras do futebol, ver o nosso lugar de sempre lá: velhos e novos torcedores tomando feliz sua cervejinha, o estatutário vermelho que sempre deixou o estádio muito mais bonito. Foi uma volta romântica; lindo ver o brilho nos olhos dos torcedores parecendo crianças. Uma volta a memória dos meus tempos, nem tão longe, de menino fanático, quando estava lá em todos os clássicos, enfim, em quase todos os jogos. Sou um sujeito sensato em geral, menos quando se trata do America. O Mecão me tira realmente do sério; minha sanidade fica comprometida, o equilíbrio precário. A saúde e a vida correm riscos. Por isso, vou tomando a água sagrada, para ver o verdadeiro mais querido do Brasil. È meu anestésico no estádio. Foi bom ver meus irmãos de vermelho, porque torcedores do America são como um seita seleta, invadindo o estádio numa segunda-feira depois da década de ostracismo para dizerem “Nada Mudou”. Curioso é que ninguém parecia velho, passados mais de dez anos. Pareciam todos crianças. Mesmo a nossa Velha Guarda. Aliás, o grande medo da cartolagem é a grandeza do America. Foi preciso corrupção para afastá-lo do melhor do mundo; a verdade é essa. Depois que quiseram nos afastar, o Maracanã diminuiu de tamanho. Praga dos Deuses. A decisão da Taça Guanabara contra o Botafogo é a mais romântica desde os anos setenta, quando o America disputava a competição como favorito. Pequena e medíocre é a cartolagem, os comerciantes nefastos do futebol e seus negros juízes e os outros. A verdade é que aquele canto do Maracanã é nosso. Sempre foi e sempre será. E nós estamos voltando. Quem quiser que veja o jogo Domingo, o Jogo Do Século. “Alô torcida do America, aquele abraço!”. O Maraca é nosso. “Hei de Torcer, Torcer, Torcer, hei de torcer até morrer, morrer, morrer, pois a torcida americana é toda assim, a começar por mim”...



A FINAL CONTRA O BOTAFOGO, O FIM DE UM SONHO

Os dias que antecederam a final contra o Botafogo foram de tensão e ansiedade nas redes sociais. Durante algumas madrugadas, eu e alguns companheiros rubros defendíamos nossa comunidade de ataques de torcedores alvinegros. Havia muitas provocações de ambas as partes e , sem grandes ódios, acabou que essa guerra de torcidas teve seu lado divertido. Inventei um fake com a cara do Bart Simpsom de camisa rubra e ficava de plantão na madrugada; havia também um outro companheiro fantasiado de Bart e assim protegiamos nosso clã da cachorrada. Inventei que faria um despacho em frente a sede e alguns botafoguenses ficaram apavorados e tenho motivos de sobras para acreditar que alguns deles perderam o sono, ficando de plantão em General Severiano, a espera da minha receita de Pato Alvinegro Depenado, com os ingredientes mais inusitados como penas legítimas de Donald, vindos da Disneylândia e fio legitimo das barbas de Fidel. Até de macumbeiro filho da puta me chamaram. Devo admitir que exaltado nas cervejas da madrugada e na possibilidade de ser campeão em cima deles, irritei-os um bocado. E não foi ilusão minha talvez quando no segundo tempo, integrantes da torcida do Botafogo fizeram um cartaz enorme ironizando minha derrota e mostrando de frente para onde estávamos. Eu era um predestinado naquela final. Antes do jogo, a torcida do America marcou num bar tradicional perto do estádio e fui o primeiro a chegar, antes das quatorze horas. Fui de taxi porque por mais fanatismo que tenha, não ia a muito tempo aos estádios e fiquei temeroso de atravessar sozinho a Quinta Da Boa Vista. Os seres humanos e torcedores dessa época tecnológica não possuem o humor de Nelson Rodriguez e não iam entender talvez minhas pilhérias literárias. Não facilito com bárbaros .
Já sabia que nesse dia o chopp seria minha salvação e depois do terceiro começaram a chegar companheiros da comunidade. Porém, logo a seguir começaram a vir muitos alvinegros; nunca vi tanto botafoguense na minha vida. Acredito que foram a final em que mais alvinegros houveram em todos os tempos. E as duas torcidas, gozações e gritos de guerra a parte, se confraternizaram. Todo rival carioca nos admira e um deles, inclusive, ao ver a paixão que estava nossa torcida, disse de olhos marejados que não importava quem fosse o campeão, estaríamos comemorando juntos. As horas iam passando e as emoções transbordavam com as cores lindas desse belo clássico. Algo mais carioca que um America e Botafogo na final? Então, num rompante de chopps bati uma foto onde um alvinegro beijava nosso escudo na minha camisa e eu o deles. Era o êxtase. Os fanáticos se compreendem. Eles estavam numa proporção de três para um o tempo todo, porém foram pegos com a estratégia que a torcida do America arrumou para surpreende-los. Milhares de buzinas. O Buzinaço. Que tornavam nossa voz absolutamente onipresente no estádio, bastando assim nossa vontade. Eram gritos de sangue e três buzinaços. Quem seria capaz de esquecer, quem lá esteve, essa final antológica? Durante o primeiro tempo, mandamos nas arquibancadas com sobras, quando éramos vinte mil contra quarenta deles! Após o gol de Robert, era quase certo que o título era nosso, embora era estranho o juiz não coibir a violência com que o Botafogo, descontrolado, jogava. O que me fez, perplexo, levar as mãos a cabeça sem entender porque o juiz não expulsava ninguém. Até que veio um dos pênaltis mais escandalosos em finais, a nosso favor, não dado pelo juiz e isso desestabilizou nosso time e manchou a final. Estava claro que teríamos que jogar contra o juiz também; depois disso, todo mundo sabe que os alvinegros ganharam de três a um, embora nosso time fosse melhor. Na saída do estádio, o clima amistoso das torcidas havia acabado e via meus amigos rubros tristes, indignados, e pude evitar algumas desavenças com alvinegros que poderiam dar em conseqüências imprevisíveis. Depois que vi o quanto fomos prejudicados, IMENSAMENTE, meu juízo havia voltado. Tirei a camisa para retornar para casa sozinho, triste e humilhado apenas com a bandana do Mecão na cabeça. Ainda bati uma foto com um ator de televisão alvinegro e terminei a noite chorando sozinho num bar em São Cristovão. O sonho chegara ao fim.



A DESPEDIDA DE CHICO ANÍSIO E O FOLCLORE AMERICANO
Enquanto os homens tentam se matar e ficam se perseguindo como almas penadas nos mundos espirituais, gozo como escritor americano de uma mediunidade privilegiada em assuntos pertinentes ao meu clube de coração, o que me faz modesto por natureza diante desse mistério. Tudo é sobrenatural. Se não fosse, porque eu estaria, dois dias antes de sua morte, sem mais nem porque, lendo o blog de Chico Anísio? Pelo fato dele ser americano de origem e depois, num refinamento de seu humor, dizer ter virado a casaca para o Vasco Da Gama? Todos sabemos que um homem depois dos doze anos pode trocar de religião, mulher, país, deus, sexo e por ai vai, mas de clube de futebol sabemos que não é metafisicamente possível. Como artista, Chico Anísio dispensa comentários: era gênio.
Suas entrevistas eram uma aula de excelência humana. -- Só se pode adquirir cultura de três maneiras , ele dizia a Leda Nagle, -- lendo, vivendo e viajando. Como torcedor rubro era desconcertante de humor negro, peculiaridade de todo americano de pedigree. Ela contou sua suposta virada de casaca.
--- Eu estava em São Januário e o America precisava de um empate, num jogo do brasileiro. Estava ganhando de um a zero e no final perdeu de três a um. Decidi que já estava muito velho pra passar por isso. Cansei de sofrer, então mudei de time.
Com essa suposta virada de casaca, O Mestre Das Mil Faces entra para a galeria de nossos torcedores mitológicos, como Tim Maia, que disse para a mesma apresentadora que era de Virgem, mas depois descobriu que era de Libra e era America, mas como o America não ganhava porra nenhuma, não era mais nada.
O sofrer americano é lendário. Um épico de proporções inacreditáveis, para quem não é americano. Por isso, nenhum fanatismo deve ser perdoado, exceto o dos torcedores americanos.






CAMPEÃO CARIOCA EM 2009, VINTE E SETE DEPOIS DE UM JEJUM

Em 2009, com cerca de quinhentos torcedores na sede, emocionado e ovacionado, Romário foi recebido para levar o America ao título de Campeão Carioca,da segunda divisão.
Eu estava lá e bati fotos com o baixinho.
O time montado era bom. Começava com o experiente goleiro Roberto, tinha na zaga a raça de Ciro e, no ataque, o carismático Adriano, o Michael Jackson, que fazia alegria da galera com suas luvas e suas danças. Depois de uma campanha vitoriosa,digna de nossas glórias, vindo o título antecipadamente, além de Romário ter jogado com nossa camisa e conosco encerrasse a carreira naquela partida final. Depois de um jejum de vinte e sete anos, éramos campeões. Foi no estádio Giulite Coutinho,nosso estádio. Eu estava lá. Invadi o campo com a galera, que o fizera antes de mim, numa festa americana com certeza. Carente de Taças, os torcedores rubros tinham os olhos brilhantes. Afinal,como sempre, nosso amor valia a pena porque nossa alma não era pequena. Coração de americano é grande. Eu dançava com minha toalha no meio do campo, de frente para as iluminadas tribunas de rádio e televisão. Não importa a divisão ou se é futebol de botão. America campeão é um acontecimento. Além do mais, a segunda divisão me parece mais limpa de favorecimentos que a primeira.


PELADA DA TORCIDA, A VERDADE DO BUDA
‘ Me agrada pensar que alguém em Santíssimo ainda se lembrará do lendário Mosquito, que era um mito e jogava com a camisa dez em duas categorias. Parecia o mais certo que aquele endiabbrado menino louro seri um futuro Zico, dado o futebol diferenciado que tinha. Quem sabe algum senhor não se recorda, tomando uma cervejinha? Ou um velho companheiro de pelada, do Bo tafoghinho?
Abandonei o futebol , porém, nos testes do futebol de Saláo do São Cristovão futebol e Regatas, onde me levara seu Brandão, pai do Coelho, que também era americano e massagista do clube. Perdi-me nas quadras e, nesse tempo, a literatura levou-me por outros caminhos e foi um luto insuspeito para o futebol que ficou as multidões sem poder ver Mosquito. Quem viu, viu. E com certeza, não se esqueceu jamais.
Cerca de dois ou três anos atrás. resolvi organizar uma pelada da torcida na sede, homenageando o Dario , fundador da Inferno Rubro e seu Edevair, pai do Romário. Na primeira pelada, depois de passar a noite tentando conquistar uma Piriguete, dormi demais e só cheguei a tempo, no dia seguinte, de entregar o troféu para um dos jogadores do time vermelho, que disse que fora o vencedor; depois, um outro jogador do time branco disse que ganhara e cheguei a conclusão de que o povo não sabe se organizar sozinho, nem com numeração. Nesse país, falta ainda tradição de protocolos básicos de convivência e ordem.
Na segunda pelada, estava certo de reviver as façanhas do menino que fui, porém se a mente continuava mandando as jogadas geniais, as pernas não obedeciam. Além de tudo, Leo, goleiro do time branco, fazia relembrar nosso Gasperin, fechando o gol e nosso time vermelho tomou uma goleada; comigo, o ficou o sentimento de ter para sempre perdido a capacidade de reviver meu glorioso passado futebolístico.
Terminei exausto, ao sol escaldante, indo tomar ceveja no Bar da Sede com os companheiros, solidários comigo, tendo me entregado o Troféu Seu Edevair De Souza Farias. Na volta para casa, o Fantasma do Buda parecia-me dizer no corpo e na alma que tudo é dor e tudo é decadência. Mosquito agora era como uma lenda da memória. Uma vida passada e distante. Parecia ver em toda parte os olhos de Buda olhando-me e sua voz a dizer: “eu não disse?” O darma e suas nobres verdades deveriam ser ensinadas nas escolas. Quem sabe nas civilizações futuras.






A VIDA DE TORCEDOR DO AMERICA E EXILADOS

Passei parte da madrugada conversando com meu amigo Cid, torcedor do America como eu, morando e trabalhando atualmente na Austrália. Falamos sobre nossa cerveja futura em suas férias, sobre futebol, amor e America.
- Então, meu caro! Como é a qualidade de vida na Austrália?
-- Excelente.
-- Pois é, amigo. Por aqui eu já era para estar rico, se o povo fosse mais responsável e comprasse livros.
-- O problema do Brasil é o brasileiro, rapaz.
-- Verdade; se não reformular a educação, já era. Você viu? Elegeram o Clodovil, Tiririca.
-- E o Collor?
-- Pois é, barco à deriva.
-- Marcelino, vou te confessar um coisa, porém. Vida de imigrante é uma merda. Te discriminam. Acham que era um da terra que deveria sentar perto da janela.
-- Eu sei o que é isso, meu caro. Sou meio estrangeiro em toda parte, por ter dupla-cidadania. Também fico triste quando quero lutar pelo povo e para isso tenho que lutar contra o povo. Fica por ai, meu caro. Você é competente. Aqui tem que se trabalhar para as novas gerações. Essa que está ai, já era.
Fico pensando no Cid. Ele exilado lá , eu exilado aqui.
Mas ao menos somos americanos e nos encontramos em Dezembro. Nem tudo está perdido nas cadeias virtuais que nos cercam. As vezes por brechas e trincheiras achamos um coração que nos deixam repousar, ao menos um momento. Algumas vezes os humanos deixam de ser leões.
Eu e Cid, cidadãos do mundo, nos encontramos num desses milagres.



JULIO BARROS, UM SATÉLITE AMERICANO NA FILIAL D ENTRERIOS

Com o povo hospitaleiro que tem, a bela Três Rios tem o seu America próprio, que é a grande torcida da cidade. Passei várias vezes por um escritório público e via na porta um emblema do America. Especulava, no íntimo, se o individuo seria torcedor de qual America, do pai carioca ou do filho de Três Rios. Eu já tinha dado por concluído esse livro quando dei com a simpática e carismática figura do seu Julio, que revelou-se um americano de pedigree, assim como eu.

-- Bom Dia, Senhor! O amigo é americano do Rio ou da cidade?
-- Do Rio.
-- Ah , sim. É que acabei de escrever um livro sobre o America.
-- Pode entrar - Disse seu Julio, levantando-se como um personagem de filme clássico, começando a mostrar-me seus inacreditáveis tesouros do America. Era a senha. Pegou um pote cheio de chaveiros do America e disse que era pra distribuir para as crianças.
-- Puxa, amigo. Obrigado.
Claro que, sendo apenas três, eu jamais irei distribuir. Produtos do Mecão passaram a ser uma relíquia digna de Vaticano, pois de duas dezenas , talvez um pouco mais, de anos para cá, o mercado só prioriza o "quarteto fantástico" Pus logo um dos chaveiros em minhas chaves, enquanto nossa conversa foi logo para a situação atual do clube. Seu Julio otimista com a atual diretoria. Eu, nem tanto. Ficamos amigos e combinamos de prestigiar o America da terra. Fiquei de voltar outra hora para ver a montanha de papéis, fotos e documentos que ele guarda sobre o clube com carinho infantil de colecionador. Voltando para casa, fiquei lembrando a frase de Oswaldinho: "ninguém sabe explicar o que é ser America". Quando eu pensava ter visto tudo, ou quase tudo,faltava seu Julio Barros, um verdadeiro Chefão.

2



Estava conversando com seu Julio Barros, que me contava suas peripécias de vendedor de consórcios ,com uma graça única. Dizia,fazendo gesto com as mãos, que metia o macaco nos clientes, para fazer subir a vaidade dos mesmos e acreditarem que precisavam de um carro zero.
Sendo libanês de pai e mãe, parece ter um gosto especial pela conversação e procuro ,sempre que... posso, passar um tempo agradável com ele.
Um dia me contou que foi um grande vendedor de carros em São Paulo, mas teve que sair de lá porque sofreu três atentados de chineses que, segundo ele, estavam enciumados porque ele sozinho vendia mais que todos eles, os chinas, juntos.

Não parece ser vingativo nosso americano de filme.

Essa semana fui visitá-lo e tentar convencê-lo a deixar comigo alguns de seus cadernos de memórias, para eu deixar em formato de livro, quando um menino oriental entrou no escritório, ao que parece bastante determinado e com um cabelo liso e preto como penas de corvo.

Coreano? – Perguntei à mãe.
-- Não. Chinês.

Enquanto isso, seu Júlio já havia levantado para pegar seu pote de chaveiros do America, dando religiosamente dois ao menino. Parece que é uma espécie de superstição.
Depois,muito sério, vira-se para mim:
– Você não pode prometer nada às crianças, rapaz. Eles não esquecem. Fico imaginando que seu Júlio passando um tempo na China, levaria o America a ser não apenas o mais querido do Brasil, mas do mundo inteiro.

Alguém duvidaria que o pequeno chinês foi convertido?






UM BAR NO CAMPO DE SÃO CRISTOVÃO, DEZEMBRO DE 2011

Há quase dois anos eu não via meu irmão CL, um dos americanos que se tornou praticamente um parente, por causa do clube e da afinidade de NOSOS temperamentos. Ele já me esperava no bar marcado.
-- Fala, meu caro! – disse-me logo que viu-me chegando, abrindo os braços para me receber, com o rosto iluminado por um sorriso sem ferrugem.
Ficamos felizes quando encontramos alguém que sabemos gostar de nós de verdade. Com a decadência atual da civilização e o desgastes das relações isso é quase um milagre no mundo moderno. A maioria das pessoas se fecharam em sistemas de indiferenças; se acha de tudo: padre, santo, pastor, dentista, frentista, profetas sobrenaturais, porém achar um amigo é que é a graça. Uma pessoa com empatia humana, que podemos relaxar a nossa humanidade comum. C.L é uma dessas pessoas. A massa humana anda virando grandes Brothes de um sistema de alienados de mau gosto, com suas mentes poluídas de música ruim, poluindo o planeta azul. Tanto eu quanto C.L temos grandes dificuldades de sobreviver na selva urbana do país.
-- E ai, já adotou minha idéia? – disse, depois que sentamos. C.L costumar me pilheriar que no Brasil eu devia fazer livro em formato de bola para vender mais. E que o ensino da leitura e a interpretação de livros clássicos na alfabetização fariam mais que as bolsas do governo, num prazo médio, com cérebros capazes de entender metáfora e ironia. C.L pede cerveja e começamos a conversar sobre nosso futuro, quando o assunto que nos uniu, a existência do America, vem à tona.
-- E o America? – Ele pergunta.
Dou uma tragado no meu cigarro, jogo as cinzas no cinzeiro, sinto um imenso prazer de ser fumante eventual e sinto pena dos não fumantes e dos fumantes inveterados, que não conhecem a filosofia do meio termo com relação aos prazeres. Não gostar de prazeres refinados, livros, boa música, comida sofisticada é uma espécie de aberração.
-- O America vai mal, maninho. Não tem capital humano suficiente para sair do atual buraco. O clube está todo fragmentado, dividido em facções internas e na nossa própria comunidade existem rixas, sabotagens. Acredita que apagaram meus textos antigos? Cansei disso. Americanos de verdade, solidários, que gostam da vida social do clube, somos poucos. Por exemplo, nós dois somos uma minoria: americanos e amigos de verdade. Ele cita vários nomes, sujeito X, sujeito Y, perguntando minha opinião sobre alguns diretores e vou balançando a cabeça negativamente.
-- Cara, tu não livra ninguém.
-- Não é isso , maninho. Apenas o America é sagrado pra mim, como um deus ou uma mãe. E não posso fazer concessão nesse assunto, facilmente.
-- Sei como é. O que você acha que a gente poderia fazer?
-- Fechar internamente; fazer seminários entre sócios, torcedores e simpatizantes sobre o nosso futuro, que faremos. Se ainda temos condições de nos manter no futebol, que foi enfraquecido pela conjuntura e inoperância de diretorias anteriores. Como o futebol hoje é todo mercantilizado, acho que perdemos para sempre o romantismo.
-- Nós pegamos um tempo bom, né?
-- Sim. E como. Aquele time de oitenta e dois poderia ser comparado ao Santos de Pelé e ao Flamengo campeão em Tókio. È que a mídia desses times são massivas. Mas acho que aquele nosso time era um dos dez mais de todos os tempos. De verdade.
A gente ia conversando, comendo salaminho e derrubando garrafas como bolas de boliche com grande nostalgia. Eu via sem jeito os olhos de C.L cheio de água. Nosso time agora, traído em sua grandeza, luta como Daniel na cova dos leões.
-- Tá gostando da Dilma? – Ele pergunta, para disfarçara as lágrimas nos olhos.
-- Ela me parece bem intencionada, mas o pais precisa ter uma filosofia de educação verdadeira, com as pessoas saindo da escola tendo cultura e gosto em estudar, com mentes desenvolvidas e não atrofiadas como hoje. O Brasil precisa de uma engenharia humana, senão vamos ter sempre esse povo infantil e sem prioridades, sendo posto no bolso pelos péssimos políticos. Como pode uma classe universitária que só lê livros de seu segmento? Prefiro nem falar em política com essa humanidade que ai está. As pessoas tem que sair do colégio vivas, curiosas, com valores e mentes universalistas. Conhecendo a arte do mundo. Fora isso, tudo é analfabetismos funcional. Mas apesar disso, o planeta continua lindo e os cavaleiros e Anjos mantém algumas coisas valendo a pena.
-- E querem acabar.
-- Mas não conseguem. Na hora certa, joio e trigo serão separados. A humanidade do mal e sem amor, vai cair num buraco negro cósmico porque não estão cumprindo o propósito a que vieram.
O telefone de C.L toca, com a canção de nosso hino instrumental. Ele levanta e sai para a rua, para ouvir melhor. Retorna com ar preocupado.
-- Cara, é minha mãe. Tá pedindo para eu ir para casa. Ela ta recém operada. Deixa que eu pago essa, disse, dirigindo-se ao caixa.
C.L voltou, deu-me um abraço de despedida; fiquei vendo meu mano de coração rubro de ouro ir embora, torcendo para que Deus o proteja dos predadores. Alguma coisa dentro de mim dizia que em caso de qualquer cataclismo, ele estaria salvo. O coração americano dele ficaria intacto como um poema. Sozinho com minhas cervejas eu olhava na grande TV de plasma, o DVD tocando o clássico do Mágico De Oz.

Marcelino Rodriguez, escritor hispano-brasileiro, é uma das maiores revelações da atual literatura; sua obra mostra um artista multifacetado, autor de canções como “Eterno Menino”, “Silvia” e “Somos Nós” e “Valparaiso”, em espanhol ; colaborador de programas de rádio no Brasil e em Portugal, além de ter uma obra literária de extrema complexidade e inspiração, contando dois livros de poesias, nove livros de crônicas e uma novela, “O Tigre De Deus Em Seu Jardim”, onde o autor atinge uma originalidade que faz do livro um clássico, intrigantemente entre o romance, o poema em prosa e a novela . O autor ainda atua lecionando espiritualidade e simbologia, organizando grupos de estudos do conhecimento tradicional. Com America, Paixão Imortal, o autor continua , segundo diz, a fase biográfica.

WWW.marcelinorodriguez.wordpress.com

Obras do Autor


“O Observador de Pardais”, 1996; “O Espião de Jesus Cristo”, 1999; “Juvenília”, 2000; “A Ilha”, 2001; “Café Brasil”, 2001; “Boneco de Deus”, 2002; “Mar Romântico, Mar“Sol da Meia Noite”, 2009”, 2002; ” Bom Dia, Espanha!”, 2005: “Anjo da Tarde”, 2008: “Vinte Poemas”, 2010;”O Tigre De Deus Em Seu Jardim”, 2011.



Prêmio Pérgula Literária Internacional,
Medalha Ação Cultural
Troféu Dez Mais Taba Cultural Editora.
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