Porque transpasso as pernas dela,
com minhas bêbedas e tesas mãos,
pernas dela mesa, áspera e cambaleante,
que ampara meu debruçado rosto,
julgado, gélido, por ela subjugado.
Porque lhe rasgo e sangro as entranhas,
com minhas unhas que também sangram,
maculando de rubra cor suas rugas,
rugas frases outrora escritas por,
insensível aço de facas que sonham.
Porque lhe empresto lágrimas a cântaros,
emblema lasso de esquecida dor,
dor já embriagada de ingênua lascívia,
outras pernas suadas e permissívas,
que também deslembro a cada desamor.
Então está ela em crença de que sabe,
que tudo sabe a tanto me difamar,
já lançando a outros que lhe bebem,
outros ébrios tantos que lhe comem,
as prosas que a fio de voz vim declamar.
Lastimo estar sóbrio e poder descortinar,
a ridícula traição de tábula tão desleal,
que desvendou meus desencantos,
desencontros que em soluços guardei,
e os ofertou à turba de maneira brutal.
Não, a nenhum ébrio mais deixarei saber,
recostada em qualquer convidativo canto,
esta já cambaleante e rude mesa,
pois hei de fazê-la arder com minha ira,
aquela onde a boemia fez versos em pranto.
(AdeGa-out/01) |