Era hora de dormir, e lá estava ela concentrada na leitura que sempre fazia antes de dormir. Era um hábito insuportado pelo marido. A luz acesa, o barulho de folhas perpassando uma sobre a outra e os remechidos sobre a cama deixavam-o indignado com tamanha abnegação pela leitura, também, tamanho desprezo pelo marido, que depois de tanto trabalho e um dia cansativo, não tinha a atenção que merecia.
Lá pelas duas da manhã, ela lia a última página, até que fechou o livro e em seguida os olhos para, finalmente, dormir, mas, naquela noite o sono não veio e começou um terrível tormento. Prostou-se a ler novamente e o sono não se vinha. Resolveu lanchar biscoitos com leite e nada... . Tentou um banho morno, depois um relaxante, depois um suco, então uma música, em seguida a TV e por fim uma mandinga... continuava acordada. Naquela angústia sentiu, pela primeira vez, inveja do marido, que dormia como um anjo. Resolveu acordá-lo, então, mas ele roncava como um porco. Também, de nada adiantaria.
Pensou até em contar carneirinhos, mas era muito maçante, então, teve uma idéia: Vestiu o seu ropão, calçou os seus chinelos e foi passear com o cachorro pela praça da vizinhança e, ao amanhecer, foi encontrada dormindo sobre um banco, com o sol em sua face e aquele ar de feliz de quem dormia o sono dos justos...
Mas a estória não acaba aqui, porque a mulher levantou-se, viu todos à sua volta correu para casa envergonhada para desculpar-se com o marido e este já havia saído à sua procura, quando, ao saber o que acontecera, voltou para encontrar-se com a esposa e só então percebeu que ela já aprontara a mesa do café e fez tudo melhor do que fizera sempre. Estava banhada, sorridente, fritara até bacon, que tanto ele gostava e estava incrivelmente bem humorada. Com medo de mudar a situação tão agradável, que há anos não se tinha em casa, resolveu não perguntar nada, não dizer nada e esperar o "baque". Ao final do café, ela perguntou-lhe se ele não tinha nada a dizer e ele, em pânico, não sabia o que ela de fato queria ouvir, até que pensou, engoliu o cuspe e, vagarosamente se pronunciou: - Querida, o café estava ótimo, o seu perfume também está bastante agradável e, especialmente hoje, você está mais bonita!... O que mais deveria dizer?, pensou. E, em seguida, passou a mão sobre os cabelos e calmamente indagou-lhe: - O que aconteceu com o Rex esta noite? (pensou ter acertado na bucha, daquela vez tinha sido infalível) e a última coisa de que se lembra daquela manhã foi de uma panela inox, de 6 litros, voando em sua direção. |