Um mínimo de educação
jorge pieiro, de panaplo
No meio de tanta gente, surgiu o repórter com as mãos sujas de graxa, um bloco de notas ensebadas - bloco ou notas? -, uma bica do Ipu de suor, um blaser marrom com algumas ondas brancas do sal nosso de cada dia e um coração em timbalada.
Éramos uma passeata de liliputianos contra o poder crescente do grande irmão globalizado. McLuhan, mortinho, ainda sofrendo por ter pensado naquilo, também Einstein, ainda massacrado pelo espetáculo atómico. Decerto, pensar e democratizar o pensamento é modelo perigoso. A grande enrascada da humanidade. Aonde foi a nossa imensa vontade de salvá-la?
Pois o repórter, pelo crachá lia-se João Duvoltaire, envolveu-se no centro do furacão, tal qual um diabo no meio do "redemunho" do velho Rosa nas veredas do sertão, e pegou de passagem um professor do ensino fundamental. Espantado com a abordagem, o inocente cidadão abriu a grande boca de fome mostrando as aranhas que cresciam naquele céu. Duvoltaire, sem bússolas, desarticulou o pensamento que o levara a invadir aqueles domínios, correndo atrás da notícia maratonista e perguntou com uma inevitável indiscrição:
"Desde quando o senhor tem apenas três dentes?"
Precisavam ver a cara do ensino fundamental! O professor grunhiu um desacordo, repetiu em tom de desagravo, mas depois sorriu, imaginando que não sabia o motivo de estar ali, uma mochila com o pão mofado nas costas, uma voz rouca de quem havia conquistado o Himalaia aos gritos. Concluiu:
"Deus há de olhar por nós!"
Empurrado de um lado, empurrado pelo outro, Duvoltaire perdeu o cidadão que havia na crença. Sem dentes e sem documentos, o cidadão ia adiante empurrado pela massa, gritando, agitando, suando.
Na hora da sala, diante do computador, Duvoltaire concluiu o texto, deixando vago para o leitor quem seria aquele Deus de quem falara o professor. Se o de carne e osso, mas também onisciente, onipresente e onipotente mandante do Poder, ou se aquele lembrado nas horas difíceis de escolher entre um prato e uma ilusão.
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