Só posso supor que estou aqui vagando há muito tempo, pois por estas bandas não há relógios ou calendários. Os aviões a jato passam e eles não fazem conexão para o Inferno, a parada mais próxima. Quem quiser ir para lá, vai ter de ir a pé. Ouvi dizer que o Céu fica muito mais longe, a viagem é cara e não há pit stops ou espaços de manobra, por isso todo mundo prefere ficar por aqui mesmo. No limbo.
Deus por enquanto não apareceu. Como navios na noite, parece que nunca nos cruzamos. Enquanto escrevo esta mensagem, uma menininha passa por mim e, com uma desconsolada curiosidade, me pergunta: "No mundo dos espíritos, quantos anos a gente tem?" Engoli em seco e ela se afastou, pedalando sua dúvida.
Não saberia dizer se a Terra,vista daqui, é azul azul. Mas ela está lá, indolente, girando sobre o aro sem jamais cair na cesta. Mesmo que eu quisesse, não saberia voltar. O caminho para outras vidas é de mão única, acidentado e não há postes de luz, pouca gente se arrisca. Por aqui há muitos como eu, como você, mas quase nenhuma conversa. Ao contrário dos vivos, não compartilhamos monótonas recordações ou planos para o futuro. Não nos julgamos mortos, e sim desterrados. Nossas sombras se impõem no espaço e nosso único receio é de que este sonho se acabe quando estamos cansados demais para um outro começar. As coisas foram, são e serão do jeito que foram, são e serão. Por que será que sempre que olhamos, a laranja já caiu do galho?
Talvez, no fim das contas, você acabe achando que vida e morte não sejam tão diferentes assim, mas para ter vida, é preciso ter fome, e quando ficamos famintos demais, começamos a comer o próprio coração.
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