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Contos-->UM DIA, NO TEMPO -- 20/04/2000 - 11:45 (Javert Denilson) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos





Nos fundos da casa havia um lote vago. Era pequeno e cercado por um muro bem forte, porém baixo. Havia pés de bananeira e capim nascendo entre os entulhos formados de velhos tijolos, restos de construção. Aquele pequeno espaço de terra era o mundo predileto de João. Ele pulava o muro para brincar no lote e quando o fazia, lá estava seu amigo Fabian esperando. João possuía um tesouro e todo domingo, pela manhã, ele e seu amigo preparavam cuidadosamente o objeto. O tesouro ficava em dois sacos plásticos, bem amarrados e dentro de uma caixa de papel. Com uma folha de caderno os meninos escreviam e desenhavam a área de onde partiria a aventura. João morava numa casa pequena e cujos vizinhos eram casais com filhos recém-nascidos. O corredor era estreito sendo que à esquerda dava para a rua e à direita para o lote vago. Da porta da casa de João até o portão de acesso ao corredor davam cinco passos. Do corredor até o lote vago vinte passos. O papel tomava o aspecto de um mapa, como nos filmes de piratas, com linhas pontilhadas, números de passos, desenhos de referências e o título bem destacado: “Em busca da baú perdido”. Dentro do lote vago, a partir do primeiro pé de bananeira, João contava dezessete passos até o final do lote. E próximo a um formigueiro o destino do tesouro. No mapa não havia o “x” que marcava o local do objeto enterrado e sim o desenho de um pequeno baú. “Agora, esconderemos nosso tesouro em nossa propriedade”, dizia João. Fabian sorria. De posse de uma pequena pá e do tesouro, eles pulavam o muro que dava para o lote vago. Seguindo conforme o mapa cavavam um buraco não muito fundo, permitindo assim não ter muito trabalho. O dia após a aventura João seguia sua vida normal. Ia para aula na segunda, na terça... A semana arrastava-se. Às vezes, ele tinha que segurar o ímpeto de não desenterrá-lo na quarta ou quinta-feira. Ficava ansioso para o sábado chegar e quando chegava pegava sem mapa e corria para o lote vago. Seguindo passo a passo os detalhes que ele mesmo fizera e corria atrás do tesouro. E nem era preciso chamar seu amigo Fabian, ele sempre estava lá. E no domingo repetiam o mesmo ritual. “Ninguém descobriu o segredo do pirata Barba Negra”, pensava João.



João não sabia onde Fabian morava. Não conhecia seus pais. Não sabia nada a seu respeito. Ambos se conheceram no lote vago. João simpatizara-se com ele e a amizade entre os dois tornara-se sincera.
A cada fim de semana eles enterravam num local diferente temendo o assalto de intrusos imaginários. O tesouro, que até na palavra tem o nome “ouro” não era uma caixa de jóias, ouro e nem moedas e sim a coleção de bonequinhos de plástico de super-heróis do João. Super-Homem, Thor, Capitão América, Homem-de-Ferro, Hulk e o Homem-Aranha. Tinham dez centímetros de altura. Ganhara da mãe como presente de aniversário. Era o brinquedo mais bonito que possuía. Eles brincavam muito com os bonecos durante o dia inteiro de sábado para depois enterrá-los com um precioso tesouro. João gostava mais do Homem-Aranha, o herói que conseguia se grudar às paredes e ao teto de qualquer lugar, lançar sua teia e ficar balançando de prédio em prédio. Fabian gostava mais do Super-Homem, pois este voava e possuía o valor de liberdade.
Quando as férias de julho chegaram João viajara com sua mãe para a cidadezinha do interior, onde morava sua bisavó. Mas antes de viajar ele resolvera enterrar seu tesouro, pensando na emoção e na expectativa quando ele voltasse para casa. Fabian ficara encarregado de sempre ficar de olho no lote vago para que evitasse a ação de inimigos. E assim João partira levando consigo o mapa. Os dias passaram. João ficara na companhia dos primos que
contavam suas aventuras. João por sua vez impressionara-os com a brincadeira do “Em busca do baú perdido”. Os primos adoraram.
João começara a sentir saudades de casa e principalmente de seu tesouro. Ficara fora durante trinta dias. Trinta longos dias. Uma espera ansiosa. Quando retornara o terreno baldio havia se transformado. Homens trabalhavam numa construção. Os entulhos, as bananeiras, tudo havia desaparecido. O lote estava completamente plano. Seu mapa não servia mais para nada. “Por que meus pais fizeram isso? Por que não me pediram autorização?”, pensava o menino. Sua mãe lhe dissera que a casa onde moravam não era dela e sim de outra pessoa. Bem como o lote nos fundos, que daria lugar a uma outra casa. Ele teria novos vizinhos.
Descobriram seu tesouro. Talvez seria melhor escondê-lo numa ilha. Mas João era marinheiro de terra firme. Nunca vira o mar. Isso era algo que não acontecia com um verdadeiro pirata. O grande saqueador dos sete mares. Barba Negra tinha essa alcunha devido à espessa barba que possuía. Ele era enorme e fortíssimo, capaz de partir um homem ao meio com o golpe de sua espada. Após saquear alguma cidade, ele e seus comparsas singravam o alto mar. Encontrando uma ilha deserta, ancorava o navio, pegava o tesouro e o colocava num bote. Requisitava um marinheiro novato para remar até a ilha. Barba Negra fazia o mapa de próprio punho. Media os passos, anotava as referências e quando escolhia o lugar pedia o marinheiro para cavar um buraco bem fundo. Com o objeto em seu devido lugar, antes mesmo que o marinheiro pudesse cobrir com terra, Barba Negra pegava seu cutelo e aplicava um golpe na nuca do pobre homem que desabava morto por cima da arca. Assim sendo, o espírito do marinheiro tomaria conta do tesouro. O pirata era supersticioso. Enterrava tudo com a satisfação de que somente ele sabia o local exato de onde escondera. Depois pegava o bote e retornava para o navio. Fazia este procedimento com tudo que saqueava. Por isso que até hoje nunca encontraram os tesouros perdidos do Barba Negra. Seus fiéis marinheiros o guardam muito bem.
João envelhecera e em sua memória fica a interrogação de quem teria encontrado seu tesouro. Talvez a escavadeira de um trator. Talvez um homem de posse de uma enxada teria descoberto a insignificância dos objetos dentro da caixa de papel. Ou teria aberto a caixa e encontrado os bonequinhos. Ou sem perceber teria jogado fora como entulho. O que importava? Perdera parte de sua infância. Agora em seu coração reside a saudade da brincadeira... e do amigo. Mas o que mais entristecera João na época fora o desaparecimento de Fabian. Depois do que acontecera com o lote e com o tesouro ele nunca mais apareceu. João sequer tentou descobrir onde Fabian morava. Não perguntara à mãe, os vizinhos mais próximos e os amigos de escola.
Dez anos se passaram e João começara a investigar a respeito do amigo. Ninguém nunca ouvira falar deste nome. Quem sabe, Fabian esteja guardando seu tesouro até hoje, como fiel marinheiro que era.


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